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Granjal, excerto 20

LocalidadeGranjal (Sernancelhe, Viseu)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Ercília Elina

Text: -


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[1]
INF1 Para a gente tirar o o pus que
[2]
Que se não fosse isso, a gente
[3]
Olhe, uma como a mim morria.
[4]
Porque eu tenho sinusite na cabeça.
[5]
E quando eu trouxer estas dores muito grandes de cabeça e que a p- e a cabeça muito pesada, é é o pus que anda dentro.
[6]
INF2 Pois é.
[7]
INF1 E depois quando começa
[8]
Se me deitar assim um bocadinho, assim que eu não gosto de me deitar assim de barriga para o ar mas se me deitar um bocadinho, eu sinto correr tudo para a garganta.
[9]
INF2 Ah!
[10]
INF1 Aquele pus.
[11]
Depois, quando eu sinto correr, levanto-me,
[12]
ponho assim no bacio,
[13]
corre em fio.
[14]
Tenho uma sinusite muito grande, eu.
[15]
Diz que a apanhei de chorar muito,
[16]
disse o senhor doutor.
[17]
INF2 Pois é.
[18]
INF1 E chorei muito, chorei.
[19]
Chorei muita lagrimazinha.
[20]
Aquele filhinho que me ficou fora, um homem.
[21]
Se Se a senhora o conhecesse!
[22]
Muito forte!
[23]
Mais forte que o marido da senhora.
[24]
Muito alto, muito elegante, o cabelo muito grifo, umas sobrancelhas muito carregadas, umas pestanas assim compridas, os olhos pretos, grandes, lindos!
[25]
Era tão lindo!
[26]
Não era?
[27]
O meu filho, não era tão lindo?
[28]
INF2 Pois era.
[29]
INF1 Era tão lindo!
[30]
Era um cravo!
[31]
Aquilo era um cravo!
[32]
E me ficou,
[33]
nunca mais o vi.
[34]
Nunca mais vi aquele filhinho.
[35]
estava para se vir embora.
[36]
lhe faltavam quarenta dias para vir embora.
[37]
E na- E me ele ficou,
[38]
me morreu.
[39]
Chorei tanto, tanto, tanto por aquele filhinho,
[40]
nem me quero lembrar dele!
[41]
Chorei tanta lágrima
[42]
e passei tantos trabalhinhos para o criar, tantos, tantos!
[43]
Tanta fominha, minha senhora.
[44]
Não tenho vergonha de o dizer.
[45]
A gente vivíamos aqui e depois
[46]
Que aqui não se ganhava nada,
[47]
não havia trabalhos para se trabalhar.
[48]
Fomos para Viseu, que o meu marido era de perto.
[49]
Fomos para para Viseu,
[50]
arrendámos para uma casinha,
[51]
estivemos para
[52]
Eu andava por a trabalhar e o pai a trabalhar,
[53]
naquele tempo não se ganhava nada,
[54]
não havia
[55]
Não ganhávamos para comer.
[56]
Passámos tanta fominha!
[57]
Tanta fominha!
[58]
Até que tivemos de nos tornar a vir-nos virmos aqui meter.
[59]
Chegámos ,
[60]
não ganhávamos também nada.
[61]
Eu tinha sete filhinhos em volta de mim.
[62]
Depois o meu marido disse assim: "Olha, vamos para Lisboa".
[63]
Foi a minha filha mais que está,
[64]
chamamos-lhe a Ermelinda, Ermesinda.
[65]
Foi para , coitadinha,
[66]
nos para nos foi chamando,
[67]
para nos foi cha-,
[68]
para fomos todos.
[69]
a gente ganhava mais alguma coisinha
[70]
e eu trabalhava
[71]
e ele trabalhava.
[72]
E E começava um pequeno que tinha
[73]
Com doze aninhos a carregar com com uma coisinha ao ombro, [vocalização] para uma drogaria,
[74]
esfolava os ombrinhos todos, e tudo, coitadinho.
[75]
Mas ia ajudando a ganhar.
[76]
Para estivemos assim muito tempo,
[77]
começámos a andar numa vendinha, eu e o meu marido,
[78]
e íamos mantendo os filhinhos sem vergonha do mundo.
[79]
Mas chorei tanta lágrima, minha senhora, tanta lágrima!
[80]
Passei tantos trabalhos, tantos trabalhos!
[81]
Eu se eu se pu-, ti soubesse ler, havia de fazer um romance.
[82]
Fomos,
[83]
ele ganhava vinte e cinco escudos,
[84]
e eu ganhava
[85]
Nem sei!
[86]
Davam-me assim coisinhas de casa ainda.
[87]
Assim rou- comidinhas e roupinhas para as crianças, e assim.
[88]
E depois [vocalização] estivemos assim um muito tempo.
[89]
Depois, um dia eu disse assim para o meu Emanuel: "Emanuel, e se tu saísses do trabalho, que ganhas tão poucochinho, e arranjássemos uma a ir vender uma frutinha, ou assim qualquer coisinha, que ganhássemos mais alguma coisa"?
[90]
E ele, coitadinho, disse-me assim
[91]
O meu ho-, o meu marido, quando era assim novo, era muito perfeito.
[92]
Era muito elegante, muito
[93]
E E, sabe, e sabe falar assim como que
[94]
Não sabe ler nada mas sabe falar muito bem.
[95]
Toda a gente gostava dele.
[96]
E então eu disse-lhe assim: "Olha, ias à ribeira,
[97]
compravas-me um cestinho de fruta
[98]
e eu mais o Epicurito" que era o meu filho mais velhinho que eu tinha comigo "íamos por vendê-lo àquele prédio,
[99]
podia ser que o vendêssemos".
[100]
O prédio tinha muitos andares.

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