INQ1 Então estávamos a falar do, da comida que se prepara para os porcos…
INF Po- Dos porcos. A comida? Pois. A comida que. [pausa] que se fazia antigamente, [vocalização] que se dava aos para os porcos era: fazia-se sêmeas, bagaço, [vocalização] batata cozida. [pausa] Isso fazia-se uma caldeirada e dava-se aos porcos.
INQ1 Pois.
INF Figos, no do tempo do figo, [pausa] dava-se isso aos porcos.
INQ2 Olha que bom, hem!
INF Agora, [pausa] o mais moderno, é as farinhas.
INQ1 Pois.
INF Agora é farinha. Vai à fábrica… Anda aí as fá- as que vendem a farinha para dar-se aos porcos…
INQ1 Por isso não sabem eles tão bem como sabiam antigamente…
INF Ih! Ó Jesus! Isso é, isso é que era Isso é que era comer carne de porco e saber bem! Até toi- toicinho! Assava-se aí um bocado de toicinho e sabia-se bem.
INQ2 Olhe, aqui eram mais porcos pretos ou, ou porcos brancos?
INF Aqui, antigamente, guardava era muito desse porco alentejano, amarelo. Depois é que veio estes brancos. E depois agora, agora é tudo branco aí. Mas de antigamente aqui era sempre dos amarelos. E iam buscar ao Alentejo. Iam buscar ao Alentejo.
INQ1 Pois. Mas senhor Anselmo, ainda voltando à comida, essa comida que preparavam não lhe chamavam nome nenhum? Não lhe diziam, olhe, ou por exemplo: "Está na hora de ir levar"…
INF "O comer aos porcos".
INQ1 Comer. Não lhe davam outro nome? Nem a lavagem, nem?…
INF Ou o lavagem. [pausa] Ele é: "Vamos dar o lavagem aos porcos"!
INQ1 Lavagem?
INF O lavagem.
INQ1 O lavagem.
INF Mas isso é [vocalização], –ai –, é quem tinha um porco ou dois dentro dum dum pocilgo. "Eu vou dar"… "Vou tratar dos po-". "Vou dar o lavagem aos porcos". Às vezes, diz assim: "Já deste tu o lavagem aos porcos"? "Não. Não tenho tempo". E agora
INQ1 E onde é que… Onde é que punham a comida?…
INF Dentro do comedouro. Um comedouro feito em madeira. [pausa] Tinha uma divisão ao meio, uma para o comer, outra para a água.
INQ2 E não havia assim umas coisas redondas de pedra?
INF Não. A gente aqui não usava isso, de pedra. [vocalização] Era um comedouro, [pausa] tinha uma divisão ao meio, uma tábua: desta parte aqui era a água e daqui era o comer. E depois eles já começavam a a roer aquilo e a coisa, a gente agarrava, fazia em cimento, [pausa] para eles beberem a água. [vocalização] A gente às vezes até era duma cova mesmo do chão, fazia-se o cimento e punha-se ali a água, que eles bebiam.
INQ1 E essa do cimento, dava outro nome ou não?
INF Não. Era uma uma caixa de cimento. [pausa] Até se punha e pode pôr – até pôr… Ele pode pôr um um comedouro de cimento.
INQ1 Pois. E não havia nada a que soube-, a que chamassem pia?
INF Uma pia? Pia chamava-se mas era uma pia de dar água ao gado. Uma pia para darem-lhe dar ele água. Por exemplo, ou cavalos ou [pausa] ou às vacas ou. "Vai ali levar à pia"! E ou- E outros é uma selha!
INQ1 Sim. Mas a pia?…
INF Eu já lá tive uma pia em pedra [pausa] para dar [pausa] a água. E eu já tive uma selha. Selhas então, já lá vão há… Já se partiu algumas três!
INQ2 E a selha é em quê? Em madeira?
INF Em cimento.
INQ2 Em cimento.
INF A selha é em cimento. E [vocalização] tive lá uma pia em pedra, mesmo em pedra. Sabe do que era? Era dum guarda-loiça, dum guarda-co-, dum lava-copos.
INQ2 Ah! Pois. É o dezasseis.
INQ1 Pois, pois.
INF Tinha o buraco por baixo.
INQ2 Claro.
INF Eu assentei assim em cima dum cavalete em tijolos, [pausa] pus ali, eles bebiam a água, e depois eu limpava e ele saía por baixo a água.
INQ1 Pois claro.
INF Era uma pia, mas era em pedra! Era isso dum, dum dum lava-copos.
INQ2 E um masseirão? Não há nada que se chame masseirão?
INF Um masseirão? Ah… Não conheço. Masseirão?
INQ1 Olhe…
INF Pode houver aí em outros lados esse nome…
INQ2 Pois é. É doutros lados.
INQ1 Como é que se chama à cara do porco? Assim à boca do porco?
INF É o focinho.
INQ1 E quando eles estão assim com o focinho assim a?…
INF Estão a s- a çofar foçar. A çofar foçar.
