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Covo, excerto 20

LocalidadeCovo (Vale de Cambra, Aveiro)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Arquibaldo Arquimedes

Text: -

[1]
INF1 Vinha cá quando morreu a minha mãe…
[2]
Olhe que a minha mãe morreu num dia – no dia três de Junho – e um tio meu no dia quatro.
[3]
INF1 Veio o padre para enterrar a minha mãe,
[4]
estavam ambos os dois mortos em casa.
[5]
, [pausa] Olhe que foi duro!
[6]
INF1 Depois inventários,
[7]
dois inventários, porque nós era tudo menor,
[8]
só só ele é que era o mais velho,
[9]
é que tinha é que era de maior idade, [vocalização] pronto.
[10]
Aquilo [pausa] meu amigo!
[11]
E ele tanto que viu ele aí sempre a pedirem dinheiro ao meu pai,
[12]
pois disse: "Olha!
[13]
Eh rapaz", – veio lá a nossa casa e disse para o meu pai – "eh rapaz, eu vejo-te gente sempre aí a pedir o dinheiro,
[14]
se tu quiseres faz-me uma escritura de quanto tens
[15]
e eu [pausa] e eu pago a tua dívida".
[16]
Ora poça!
[17]
O meu pai começou a chorar.
[18]
Homem, ó senhoras, olha que eu não tenho passado d- das duras!
[19]
Começou a chorar
[20]
e disse: "Então e que há-de ser dos meus filhos?
[21]
Então, eu vou fazer um…
[22]
Temos uns lugaritos onde temos o gado".
[23]
Diz ele: "E casas e [nome]".
[24]
Queria uma escritura em tudo quanto quanto ele tinha.
[25]
INF1 O meu pai começou a chorar e a dizer assim: "E [vocalização] os meus filhos"?
[26]
Diz ele assim: "Eu não quero saber dos teus filhos.
[27]
Empresto-te o dinheiro e"…
[28]
Mas ele queria era as terras.
[29]
INF1 Eu já era um rapazinho com os meus dezasseis anos [pausa] –
[30]
mas era novito!
[31]
Ele com dezasseis anos era novo, naquele tempo.
[32]
Um homem com dezasseis anos…
[33]
Eu tinha catorze anos
[34]
e ainda ia para as festas descalço, homem.
[35]
INF1 Sabe, a miséria…
[36]
Ia para alá;
[37]
lavava os pézitos,
[38]
ia para a para as festas [pausa] descalço.
[39]
A senhora sabe o que é uma festa?
[40]
INF1 Há muita gente e arraiais e tudo.
[41]
INF1 Andava!
[42]
INF1 Quase Quase toda a gente.
[43]
Hoje não!
[44]
Mas naquele tempo eram todos.
[45]
A gente, umas botas?!
[46]
E a E o meu pai comprou-me umas botas
[47]
e aquelas botas levaram-me a Lisboa.
[48]
[pausa] Com catorze anos comprou-me umas botas
[49]
e aquelas botas levaram-me a Lisboa, sabe?
[50]
INF1 E depois ele foi,
[51]
comecei eu de volta do meu pai: "Ó pai, eu que- eu tenho que ir para Lisboa!
[52]
Eu tenho que ir para Lisboa"!
[53]
Diz ele: "Ó filho!
[54]
Para onde é que tu vais?!
[55]
[pausa] Eu já lá andei.
[56]
E olha que um homem para lá, 'há-dem-lhe' dar uma bofetada e apanhar outra".
[57]
Quer dizer, que fosses já um homem!
[58]
"E tu és tão tão fraquinho!
[59]
Para onde é que tu vais"?
[60]
Disse: "Já há-de ser o que for.
[61]
E, olhe, eu, ou hei-de pagar as suas dívidas
[62]
ou nunca mais cá torno".
[63]
INF2 Boa tarde.
[64]
INF1 E depois assim foi – sabe? –,
[65]
assim foi.
[66]
E a- E arranjei
[67]
e paguei aquilo tudo, sabe?

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