INF Ele vem aí um senhor aqui vender roupas – [pausa] é lá de de Vilar Formoso. Até fica, em vindo, sempre em minha casa. Mas como ele começou por aí a andar a a vender roupas, mantas, cobertores e [vocalização]… E depois, um dia à noite, chega aí, mais a mulher e dois fi- e dois miuditos, e di- pediu para lhe dar de se lhe dávamos bebida comida – mas que dormiam no carro, mas se lhe dávamos comida –, se se lhe vendíamos pão e [vocalização] batatas e vinho. E eu disse: "Está bem, a gente arranja". Foi [vocalização] lá a minha nora e levou: batata, levou-lhe carne – um bocado de carne –, levou-lhe [vocalização] uma garrafa de vinho. Depois ele queria pagar e a gente: "Não pagas nada disso"! Eu não. "Não pagas nada disso"! Coitado. Coitado de quem anda por fora das casas deles. Sabe? Quem anda por fora das casas deles – pagam-se cá – apanha o bom e o mau.
INQ1 É isso mesmo.
INQ2 Exactamente.
INF É. Porque eu já sei o que é isso. Ora bem, o homem [vocalização], o homem agora começou a andar por aí sempre. Agora, fica sempre na em nossa casa. Ainda quando foi agora que eu ma- [vocalização] que matei os porcos – que eu tinha matado os porcos há dois dias –, ele chega aí e eu disse: "Ó homem, olhe, vem numa altura boa! É quase na altura… Nós, a sarrabulhada foi ontem, mas você"… Ora, comeram e beberam o que eles quiseram.
INQ2 Claro.
INF A gente tem muito disso.
INQ1 Como é que é… Como é que… Em que altura é que se faz a, a?…
INF A sarrabulhada? É quando matam os porcos. Olhe, é assim ou agora…
INQ1 E em que altura é que se mata os porcos? É no Natal?
INF A gente cá é… Não. Novembro.
INQ1 Novembro.
INQ2 Ah!
INF Novembro, fim de Novembro, princípio de Dezembro… Mas não, é sempre em Novembro. E agora, eu mato três então, e mato dois agora para o mês que vem.
INQ2 Ah! Depois mata mais tarde!
INF Mato agora dois para as para as haver. Agora para a, [vocalização] para a para as sementeiras, vou meto muita gente de fora. Arranjo pessoas.
INQ1 E tem, e tem… E tem que matar para, para dar comida.
INF Há que dar dar comida, porque aqui esta carne antiga, [vocalização] que é de salgadeira – que eu tenho arca… Tenho arca e boto-a lá na na arca, mas também gosto da carne do sal.
INQ1 Salgada.
INQ2 Pois.
INF Do sal! Até, pelo contrário, no princi- no princípio não, não sabe tão bem, mas depois para o resto até é melhor que a outra.
INQ1 Pois é.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Porque a outra é fresca de mais. Na arca, fica até fresca de mais. E a gente para comer a carne da arca, sabe o que lhe a gente faz? – lá a minha nora e nós! [vocalização] Vamos dizer – suponhamos – tira [pausa] uns bocados de carne, porque tem aquilo em sacas até na arca, e ela tira, bota-lhe o sal, aí uns dois ou três dias, ou quatro ou cinco, e ela ganha sal. E depois então é que a gente [pausa] come dali, [pausa] daquela.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Mas a gente ma-… Mato sempre cinco, seis porcos, durante o ano.
INQ1 Em Novembro?
INF [vocalização] Em Novembro mato três e um, quatro.
INQ2 E ma-, ma-… Pois.
INF E agora mato três, mato dois; e depois quando for aí para Agosto, conforme o tempo que der… Eu compro pequenino. Eu não compro porcos grandes! Compro-os pequeninos! E crio-os em casa.
INQ1 Pois.
INF Boto-lhe o leite das vacas, boto-lhe farinha – [vocalização] aquela farinha centeia, que é o que eles medram – com uma escuma. E eu boto-lhe farinha cen-…
INQ1 Ai é?
