INQ1 Um, dois, três. Um, dois, três. Quatro, cinco, seis. Sete, oito, nove.
INQ2 Vá, fala.
INQ1 Um, dois, três.
INQ2 Está. Está óptimo.
INQ1 Quatro, cinco, seis.
INQ2 Está.
INQ1 Está?
INQ2 Está. Tens é que chegar mais aqui o gravador para o pé do senhor.
INQ2 Espera aí. Alcochete, Fevereiro de 90. Senhor Anselmo. Setenta e sete anos. Setenta…
INF Setenta e oito.
INQ1 Setenta e oito.
INF Setenta e oito.
INQ1 Já lhe estava a tirar um. O senhor vai ficar com o microfone na mão, está bem? Faz de conta que está na televisão!
INQ2 Espere, espere, espere, espere.
INQ1 Olhe, tem de ser em baixo.
INQ2 Pegue assim. Não pegue aqui.
INQ1 Pronto! Então podemos começar. Ó senhor Anselmo, quando o senhor
INQ2 Deixe estar que eu, eu seguro.
INQ1 tem um campo cheio de, de restolho, diga-me todos os trabalhos que tem que fazer para aquilo, para, para cultivar trigo?
INF Então, aquilo, [pausa] quando está o restolho, [pausa] a gente [verbo], a primeira vez, ou passa com… Bem, eles agora Dantes, como era antigamente, era com uma grade, atrás dum animal – uma grade de ferro, com uns dentes.
INQ1 A primeira vez que se lavrava…
INF Antigamente, antigamente. Agora é que há os maquinismos. Que agora, se quiser [pausa] saber como era antigamente, é isso; se quiser saber agora o moderno, é outro.
INQ1 Não, não, não. Quero o antigo.
INF O antigo. A gente
INQ1 E os, e as palavras antigas que usavam…
INF Pois. [vocalização] A gente, antigamente, [pausa] tinha tinha-se essa terra toda de restolho. Mas queria-se fazer a seara e para se alimpar, [pausa] gradava-se aquilo tudo com com uma grade atrás dum animal. Depois fazia-se montes e largava-se fogo. [pausa] E depois lavrava-se a terra. Lavrava-se a terra e [vocalização] e depois de estar lavrada, punha-se o adubo. [pausa] Depois punha-se a semente.
INQ1 Mas olhe, senhor Anselmo, faz de conta que a terra era mesmo muito grande. O senhor tinha que dividir aquilo?
INF Então, dividia-se aos cortes. Fazia-se Fazia-se um corte agora; depois ia-se, fazia-se outro corte amanhã… [pausa] Assim é que era.
INQ1 E chamava-se um corte, aquele?…
INF Fazia-se um [vocalização] Chamava-se um corte. Punha-se este corte daqui, outro corte dali.
INQ E faz de conta…
INF E agora quando é, agora a gente assim… Olhe, isto aqui: ali é uma courela, aqui é outra; [vocalização] e [vocalização] e isto aqui é um corte é um cortezito de de ervilhas.
INQ1 Sim.
INF Pronto. Ali, é uma leira de cebolo, é uma leira de alhos, é [vocalização] duas leiras de morangos e é outra de cebolo.
INQ1 Portanto, não…
INF Isto era tudo em courelas.
INQ1 Sim. A courela é tudo?
INF Courelas é cada… É assim. É assim. Dividido cada qual, uma, duas, três, quatro, cinco.
INQ1 Então é… Então eu não percebo qual é a diferença entre uma courela e uma leira.
INF É, É A gente põe um nome põe mal o nome a uma courela e põe o mesmo nome a uma leira.
INQ1 É tudo a mesma coisa?
INF É a mesma coisa. [vocalização] É a mesma coisa.
INQ1 Ah! Mas olhe, nos campos grandes, se tem uma semeada com trigo, e outra semeada com, com cen-, com centeio, faz de conta, não se chama leiras?
INF Pois. Não senhor.
INQ1 Como é que se chama?
INF Põe-se aqui um [vocalização]… Dizia assim: "Está ali aquele bocado aquele bocado de cevada, está aquele bocado de trigo"…
INQ1 Bocado?
INF Pois.
INQ1 Não lhe chama folha?
INF Não. E há quem chame também folhas. E há quem E: "Está aqui este bocado de cebolo". Está A gente era sempre assim. Antigamente era assim. "Vou semear um bocado disto. Vou semear um bocado daquilo". Os velhos, antigamente, era assim. Agora aplicam já outros nomes. [vocalização] É um corte. "Agora, olha, faz aí um corte". " [vocalização] Ah, vou fazer um corte disto; vou fazer um corte daquilo". É.
INQ1 Olhe, e quando chega… O senhor tem um, um, um campo. Há ali um sítio onde já sabe que não é seu, que é doutro, como é que chama a esse sítio?
INF Então é a partilha. [pausa] É a partilha. Mete-se Mete-se a aberta a aberta de partilha [pausa] ao correr: esta parte é do outro, esta parte é minha.
