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Vila Praia de Âncora, excerto 40

LocationVila Praia de Âncora (Caminha, Viana do Castelo)
SubjectOs barcos e a pesca
Informant(s) Agesilau
SurveyALLP
Survey year1985
Interviewer(s)Gabriela Vitorino João Saramago
TranscriptionSandra Pereira
RevisionErnestina Carrilho
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationCatarina Magro
LemmatizationDiana Reis

Text: -


[1]
INF Eu arranjei Eu arranjei
[2]
Aquela mulher [pausa] gostou de mim.
[3]
O que é que eu não podia ficar, que ela sabia que eu que era casado casada.
[4]
Mas aquela mulher era é tão [vocalização] Aquelas mulheres são mesmo esmolares.
[5]
Gente boa, pronto.
[6]
INF E eu tinha aquela.
[7]
Quando ia , ala, pronto.
[8]
Nem Nem dormia no navio!
[9]
Muitas vezes nem dormia no navio!
[10]
Ia dormir à casa dela.
[11]
INF Foi [vocalização] em 1970.
[12]
INF É que acabei.
[13]
Em 70, acabei.
[14]
Acabei, porque [vocalização] Não foi Não foi o tempo
[15]
nem foi o trabalho
[16]
O trabalho também está bem que me deu cabo de mim também,
[17]
mas quem deu cabo de mim foi um enfermeiro.
[18]
Um enfermeiro!
[19]
Sabe quem são os enfermeiros?
[20]
INF Nós também levávamos um enfermeiro para o mar.
[21]
E havia barco que levava um médico.
[22]
Havia um barco que tinha o médico.
[23]
E esse médico servia para todos os barcos, hem.
[24]
Porque a frota da companhia também era grande.
[25]
E a mim, quem me quem deu cabo de mim foi um enfermeiro.
[26]
INF Foi.
[27]
É que [pausa] Eu [pausa] era salgador.
[28]
Estava debaixo da, do do convés do barco.
[29]
E o sal E o sal às vezes empedrava.
[30]
E nós tínhamos que serrar,
[31]
e nós tínhamos que sa- que mudar o sal, como daqui talvez uns seis ou sete metros para cima do, do, do do outro peixe para, para ganhar para ganhar [pausa] alojamento para salga- para salgar ali no-, noutro lado.
[32]
INF E como o sal empedrou, ao fazer assim, vai a- vai assim a e, e e isto segou-me este um braço.
[33]
Este
[34]
primeiro foi este,
[35]
depois foi este.
[36]
"Ai, ai, ai"!
[37]
Abriu-se Abriu-se-me os tendões daqui.
[38]
"Ai, ai, ai, ai que não tenho forças,
[39]
ai que não tenho forças"! e tal.
[40]
E fui para o enfermeiro.
[41]
Então, esse enfermeiro, que me fazia?
[42]
Dava-me [pausa] banhos [pausa] de electricidade assim com aquelas faixas de de lume que têm têm aqueles projectores .
[43]
O gajo, o, o o enfermeiro, falava brasileiro.
[44]
Ele dizia-me assim: "Agesilau, você aguent- aguente melhor o que porque é preciso, hem".
[45]
"Está bem, Senhor Senhor Enfermeiro.
[46]
Eu, certo, se é se é para meu bem, bote"!
[47]
E tal.
[48]
"Bote"!
[49]
Aqueles banhos!
[50]
Ora, os ossos apanharam aquele calor.
[51]
Ele manda-me ir trabalhar.
[52]
molha-, e, e E molhava os braços com água, com água salgada.
[53]
Ora aqueles ossinhos apanharam aquele estavam quentes,
[54]
apanharam aquela frialdade, do frio, que a água, a água estava gelada!
[55]
Jesus!
[56]
O gelo!
[57]
Meu Deus, Senhora da Bonança!
[58]
Ora apanharam-me aquela aquela frialdade,
[59]
cheguei a um ponto que não podia por causa do reumá-.
[60]
E não posso do reumático.
[61]
E depois, inchava, quando vinha assim um bocadinho de névoa, nevoeiro
[62]
Sabe o que é nevoeiro?
[63]
INF É escuro, não é?
[64]
Está dia, não é?
[65]
E vem aquele nevoeiro
[66]
Eu, quando vinha aquilo, minha senhora, os pulsos eram assim, olhe.
[67]
As mãozinhas eram assim.
[68]
Eu chorava:
[69]
"Ai, que eu não posso"!

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