UNS29

Unhais da Serra, excerto 29

LocalidadeUnhais da Serra (Covilhã, Castelo Branco)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Dimas Dídia Diodoro

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INF1 acartei tanta! Tanta eu acartei! Andava na fábrica e tanto eu trabalhei para criar cinco filhos! Ah!

INQ1 Pois.

INF1 Nem quero que me lembre! E com más passagens e tudo! Olhe aqui um grande calo! Tanto molho acartei!

INQ1 Estou a ver, estou.

INF1 Que nunca se vai embora. Ai! Eu quando ia para a fábrica, ia maçado que eu sei !

INQ1 Claro.

INF2 O meu pai sabe fazer de tudo! Tudo!

INF1 Ai, eu sei fazer de tudo. Tudo!

INQ2 Sim senhor.

INF2 Ele é que limpa a casa, ele é que faz tudo!

INF1 Mesmo agora Mesmo agora, [pausa] as posses não são assim muitas e eu [vocalização] me mete medo as coisas, não é?

INF2 E percebe de tudo!

INF1 Que a idade também

INQ1 Claro.

INF1 Mas sou muito jeitoso para tudo! Tudo!

INF2 O meu pai faz de tudo! [pausa] Percebe de tudo na na agricultura. Percebe de tudo!

INF1 Mas tan- Mas tanto trabalhinho eu levei! [pausa] Fui tropa em 35. [pausa] Fui tropa em 1935. [pausa] Sabe quanto é que levei para a tropa? Setenta paus. Setenta escudos. [pausa] E sabe onde é que os ganhei? [pausa] A faltar alguns dois meses ,[pausa] quando saía da fábrica à uma hora da noite, todas as noites dois molhos de mato para vender. [pausa] Era duro!

INQ1 Pois, claro.

INQ2 Pois, assim

INF1 Saía da fábrica à uma hora da noite [vocalização], quando havia boa lua

INQ1 Rhum-rhum.

INF1 Todas as noites dois molhinhos de mato para vender. Ia rou- roubar para . Ele havia para tanto!

INF3 Onde é que o havia!

INF1 Foi quanto quanto levei para a tropa.

INF3 Também era preciso muito molho para dar aquele bocado.

INF1 E depois tirei número alto. [pausa] Tirei número alto, [pausa] vim-me embora aos três meses. davam comia-se bem, mas o que eu não gramava era a sopa da couve. Eu estive em Vendas Novas.

INQ2 Rhum.

INF1 Nunca ouviu falar em Vendas Novas?

INQ2 Sei, sei, sei onde é que é.

INF1 É Alentejo. Eu fui para assim muito mimoso, com a aguinha, cheguei , água dos poços, aquilo foi duro! E comia-se então muita couve, muito grão, mas à quinta-feira davam um copinho de vinho. [vocalização] Muito grão e assim, mas aparecia aquela cou- aquela couve grande, com um troço assim, e eu nunca gostei do troço. Nu-! Nem hoje! Nós aqui fazemos a sopinha é a pontinha da couve.

INQ1 Pois.

INF1 É como digo: levei trinta e cinco paus, gastei em [pausa] em carcaças, ou um bocadinho de pão e queijo, ou um bocadinho de legume, e tal.

INF2 Setenta escudos! [pausa] Ele levou metade do dinheiro, deixou a outra metade!

INF1 Porque eu engraçava com a pouco com aquela sopa, gastei trinta e cinco escudos. Ainda trouxe outros trinta e cinco. [vocalização] Um dia estava a uma sombra, [pausa] aparece-me ali um alentejano: "Eh ! Queres comprar esta este estojo"? "Então o que é isso"? [pausa] Uma caixinha que ainda ali tenho. Aquilo até era alemão, germânico.

INQ2 Rhum-rhum.

INQ1 Rhum-rhum.

INF1 Que é uma caixinha assim quadrada, forrada de veludo de veludo e com [pausa] com uma gilete dentro [pausa] dentro da caixinha.

INQ2 Rhum-rhum.

INF1 Aquilo é de desaparafusar Digo-lhe eu: "Quanto é que queres por isso"? "Dás-me cinco paus". Peguei nos cinco paus: "Toma "! Arranjei uma caixinha Hav- Havia ali um monte de biciclete de aluguer, o gajo aluga uma biciclete uma hora, ficou sem dinheiro. Eu a gilete ainda a tenho. Como é que a vida pode ser igual?

INQ1 Pois.

INF1 Não pode. Que uns estragam e outros não! [pausa] Ainda a tenho, que [vocalização] para a minha vida.

INQ2 Pois.

INF1 Pois desde 35.


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