INQ1 E o barulho que eles fazem, diz que estão a quê?
INF Estão a [vocalização] ganir ou a roncar ou.
INQ1 Olhe, e quando chega à, quando as pessoas estão a engordar um porco para depois?…
INF Para a engorda.
INQ1 E, e para fazer o quê, a seguir?
INF Então…
INQ1 Quando é para, para o consumir em casa, para depois o comer em casa, têm que fazer o quê? Há um dia, que chamam uma pessoa para fazer?…
INF Ah! Para fazer a matança.
INQ1 E essa pessoa que, que sabe matar o porco tem algum nome?
INF Não. Tem um
INQ2 Costumam chamar quem?
INF Tem um nome dele, é o nome dele próprio. Mas a gente precisa dele: "Eh, pá"!… Até há aí um rapaz que está ali do asilo. Matou-me muitos a mim. [vocalização] "Eh, Arnoldo, sábado vamos matar um porco, queres lá ir? " "Vou". Eu Ele levava as facas, levava uma machada… [pausa] E depois o porco ia para cima duma selha – isto faça de conta que é isto… Estendia-se o porco em cima da da selha, ele [pausa] ia ali para a banda da cabeça, agarrava ali ao focinho e metia a faca aqui por baixo da garganta direito ao coração, e a gente agarrava das pernas. [pausa] O porco ficava ali a roncar até dar ele o gemido. Estava ali ainda em cima da selha, deitava-se para o chão. Deitava-se para o chão… Estava uma escada… Ele ia [pausa] com um bocado de pau ali aos perniles, ali às pernas, entalava-se assim dentro dos dois perniles, [pausa] pendurava-se da escada… Ele abria-o ao meio, tirava a fressura, tirava o bandulho, tirava o bucho, tirava aquilo tudo. [pausa] Depois ia para cima duma mesa [pausa] para ele dividir o toicinho da carne. [pausa] Pronto!
INQ1 Sim senhor.
INF Cortava a cabeça, cortava as pernas, as mãos, e depois separava o toicinho da carne. Ia o presunto para ali, ia outro presunto para ali, ia as mãos, ia a carne e as costelas, e aquilo tudo [pausa] ali para vender. Vendi tantos em casa!
INQ1 Que bom que havia de ser!
INF E, e, e E aquilo era feito madurar. Naquele tempo era uma maravilha!
INQ1 Pois. Olhe, mas agora voltando um bocadinho atrás. Portanto, não diziam, por exemplo, vai-se chamar o senhor, o senhor Arnoldo?…
INF E fazer a matança ao porco. Para fazer a matança.
INQ1 Porque ele é bom?…
INF É [vocalização]. Ele era bom porque sabia fazer aquilo.
INQ1 Não davam o nome de magarefe?
INF E o- Não. Magarefes é agora do matadouro.
INQ2 Nem matador?
INF Do matadouro é que é ma- os magarefes. Mas antigamente não era assim. A gente ia… Até houvia aqui um, que morava aqui d- daquele prédio ali em baixo, daquelas casas de baixo, que era o tio Argílio. Era ali do Montijo, mas casou cá em Alcochete. Esse também me matou porcos a mim.
INQ2 Mas qual era a profissão dele?
INF Era de mesmo matar porcos. E era pescador.
INQ2 Era pescador?
INF Andava aí à pesca. [pausa] E [vocalização] matar porcos, já ele estava acostumado já lá do Montijo.
INQ2 E não diziam que era o matador?
INF Não. O matador só se dizia era lá dentro do matadouro, ali.
INQ2 O matadouro é o quê?…
INF É onde é que se matava o gado. E depois é onde é que está que estão os magarefes, que estão lá, que matam. Mas esse nome de magarefe já é agora moderno.
INQ1 É de agora?
INF É moderno, é moderno! Que dantes não não…
INQ1 Sim senhor. Não. A gente não quer saber dele.
INF Dantes não era… Não havia ga- magarefes. Eu cá quando ouvi falar em magarefes, foi agora quando fui levar o gado ao Montijo, aqui há anos. [pausa] Ainda Ainda o matadouro do Montijo funcionava. E depois é que estava lá aqueles empregados, que foram daqui, deste matadouro que fechou, para lá.
INQ1 Pois.
INF E depois chamava-se… "Mas o que era aquele nome"? "O que é que estão a empregar aquele nome"? "Então é o nome que dão agora a eles, aos ma- aos que estão lá a matar, magare- magarefes, magarefes"… É.
INQ1 Olhe, depois de matar o porco, é p-, não o passam assim por uma, por o lume, para a?…
INF Ah! Quando o porco é morto, ele é chamuscado com mato.
INQ1 Portanto…
INF E depois bem raspado! Com uma faca, tirar aquele negro todo e depois é lavado! Depois de estar lavado, com um pano com água quente, é que depois é pendurado.
INQ1 Pois. Portanto, para raspar usam uma?…
INF Com uma faca. É raspado assim o couro com a faca, que é para tirar aquele chamusco com aquele, os cabelos, e aquilo tudo. E depois ficou.
