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Covo, excerto 18

LocalidadeCovo (Vale de Cambra, Aveiro)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Arquibaldo

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[1]
INF Não.
[2]
Ainda Ele no no Covo ainda
[3]
INF Não.
[4]
acabou.
[5]
Ainda o ano passado havia uma, um palheiro donde digo.
[6]
O telhado que tem agora é telha.
[7]
INF Era.
[8]
Tem outra casita.
[9]
Olhe, acolá era a cozinha
[10]
e aqui era outra, outra outra casita que era melhor, mais melhorzita d- do que o coiso.
[11]
E o outro morador é o inquilino dacolá daquele lado.
[12]
INF Era.
[13]
Era dois.
[14]
Era dois .
[15]
Dois.
[16]
Eram dois mora-.
[17]
INF Ah, isso vai [pausa] perto de duzentos anos.
[18]
Duzentos anos, não,
[19]
porque o outro o homem morreu
[20]
se recusava.
[21]
Ora o homem morreu quando foi o ciclone um ciclone muito grande
[22]
INF Que ele nós fo-
[23]
Olhe que eu fui a mais um um primo meu buscar o caixão a Gatão, para o homem ir para a sepultura.
[24]
E olhe que a gente vinha um atrás outro adiante, com o caixão ao ombro.
[25]
E quando tal, caiu um pinheiro,
[26]
[vocalização] que o vento jogava o pinheiro abaixo.
[27]
INF E a gente, depois, vinhamos aqui acima a chegar à Felgueira
[28]
e depois então
[29]
Foi no tempo do minério!
[30]
As senhoras recordam-se do minério?
[31]
INF Do volfrâmio.
[32]
Pois, pois.
[33]
Recorda-se isso?
[34]
Foi
[35]
INF Pois.
[36]
Foi nessa altura.
[37]
INF Sei .
[38]
Eu sei .
[39]
INF Não, não.
[40]
Não.
[41]
INF Para quarenta.
[42]
Ou quarenta ou quarenta e tal;
[43]
devia sê-lo em quarenta;
[44]
ou em quarenta ou em quarenta e tal.
[45]
INF E depois iam muito homens, muitos que andavam no minério, por abaixo
[46]
a chover!
[47]
e eles eram para mim e para um mais um primo meu que vínhamos com o caixão
[48]
mas nem à mão o podíamos trazer,
[49]
'trazíamos-o' ao ombro, um atrás, outro adiante ,
[50]
diz assim: "Ó homem, vocês vão vão-se botar a matar por quem morreu"?
[51]
Porque aquilo era:
[52]
volta e meia caía um pinheiro, da banda diante da gente, outros a b-, às vezes, da banda de trás,
[53]
e a gente
[54]
Meu amigo, o homem tinha que ir para a cova
[55]
viemos.
[56]
Fomos quatro pessoas ao, quatro homens a levá-lo à co-, à [vocalização] , o homem, à cova.
[57]
[pausa] Ao ombro!
[58]
INF Ao ombro!
[59]
Olhe como eu sou a mais esta senhora
[60]
e [vocalização] botamos um pau, e o caixão entre nós, e outro atrás
[61]
e levamos assim acolá, ali abaixo à Lomba, à cova.
[62]
Que ele dizia que ele nos
[63]
Dizia aquilo.
[64]
Ele uma vez a ler, ali atrás com as vacas,
[65]
eu era rapazote pequeno,
[66]
e ele disse ao acaso que diziam no livro que havia de haver uma guerra não! que havia [vocalização] , que os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos.
[67]
O livro , ele não se constavam aviões
[68]
nunca ninguém fala em aviões.
[69]
E o livro dizia que o [vocalização] os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos.
[70]
E quando nós visse estas t- estas serras todas cortadas, de estradas e tudo do homem, que o mundo que era um paraíso e está! , que ele que o mundo que durava pouco.
[71]
INF Que a terra que havia de ser pólvora, [pausa] a água que havia de ser gás [pausa] e a, e o e as pedras ser enxofre.
[72]
INF Olhe que eu, eu dava hoje mais de vinte contos por aquele livro, [pausa] se eu o tivesse.
[73]
Mas depois ele morreu
[74]
e ficou um, um um sobrinho dele [vocalização] a estragar tudo
[75]
Mas é um livro assim [pausa] de coiro sempre e tal sem metal.
[76]
Isso é que era um livro de dizer coisas!
[77]
E diz que havia de haver uma guerra na Europa
[78]
e ve- e houve.
[79]
INF E diz que há-de haver uma guerra mas essa ainda não veio! que há-de ser vencida por os homens de sessenta anos no Campo de Ourique em Lisboa.
[80]
INF Olhe que o homem leu isso diante de mim
[81]
e eu nunca mais me esq- passou de ideia.
[82]
Eu era um rapazote com os meus onze dos doze anos ou treze.
[83]
E ele disse que havia de haver uma guerra [vocalização] em Portugal, que há-de ser vencida pelos homens de sessenta anos em [vocalização] no Campo de Ourique em Lisboa,
[84]
que não havia de haver era mocidade nenhuma.
[85]
INF Que os homens de sessenta anos que é que haviam de fazer uma guerra!
[86]
E que as mulheres, nestas aldeias, quando vissem um homem quer dizer, como os aciprestes, quer dizer, como os padres e quando vissem um homem que haviam de dizer assim: "Louvado seja o Senhor,
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vem um homem"!
[88]
INF Olhe que aquilo no livro!
[89]
E ele eu, o homem leu aquilo diante de mim!
[90]
INF Diante de mim e um tio meu, dois tios meus.
[91]
E eu era miudito
[92]
fiquei com aquilo na ideia,
[93]
depois bem queria bem andei até às voltas dos sobrinhos dele a ver se lhe caçava esse livro.
[94]
De coiro,
[95]
hoje, não o dava antes que me dessem cinquenta contos.
[96]
INF E eu naquela altura, eu dava o que bem fosse
[97]
e os sacanas estragaram-no e [vocalização] .
[98]
Mas aquele era um livro!
[99]
Aquilo era um homem a saber ler e a saber a saber as coisas, sabe?
[100]
INF E a gente, olhe, e que ainda é outra coisa que ele dizia: que para a fim do mundo que a gente que não havia de conhecer o Verão do Inverno senão pelas folhas.

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