INF Olhe, eu vou-lhe contar. Isso passou-se por mim, hem. Passou-se com a falecida minha mãe. Sabe o que foi? Nós íamos para o mar, e não tínhamos sorte nenhuma na pesca, nada, nada, nada. E os outros vinham todos cheios de sardinha – fosse qualquer peixe. E nós nada, nada. Mas não foi só aqui, também foi na colónia acolá em Caminha, aos sáveles. Nada, nada. Que faz uma ocasião a minha mãe? Já morreu há… Já faleceu perto de trinta anos. O que ela faz? Vai a um [vocalização]… Não sei adonde é que foi ela buscar [pausa] um chamado alecrim, alecrim.
INQ1 Que é uma planta…
INF E depois o que ela fez? Escondeu de nós. Escondeu de meu pai. Nós é que éramos o mestre! O barco era nosso e doutro camarada! O meu pai é que era o mestre! O barco era por acaso era nosso. E o que fez o meu pai a minha mãe? Nós estávamos a dormir. O que ela faz? Embrulha aquilo a um p-, a um a um pano, amarrou aquilo amarradinho, e botou aquilo ao às a-. Dantes havia aquelas algibeiras – umas algibeiras para pôr o dinheiro, não era bolsos.
INQ1 Sim, senhora…
INF Umas algibeiras, tinham tinha um bolso e tinha outro. [vocalização] O miúdo, o miúdo, o O dinheiro miúdo assim em moeda ia para o de baixo, que era maior, e aqueles mais notas era para o de cima para não para não perder. Umas algibeiras aqui amarradas amarradas à cinta… Tinha assim uma com um fio, amarrava as algibeiras aqui à cinta. E andávamos andava com aquelas algibeiras…
INQ1 Sim, senhor…
INF O que ela fez? Botou aquilo – sem nós sabermos –, botou aquilo à algibeira. E o barco estava assim em cima, em cima dos paus. Olhe, passava eu acolá o sargaço – acolá na praia já o sargaço, olhe. Vê acolá o sargaço que está na praia?
INQ1 Sim senhor…
INF Olhe, começa pelo menos, aparece já, vai arrancando, vai aparecendo. E o que faz a minha falecida mãe? Escondido de nós, que não sabíamos de nada. Vai acolá, à tal cadeira, onde tinha as redes [pausa] do barco, alevantou um bocadinho de rede de sardinha, vai acolá e, na cortiçada, amarra aquilo sem nós sabe- – aquele embrulhinho. Sem nós sabermos. Bem, meu pai deu ordem para irmos para o mar e nós íamos à sardinha era assim [pausa] à noitinha… Aí, antes [pausa] duas ou três horas antes de pôr o sol.
INQ1 Como é que se chama essa hora?
INF É o assejo, botar o assejo. É botarmos o assejo. E pega, nós a botar a rede ao mar, [pausa] lá vai aquilo, agarrado à rede e vai assim: aaaai! E nós ficámos como a noite. "Ai que maroteira nos fizeram, ai Jesus, agora sim"! Ó minha senhora, se veio se veio sardinha foi naquele dia. Jesus, que de sardinha caçámos! Palavra de honra! Ai, que de sardinha, meu Deus! Ai Jesus! "Que foi isto, homem"? Depois viemos nós a saber que foi a minha mãe que botou aquele alecrim, aquele embrulhinho, agarrado à rede.
INQ1 Mas era o alecrim… que estava benzido ou como é que era?
INF Eu não sei o que ela fez, minha senhora, eu não vi. Eu só só sei, porque ela pelo que ela nos contou, que ela foi pôr aquilo lá. E outra ocasião – vou-lhe contar, hem. Eu era Nesse tempo era solteiro. Fomos para a aceifa dos sáveles em Caminha, po- para a aceifa do sável. Nós íamos para o rio, era um, dois, três sáveles, e os outros eram aos dez, quinze, vinte sáveles. "Ai! Ai que de sáveles pilhou aquele! Ai"! E nós só a dois e três. Pouco dava para comermos! O que eu lhe digo [pausa] é que eu estava a dormir, descansadinho, que aquilo era aquela pesca era de noite. E era remar contra a maré, hem, que ali não havia motores! Havia uma velinha, quando havia ventos sus é que era para irem por o rio acima, porque que os ajudava. Mais a mais, era tudo a remo, contra a maré, hem! Os nossos pulmões era um eram caso sério. E as comidas eram fracas! E nós não caçávamos peixe nenhum, também! Um, dois, três sáveles… ai um… raio! E eu, uma ocasião, estava a dormir – a dormir o meu sono tão bem… ai! –, o que eu depois senti foi uma mulher passar comigo por cima de mim, sem calças sem nada – nua, assim, uma mulher.
INQ1 Pois…
INF Eu estava a dormir, desculpe que lhe diga isto, hem,
INQ1 Sim, sim, sim.
INF [vocalização] a dormir, e vai aquela pessoa e passa por cima de mim. E quando foi dali Não fiz caso e quando foi dali – a quê? – a meia hora, senti assim o fumo. Ai que fumaça! E depois é que acordei. Era a queimar dentro dum caco – num caco numa telha dessas, numa telha, que havia antigas, chamavam-lhe aquilo o caco. Ia E a queimar aquela aquele alecrim, ou lá o que era aquilo. E ao meu pai a mesma coisa. Ao falecido meu pai a mesma coisa. Mas nós não vimos a mulhe-. Só sentimos aquilo a passar por cima de nós. Então vinha a ser a mulher sem nada, calças, por ci- sem calças, sem nada, por cima de nós. Minha senhora, fomos para o rio, pilhámos vinte sáveles. Vinte! Palavra, que estou-lhe a dizer, hem! Nós, nessa noite, nesse assejo, já pilhámos vinte sáveles. Vai assim o meu pai: "Que foi isto, hem? Oh, Nossa Senhora da Agonia! Que é isto? Nós não pilhávamos nada, a rede é a mesma". Se pilhámos peixe foi daí em diante. Porquê? Era o feitiço que estava connosco. A inveja. Está a perceber?
INQ1 Mas quem é que fez isso?
INF Uma velhota, lá…
INQ1 Ah, não foi a sua mãe…
INF Não, a minha mãe chamou aquela mulher. Aqui há mulheres que fazem isso, sabe? Há.
INQ1 Pois, pois… Como é que lhe chamam a essas mulheres?
AquiINF Chamamos-lhe as bruxas. As bruxas.
INQ1 Mas antigamente havia mais, agora já não há muitas…
INF Agora não há nada disso. Agora não. Agora…
INQ2 Mas porque é que os barcos têm uma ferradura ainda para isso, às vezes?
INF É por causa do do Diabo não entrar lá dentro, a- as feiticeiras. É. Aquilo é por causa das feiticeiras não entrar lá dentro.