Louvado seja Ds
E dey a VM. e a todos os sres e servos dessa caza, a qm me recomendo com mtas lem
branças, e á minha velha, com a saude, q tem mto de seu divino amor pa lhe fazerem mtos
servissos: eu com a q possuo estou pa servir a VS.MS. e pa os encomendar a Ds como faço.
Meu sor confesso, q tenho algũa semelhança com a jumenta de Balaão
e com Inez da Conceyção. Com a jumta porq ésta ainda q com facilidade consentia
sterni, et capistrâri, e sem a menor rezistencia seguia qualquer caminho em q éra pos-
ta, lá houve occazião, em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por onde Balaão
a quiz levar, e rezistiu de maneyra, q nem antes, nem depoys de a castigar com gol-
pes se lhe sujeytou a ir por elle. E não lhe ficou elle em pequena obrigação, porq se
ella não fizéra o q fez, sem duvida se iría elle meter nos fios de huã espada q em castigo
de haver tomado este caminho estáva aparelhada contra elle nas maos de hũ Anjo, q el-
la vía, e elle não, sem embo de q eélla éra huã jumta e elle hum Propheta. Balaam
vendo ésta rezistencia, sem advertir, q éra extraordinarea e nunca vista na jumta como
ella lhe disse arguindoo, e elle ainda sendo qm éra, advertindolho, o não negou; e sem adver-
tir, q por extraordinarea, éra erro sem desculpa o querela regular pelas regras ordina-
reas, ou não suppor, q a jumta experimentáva alguã força extraordinarea, q a não dey-
chava ir por esse caminho: mas pondo os olhos somte no q se lhe reprezentou à pra vis-
ta julgou ainda q mál, q a jumta éra desobediente, teymosa, e cabecuda, e q tinha mto
bem merecido tudo qto elle lhe havía feyto: mas feyto éra assim, ou vice versa, vejase o q
diz o Textu. E vejase a providencia de Ds em acudir pola innocencia, ainda de huã ju-
menta açoutada por qm não só estava obrigado a na-na açoutar pelo q fez, mas por
isso mesmo q fez, lhe estáva tam obrigado, como tenho dito. E vejase o cuidado q Ds te-
ve de reprehender a Balaam dando palavras a huã jumta não só pa fallar como gente
e pa mostrar a sua innocencia, mas pa erguer, vencer, e attar a hum Propheta em pre
zença dos mesmos, q a havião visto castigar. E ainda Balaam ficára mto peor, se ven
do o q a jumta fez, e ouvindo o q a mesma disse se não dêra por entendido, e fizéra como
devia o q fez a tempo conveniente. E vejase tambem o cuidado q Ds teve em dispor q
este cazo se escrevesse pa q fosse notorio em todo o mundo com todas as suas circunstan-
cias assim louvavens pola parte da jumta como reprehensivens pola parte de Balaão
E Inez da Conceyção padeceo como a jumta e mto mays; mto mays, porq a jumta
teve contra si hum só, e éslla teve contra si mtos a jumta padeceo em hũ só breve espaço, e élla
padeceo em mtos espaços, e mtas horas, em mtos dias, em mtos mezes, e em mtos annos; a jumta
padeceo em hũ despovoado e ella padeceo em huã corte; a jumta éra huã jumta e ella
éra, ao menos huã mer de bom juizo. E sem embo de ter valor pa padecer tanto, lá pa
rece q houve tambem occazião em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por on-
de a querião levar e devia ser o caminho de se disdizer do q havia dito confessando
q o q havia dito nem éra de Ds nem do Diabo, mas fingido por ella propria, e parece
q o rezistiu de maneyra q nem antes nem depoys de ser castigada com gólpes se sugei
tou s ir por elle, etc.
E eu tenho como disse alguma semelhança com as duas innocentes