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Maarten Janssen, 2014-

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1724. Carta de Isabel Pereira para o seu marido [Marcos Simão Perfeito], capitão de Infantaria.

SummaryA autora, instigada pelas revelações trazidas por dois frades conterrâneos, escreve dando novas ao seu marido, apontando ainda indicações de que conhece a situação em que ele se encontra.
Author(s) Isabel Pereira
Addressee(s) Marcos Simão Perfeito            
From Portugal, Leiria, Pederneira
To S.l.
Context

Voltando a Portugal de uma missão em Cabo Verde, dois franciscanos (Província da Soledade), frei Pedro de Campeã e frei Dionísio de Vila do Conde, foram à sua terra natal (Pederneira, Nazaré) em romaria a Nossa Senhora da Nazaré. Isabel Pereira, legítima mulher de Marcos Simão Perfeito, que ela sabia estar em Cacheu, perguntou-lhes se sabiam dele. Ficou então a saber que o seu marido, ausente de casa havia 10 ou 12 anos e com quem vivera somente quatro meses, afinal casara na costa da Guiné com certa mulher preta viúva, de seu nome Ana Lopes. Na sequência desta descoberta, Isabel pediu que os padres levassem uma carta para o seu marido. Mas esta missiva não chegou a ser entregue ao destinatário, já que aqueles religiosos a encaminharam imediatamente ao Santo Ofício.

Semelhante documento constituía prova de vida da primeira mulher, mostrando assim que Marcos Simão Perfeito ousara, conscientemente, violar o sacramento do matrimónio, contraído 'in face ecclesiae' em S. Martinho da Pederneira, por volta de 1711. Em sessão perante os inquisidores, o réu declarou ter mantido contacto com a primeira mulher através de diversas cartas, e que recebera a notícia do seu falecimento quando passou por Cacheu um navio proveniente da ilha da Madeira, cujo capitão era natural da Pederneira. Foi então que, assumindo-se disponível para casar, contraiu matrimónio com a viúva do capitão Francisco Fernandes Carrilho. Contudo, as incongruências das suas declarações, confrontadas com as revelações que Isabel Pereira fazia naquela carta, não ofereciam dúvidas quanto às culpas de bigamia e de como o seu marido deliberadamente quisera ocultar a sua condição de homem casado, ignorando a sua primeira mulher no curso de uma década.

Support duas folhas de papel de carta escritas em ambas as faces do fólio 5 e no rosto do fólio 6
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 7423
Folios 5r-6r
Socio-Historical Keywords Ana Leitão
Transcription Ana Leitão
Contextualization Ana Leitão
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2014