INQ2 Cha-, chamusco?
INF Pois, aquele chamusco do, do do mato,
INQ2 Portanto, é chamuscado?
INF que é, que é que é bem chamuscado. E depois aquilo vai é tudo raspado, que é para raspar aqueles cabelos. Ficam cortadinhos, pequeninos, e [vocalização] fica depois aquilo limpinho, o couro limpinho. Que os coiros depois também é vendido. Aquilo é tudo toicinho.
INQ1 Olhe, e quando o penduram não há assim um gancho onde os vão pendurar?
INF A gente cá, [pausa] quando era quando eu os matava, é; mas da quando era ali do matadouro, era uns ganchos. É. É…
INQ2 Olhe, é assim uma coisa, assim como esta?
INF É. isto é-, isto era Isto que está aqui [pausa] era como a gente fazia cá: metia-se um pernil aqui e outro daqui; e depois era aqui atado a corda, aqui à escada.
INQ1 E como é que se chama isto?
INF Isto aqui [vocalização] era o o… Ai!
INQ2 Chambaril?
INF Hum… Ele isso aqui a gente chamava um um… Não era gancho, era… Parece que era o pernil que a gente chamava a isto. Pois.
INQ1 Chambaril não?
INF Chambaril? Não era cha-.
INQ1 Não.
INF "Traz lá o pau [vocalização] do pernil"! [pausa] Era este pau.
INQ2 O pau de pernil?
INF Rhum. Porque [vocalização] este pau [pausa] é que era de entalar dentro dos perniles das pernas do porco.
INQ2 Pau de pernil?
INF Pois. Diz: "Traz lá o pau do pernil"! E depois a gente levava. Era então de enfiar: enfiava aqui um e enfia o outro. E depois era pendurado da escada, mas aqui era atado com uma corda.
INQ1 Pois.
INF Que era para o porco estar lá fixo [pausa] à escada.
INQ1 Pois. O gancho era a escada.
INF Agora, isto, ali, isto ali do do matadouro, isto que está aqui, é em ferro. [pausa] É em ferro. Estes ganchos são em ferros. [pausa] E depois é pendurados lá.
INQ1 Pois. Olhe, e quando se está a, pronto, a separar as várias partes do porco, diz-se que se está a fazer o quê ao porco?
INF É o É aberto. É serrado ao meio. É serrado. [pausa] É serrado ou [vocalização] é com a machada aberto.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Vai-se abrir o porco [pausa]
INQ1 Pois.
INF ao meio.
INQ1 Não se diz: "Vai-se desmanchar o porco"?
INF [vocalização] Desmanchar é quando está em cima da mesa.
INQ1 Ah!
INF "Vai-se desmanchar agora o porco todo". Que o porco, enquanto está [pausa] com as duas partes divididas, está inteiro: está uma parte e está a outra.
INQ1 Pois.
INF Depois de ir para cima da mesa e separar-se o toicinho [pausa] e as banhas e as costeletas e as pernas, a fressura, o porco está ali só num. Depois é que é separado: uma perna para ali, outra perna para aqui, então…
INQ1 E é isso é que chamam o quê?
INF Depois é que é que chama-se isso separar o porco das carnes.
INQ1 Mas usam, dizem desmanchar, ou não?
INF É desmanchar. É desmanchar o porco. Quando ele vai desmanchado é quando vai separado daquilo tudo. [pausa] Depois, dali, é que já não está feitio nenhum de porco. Está só feitio de carnes, em cima da mesa. Agora enquanto ele está ali, está inteiro. Tem tudo da banda de dentro ainda. [vocalização] Depois de ele estar ali pendurado e aberto é que lhe sai aquilo tudo para fora. [pausa] Sai o bucho, sai o [vocalização] bandulho, sai sai a [vocalização] fressura, sai tudo. Quando ele está ali pendurado é que é tudo fora. Nunca aquilo é é tirado fora sem ele estar por pendurar.
INQ1 A fressura é o quê?
INF É a fressura que tem o porco agarrada com o fígado.
INQ1 Ao fígado? Pois.
INF Pois. E aquela fressura depois é para vender!
INQ1 Pois. E também há outra coisa lá dentro da barriga do porco?
INF É o bucho, é os rinzes. Tudo quanto o porco tem, tudo, tudo…
INQ1 E aquelas que são assim umas tiras grossas?
INF É as banhas.
INQ1 Não. Que depois se aproveita para fazer os chouriços? Que lavam-se muito bem…
INF Isso é as tripas.
INQ1 Há vários nomes para as tripas?
INF Há. Há [vocalização] Há a tripa do encher, que é a grossa; há a tripa há a tripa delgadinha. É. [pausa] O porco, tudo quanto tem da banda de dentro, tudo se aproveita.
INQ1 Pois.
INF Olhe até as cascanholas, os rapazes andavam a roer por a rua. As cascanholas de [pausa] das unhas.