Representação em frases

Montalvo, excerto 23

LocalidadeMontalvo (Constância, Santarém)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Guilherme

Texto: -

[1]
INF Outra vez vou fazer ali o vinho à Quinta de Santa Bárbara,
[2]
o homem…
[3]
Já foi no tarde.
[4]
Foi no primeiro ano.
[5]
[pausa] E a uva é lá de cima do pé do depósito.
[6]
As meninas ainda lá não foram…
[7]
INF Mas se forem até lá acima ao pé do depósito, há lá um coiso.
[8]
Aquilo é terra de barro.
[9]
[pausa] Olhe que a uva estava toda passada.
[10]
Era quase u- quase só uva branca.
[11]
Toda passadinha!
[12]
Veja,
[13]
imagine:
[14]
eu ia com uma cana,
[15]
[pausa] raspava assim o mosto no fundo do lagar
[16]
e deitava para dentro do copo,
[17]
fazia refresco.
[18]
Que eu bebia.
[19]
Veja lá, doce como aquilo estava!
[20]
Que tinha um doce enorme!
[21]
Estava muito doce.
[22]
Eu via-me perdido, que aquilo, aquilo nunca mais andava.
[23]
Andava lá um homem mais eu
[24]
e eu disse assim: "Eh pá, vai ali à bruxa,
[25]
leva lá um pouco de, de umas poucas de uvas, a ver se deram o quebranto às uvas aqui à gente que isto nunca mais ferve"!
[26]
Nunca mais ferve porque ela estava cheia de doce
[27]
e não, e ali ali não dava nada.
[28]
"E nunca mais ferve".
[29]
É claro, ele ainda lá foi:
[30]
"Ah, deram o quebranto, tal".
[31]
Mas eu venho para m-, para para casa,
[32]
chego a casa,
[33]
eu nem podia dormir.
[34]
Havia aí um tipo velhote, que trabalhava aí no lagar
[35]
e chego ao pé dele
[36]
e digo: "Ó tio Hélder, sucedeu-me isto assim, assim".
[37]
– Era já velhote,
[38]
era já velhote, já pela minha idade,
[39]
já t- tinha trabalhado muito no lagar.
[40]
Esteve a ver.
[41]
"Sucedeu-me isto assim, assim nas uvas".
[42]
"Então e as uvas, nunca aquilo nunca mais ferve"?
[43]
"Não".
[44]
"Pois não".
[45]
"Então quando é que as apanharam"?
[46]
"Apanhámos em tal tempo".
[47]
"Então onde era as uvas"?
[48]
– O homem a perguntar-me tudo. –
[49]
"Era de lá de cima do pé do depósito".
[50]
" [vocalização] As uvas estavam passadas já".
[51]
Ah!
[52]
Ele até tinha assim a modo uma graça.
[53]
Comecei: "Ah, ah, ah",
[54]
e a modo a rir-se.
[55]
E ele assim: "Então que porção que porção de uvas é que são"?
[56]
"Olhe, é tanto como este ".
[57]
"Olha, amanhã vai para lá
[58]
e prega-lhe com três almudes de água dentro do lagar.
[59]
[pausa] E depois logo vês se ele trabalha ou não trabalha.
[60]
E depois logo vês se tiras mais alguma coisa",
[61]
e tudo.
[62]
Mas preguei-lhe com os três almudes de água,
[63]
quando foi à tarde, fervia que até já deitava cachão,
[64]
até fazia barulho, e tudo.
[65]
Até estava tudo cheio de caracóis por cima, e de espuma do engaço.
[66]
E eu à unha a pisar aquilo, a voltar aquilo tudo, a pisar ali tudo.
[67]
Tirei de lá uma pomada que até as garrafas rebentavam.
[68]
Quando foi no outro ano foi engarrafado,
[69]
até as garrafas rebentavam.
[70]
Tudo.
[71]
Bom…
[72]
INF Vê, e eu não sabia!
[73]
Mas aprendi com o velhote.
[74]
Portanto, é bom as meninas também perguntarem e saberem estas coisas, para se saber, amanhã ou outro dia, saberem, porque estão muito novinhas ainda.
[75]
INF São muito novinhas.

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