INF Ah, ah! É a coisa que lhes faz melhor aos porcos!
INQ1 Não sabia!
INF Faz aos pequeninos, assim, assim no leite. [vocalização] Compro-lha e depois mato cada um!
INQ1 Rhã-rhã!
INQ2 Então e não, não, não cria, não tem para criar, não tem?
INF Não tenho, não, não, não. Não tenho porcas para criar, não.
INQ1 Porquê? Não… Dá muito trabalho, não?
INF [vocalização] Não tenho… Não, não é por ter muito trabalho; é que não temos vagar, não temos tempo, para lidar com aquilo.
INQ2 Pois é.
INQ1 É muita lavoira!
INF É muita lavoira, não temos vagar nenhum. E eu compro-os a tirar do leite, compro-os assim pequeninos e depois
INQ1 Pois. Claro.
INF crio-os em casa.
INQ1 Claro.
INF E é E é a carne melhor que tem, é é criados em casa. Porque a gente, olhe, bota-lhe batata, bota-lhe leite, bota-lhe [vocalização]… Pronto! Bota-lhe farinha, bota-lhe… Não é a farinha de fora!
INQ1 Pois.
INF Eu não boto… Eu não compro fa- as farinhas de fora para…
INQ1 Pois. É mesmo farinha da casa!
INF É farinha da casa. E aquilo, as c- aquela carne é muito mais gostosa!
INQ1 Deve ser óptima.
INQ2 Deve ser, deve.
INF Muito mais gostosa!
INQ1 Olhe, mas conte-me lá então como é que fazem a matança.
INF Ah! A matança, sei lá eu ! Eu
INQ1 Como é que é?…
INF Olhe, agarram-se os porcos, [vocalização] quando eles já são para matar… Agarram dois ou t- [vocalização] três ou quatro homens, agarram os agarram nos porcos, botam-nos em cima do carro e.
INQ1 Do carro?
INF Do carro. Um carro de vacas. [vocalização] E depois o matador mata e depois de matar temos umas… Há algum tempo, era quei- queimado aquele cabelo com carquejas.
INQ1 Com carquejas, pois.
INF Carquejas é que era! Escolhia-se… [vocalização] Ah, diziam – quando fosse para matar os porcos –: "É preciso ir aos carquejões"? Aos carquejões, é essas carquejas grandes!
INQ2 Rhã-rhã!
INF Quando é "Vai aos carquejões"! Agora não. Temos os maçaricos.
INQ2 Ah!
INF Ligamos à electricidade! É. Ligamos lá ao ao coiso, à electricidade, não há…
INQ1 Pois. É com o maçarico.
INF É com o maçarico.
INQ1 Com, com uma, uma garrafa de gás…
INF É. É a garrafa de gás, liga-se aquilo, chamusca… E fica muito melhor!
INQ1 Fica melhor que com a carqueja?
INF Não, não. Com aquilo fica melhor que com a carqueja. Com a carqueja aquilo é… Ficava aquilo tudo negro! E depois a gente, mesmo com o maçarico, depois é tudo lavado – lavam o porco depois de morto e [vocalização] chamuscado –, depois é lavado, todo lavado, depois põe-se a [vocalização] aquilo…
INQ1 E não é raspado?
INF É raspado com uma faca.
INQ1 Com o quê? Com uma faca.
INF Com uma faca. Com uma faca é ali todo raspadinho! Não se conhece um cabelinho, não se conhece nadinha! Ficam, ficam… Em tempo, antes de o meu sobrinho andar a estudar, aquilo era [vocalização]… Aquilo era queimado a carqueja, às vezes, ainda ficava uns cabelos grandes e aquilo tudo!
INQ2 Pois, pois, pois.
INF Agora não senhor. Porque agora vem aí gente grande – ele traz gente grande a minha casa e é muito. E ele sabe o que nós cá também fazemos? É botar presuntos ao fumeiro.
INQ2 Ah!
INQ1 Ah, também fazem presuntos!
INF Ah, pois fazemos! Isso é ao fumeiro!