INQ1 O que é uma aberta?
INF É isto, olhe. [pausa] Por exemplo, olhe, o que está aqui é meu; isto que está aqui era do outro. Leva aqui um marco e leva aqui outro.
INQ1 Olhe, e os marcos… Os marcos são de pedra, é?
INF Esses é feitos em cimento e depois leva o nome da pessoa, em cima.
INQ1 E, e depois por baixo, não há duas pedrinhas para se alguém tirar aquele marco estar lá aquela coisa…
INF Não, não. Põe-se liso. Há quem, há [vocalização] Sabe o que é que fazem? Há quem ponha é aferregado com cimento. [pausa] Há quem esteja já feito, enterram com cimento e depois está ali pregado, pronto!
INQ1 Sim, senhor. Olhe, e como é que se chamam esses terrenos que não, que não são de ninguém, que estão abandonados? Que até um pode, pode ir o gado para lá?
INF Isso é terrenos baldios.
INQ1 E aquele terreno que é cultivado um ano, mas no ano seguinte não é?
INF Não é…
INQ1 Porquê?
INF Ficou, ficou Ficou de folga. Ficou de folga.
INQ1 E como é que faz um… E quantos anos é que ele está de folga?
INF Pode estar já um ano só.
INQ1 E depois o que é que faz?
INF Depois pode-se semear favas, pode-se semear ervilhas, pode-se semear [vocalização] batatas – se ela for boa para batatas, porque nem to- nem todas as terras semeia-se batatas.
INQ1 Aqui o que é que se semeia mais?
INF Aqui semeia-se muita cenouras, [pausa] cebolo. [pausa] Semeia-se também muita ervilha.
INQ1 Portanto, trigo não havia?
INF Trigo é é que se já semeou aqui muito, mas agora é pouco. Está um um celeiro [pausa] lá à borda da estr-, da do mar, lá ao pé duma escola… Enchia-se esse celeiro e mais outro aqui ao pé d- da estátua do Dom Manuel I… Está ali aquele prédio daqui deste lado, está um celeiro que é debaixo, e enchia-se esses esses dois celeiros. Hoje não se semeia nada. Está abandonados. Estão fechados. Não semeia nada. Aqui desta área de Alcochete, não se semeia trigo. Semeou-se muito, mas agora não se semeia.
INQ1 Portanto, o senhor não se lembra como é que se fazia o cultivo do trigo?
INF Sei. Então eu semeei tanto!
INQ1 Sim? E então como é que fazia?
INF Então, o trigo é: a gente lavrava a terra…
INQ1 A primeira vez que passava… Como é que chamava à primeira vez que lavrava?
INF A primeira vez que lav- lavrava?
INQ1 Era fazer o quê?
INF Dava-se a primeira lavoura [pausa] e depois dava-se a se-.
INQ1 Não chamava o alqueve?
INF Não. Dava-se a primeira lavoura… E, bem, e há quem empregue também alqueve.
INQ1 Mas aqui? O uso daqui?
INQ2 Aqui?
INF Aqui, a gente era: da- dava-se uma lavoura, e depois dava-se segunda, e depois íamos, abríamos os regos e semeava-se o trigo. Que era para, para vir Que era para para a terra estar limpa de erva, [pausa] estar limpinha.
INQ1 Mas olhe, a segunda lavoura que dava era o mesmo correr da primeira, ou não?
INF E-, e- [vocalização] Era atravessado. Dava-se esta assim e depois dava-se a outra a atravessar.
INQ1 Como é que se chamava essa segunda lavoura?
INF Essa segunda lavoura? Então era a segunda lavoura.
INQ1 Só segunda lavoura? Nunca lhe chamavam atalhar?
INF Não. A gente era cá… A nossa cá era, era a segunda era a segunda lavoura. [pausa] E agora empregam também é o segundo alqueve, é o primeiro alqueve. Mas é a gente cá, o nosso, é é a lavoura. Era: "Vou-lhe dar mais uma lavoura". E: "Já tem a primeira, já tem a segunda". E assim é que a gente fazia.
INQ1 O que é que queria perguntar mais… Portanto, olhe, mas faz de conta que o, o, a terra que o senhor vai lavrar não tem restolho, tem mato, mas mato forte.
INF Mato.
INQ1 O que é que tem de fazer?
INF Isso c- [pausa] corta-se o mato.
INQ1 Com quê?
INF Com uma enxada.
INQ1 Só à enxada?
INF À enxada.
INQ1 Não usam assim umas coisas grandes… Espere aí.
INF Ah! Eles agora Eles agora, com o mato, sabe o que é que eles fazem?
INQ1 Não. Agora… Depois.
INF Têm um um aparelho, com uns dentes de ferro, [pausa] e arrancam. E depois passam [pausa] com aquilo duas e três vezes. Destroem aquilo tudo. Depois passam com uma grade de discos – mas isso é com um tractor!