Sentence s-2 hoje em quarta feira meado da quaresma foi pera mim dia de Pascoa graças a Nosso Senhor, que ha nove annos por mais deligencias minhas the as cinco horas da tarde de hoje mais não soube de vos se hereis morto se vivo
Sentence s-3 julgai agora no discursso de tantos annos qual tera sido a minha alegria emtre tantas e tam innumeraveis doenças, que tive e alguma tam perigoza e tam perlongada que morrendo tantos escapei por mizericordia de Deos
Sentence s-4 fora melhor morrer que verme metida em tantos trabalhos q-uantos Deos sabe e con tantas pennas pois deixandome de tam poucos mezes pessuida de vos julgarieis em mim o mais minimo discuido e que nunca jamais me passais da memoria,
Sentence s-5 esta he a minha disconfiança mas a maior de que serieis vivo ou não;
Sentence s-6 todos os annos vos tenho escripto sem sessar e Remetido a Bahia ao hirmão pellos homens destas Partes; e ao hirmão procurando muito por vos de que não tive Reposta nem notiçia alguma
Sentence s-7 esta tarde dous Religiozos Antoninhos me mandaram chamar a Nossa Sra de Nazareth aonde estão esperando por esta e lhe fui fallar com o alvorosso de ouvir noticias vossas cuidando serião por carta e letras vossas, que não quizestes aRiscar por eu não ter esse alivio
Sentence s-8 e me contento com as noticias largas, q me derão de vos asim da vossa vida e saude como do bom procedimto e caridade pera com os Proximos que menos o não estimo porque talvez que por esse meio em tanto dezemparo me tenha N Sra acistido por meio de outros que cheios de caridade me ssocorem e a minha Mai que nunca lhe sahi da sua compa e da sua obediencia e com minhas hirmans, e se acham hoje cazadas huma em sam Martinho outra nesta terra;
Sentence s-9 e como os Padres me digam não Não tivestes cartas minhas sermeha forsozo tornar a Repizar em alguma Parte notícias da minhas vida
Sentence s-10 e he como ja digo
Sentence s-11 ha seis ou sete annos derão as doensas em sam Marti-nho e na caza de meus Pais com tal excesso que todos cahidos
Sentence s-12 meu Pai faleceo e o tio Joseph Lopes e eu fiquei tal daquella doença que tres ou quatro annos padeci tantas doenssas e nos achamos em tantas necessidades depois de não termos mais que vender nem quem nolo gainhasse nem em sam Martinho quem nos fizesse algum bem
Sentence s-13 minha Tia Maria Pereira que vive nesta terra com seu Marido e seu filho Jozeph Pra cazado compadecendoce de nós nos puxaram pera esta terra e juncto asi moramos vai pera tres annos
Sentence s-14 mas com o seu pouco ter pouco bem ou nada nos podiam fazer e com o nosso trabalhinho tres molheres passavamos mizeravelmte
Sentence s-15 e sendo notoria a nossa muita necessidade e honestidade fomos ssocoridas pella Mizericor-dia desta va e haverá sinco ou seis mezes pella noticia q o Provedor della tinha de nós tendo em sua caza huns doentes me pedio lhe foce acistir aonde estive dous mezes que durarão as doensas em caza
Sentence s-16 e conhecendo com mais induviduaçam da mizeria q pasavamos procurou comodo pera minha hirmão Alcanjara e a mim e a minha Mai temnos em sua caza tratandonos com a estimação e caridade, que he notoria
Sentence s-17 e os dous Padres estavam mto bem imformados quando eu lhe falei do procedimento e vida deste sugeito João de Almeida que sendo cazado meteo a molher e as sobrinhas freiras
Sentence s-18 vos suponho tendes delle noticia
Sentence s-19 morou na Baihia veio de llá vinte annos com sua Molher
Sentence s-20 hera mto conhecido de vosso hirmão João Ribeiro
Sentence s-21 he filho desta terra veio da congregaçam de lisboa pa ella
Sentence s-22 tem acistencia no hospital da Mizericordia tem a seu cargo os Pobres e doentes e he Provedor ha seis ou sete annos the aqui
Sentence s-23 he noticia pello q toca a caza donde acisto e quãnto de mim a minha vida he Bem Notoria
Sentence s-24 e como tenho a Deos a quem Reconheço por senhor e a vos por hirmão e marido não lhe sei Render as graças
Sentence s-25 Permita elle darvos mta vida e saude pera meu alivio e Remedio que se ate qui me tenhais faltado o façais agora mais com a prezença que como propio Remedio pera a vida humana que em q com a falta deste me não tenhão faltado tribulaçoins
Sentence s-26 pella divinna Mizericordia vou pasando e pasarei mas não sem vos pois q Deos N senhor vos fes meu
Sentence s-27 ja me não atrevo com mais demoras
Sentence s-28 espero me não falteis com a vossa cta pois novamte fico ardendo nas chamas de humas saudades:
Sentence s-29 a Tia Izabel Pra pera aqui veio ajuntarce tambem comnosco com o seu capello com João
Sentence s-30 e Rodrigo esta tambem ja aqui está cazado
Sentence s-31 e muito se vos Recomendam e a Tia Maria Pereira e Anto Martins minha Irmão Maria e seu Marido
Sentence s-32 a outra mora em sam Martinho como ja digo Minha Tia Maria gomes e seus filhos
Sentence s-33 como tiverem esta vossa noticia ficaram mto contentes
Sentence s-34 a minha Mai não vos digo mais de seu contentamento que dis lhe não esqueseis na continua devaçam de N Sra de Nazareth e s Anto e que sam tantas as saudades que dis não pode mais que não lhe sabe se lhe durara a vida pera vos ver
Sentence s-35 Nosso Senhor lha de e a vos como mto quero
Sentence s-36 e todos nos vejamos como espero e pello amor de Deos
Sentence s-37 aDeos meu Irmão do meu coraçam que mto vos gde e esta senhora de Nazareth pera que vos traga sedo com mta saude
Sentence s-39 os Pes me favorecerão lcom huã esmolinha do q dou tambem graças a deos

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