INQ1 Ah, isso é muito bom!
INF Ah, pois é!
INQ2 Tão bom!
INQ1 Isso é óptimo!
INF Ah! O presunto é ao fumeiro. Eu, todos os anos, boto três, [pausa] quatro, conforme.
INQ1 Pois, isso é muito, muito bom!
INF É. E depois vem uma pessoa qualquer… As senhoras chegavam agora lá, eu [vocalização] não tinha nada, oferecia-lhe de comer; as senhoras iam, agarravam, cortavam um pedaço de presunto…
INQ1 Pois, pois. Ai, dá muito jeito ter!
INQ2 Pois.
INF Vou a um bocado de presunto daquele com um bocado de de broa ou – ou, se quisesse trigo, a gente tem lá sempre trigo, mas um bocadinho de broa quando ela é assim ainda é melhor que o trigo –, um bocado de broa, uma pinga, [vocalização] já aquela gente ficou espertada.
INQ2 Pois claro!
INQ1 Claro!
INF Sabe? Porque não temos sempre gente [pausa] para disponível para para arranjar de comer.
INQ1 Pois claro.
INQ2 Pois claro, pois claro.
INQ1 Olhe, então e depois pen-, pendurava o porco. Depois de estar chamuscado, estar raspado e lavado…
INF E depois, ponho [vocalização] E depois é aberto.
INQ1 Pendura… Pendura-o aonde? Em quê?
INF [vocalização] Nu-, nu- Numa trave qualquer. Temos uma casa própria [pausa]
INQ1 Para fazer isso.
INF para fazer aquilo. Tenho uma casa e aquilo é que tem…
INQ1 Que tem uma trave?
INF Tem uma trave de madeira.
INQ1 Onde se pendura o porco.
INF Onde se pendura o porco.
INQ1 E, mas não tem um pau, assim, parece um cabide quase para meter nos, atrás no…
INF Tem, tem. Chamam aquilo [vocalização] um chambaril.
INQ2 Rhã-rhã!
INQ1 Mas aqui também se usa isso?
INF Também, sim senhora. Também usam. E depois aquilo é botado…
INQ1 E depois abrem o porco?
INF E depois abrem o porco aberto, tira-se já as [vocalização] tripas. E depois…
INQ1 Tira-se as tripas.
INF Nós cá é: tira-se a tripa, [pausa] tira-se-lhe o, o o coiso, o fígado, tira-se-lhe o coração [pausa] e os impulmões, tira-se tudo. Só fica…
INQ1 Como é que lhe chama aos pulmões?
INF Chama-se-lhe os [vocalização]… Aos pulmões, chama-se [vocalização] é…
INQ1 Os bofes ou isso?
INF [vocalização] É. É isso [pausa] que se chama. E depois aquilo tira-se-lhe para fora e fica dependurado, e depois quando for… A gente cá faz rojões. A senhora sabe o que é rojões?
INQ2 Sei.
INQ1 Gosto muito.
INF Sabe? Pois. A gente faz rojões. Quer dizer, o fígado não faz!
INQ1 Pois.
INF O fígado bota-se na arca e está sempre – e os impulmões do porco –, está sempre pronto… Porque se a senhora quer fazer um arroz, quer fazer uma coisa qualquer, vai lá, quer um bocado [vocalização] daquele de fígado, está ou está junto [vocalização]…
INQ1 Mas na arca agora? Na arca?…
INF Na arca quando é quando é que os mata. E deixa estar…
INQ1 Mas é agora. E antigamente o que é que faziam?
INQ2 Antigamente.
INF Ai, antigamente, olhe, sabe o que eles faziam? [vocalização] Eram os primeiros [vocalização] A primeira coisa que eles comiam era isso.
INQ2 Rhã-rhã.
INQ1 A primeira coisa era o fígado logo?
INF Era o fígado o fi-, o fi-
INQ1 O coração.
INF e o coração e os e os impulmões e e depois comiam aquilo e depois… Antes de ir para a outra carne!