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CDR08

Cedros, excerto 8

LocalidadeCedros (Horta, Horta)
AssuntoOfícios, profissões e outras actividades
Informante(s) Joana

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INF Olha, eu vou fa-, eu vou fala- vou falar muito da matança, mas também gostaria de falar se se permite, se tem interesse, se não tem interesse não falo do nosso artesanato principal que que as pessoas daqui viveram muito, viveram mui- ajudou muito a sobreviver o pessoal deste lugar, era as palhas o junco. [vocalização] O junco é uma era um uma erva que dava nos cerrados do mato [pausa] e dava no fundo da caldeira. Por exemplo, aquilo corta-se o junco praticamente no dia no mês de Julho, Agosto. Cria uma altura mais ou menos de metro e meio metro, metro e meio. E [vocalização] ia-se ao fundo da caldeira buscar molhos de junco, trazia-se, punha-se ao sol [vocalização] a secar, a curar e depois com isso fazia-se tapetes, fazia-se malas e que depois iam-se vender. [vocalização]

INQ Mas malas mesmo Portanto, não de viagem. Era malas para levar?

INF Malas de mão. Malas de A gente chamava mala de quarta, a mala de meio alqueire, meio mala de, de, de cin- de três quartas, por exemplo. Eram umas malas feitas numa forma de madeira. Portanto, o junco vinha, era curado, e depois era amolado que também na Casa Etnográfica tem a máquina que se amolava o junco , ficava amaçado, e depois faz-se trança.

INQ Como é que se chamava essa máquina?

INF Um engenho de amolar palha. [vocalização] Fazia-se o [vocalização] Fazia-se a trança Por exemplo, como eu aqui disse, sempre foi o lugar de as pessoas se juntarem e trabalharem em grupo. [vocalização] Íamos ao junco em grupos, [vocalização] às vezes vinte, quinze, vinte pessoas juntavam-se: "Olha, hoje vamos ao junco"! Havia pessoas que iam em grupos mais pequenos porque havia pessoas que praticamente viviam daquilo e iam muita vez ao junco! Eu conheci pessoas de irem três dias por semana: iam à segunda e iam à quarta e iam à sexta-feira ao fundo da caldeira buscar molhos de junco. Depois juntava, amola- amolava-se a palha, faziam-se serões. Juntavam-se a quarenta mulheres a fazer serões nas casas [vocalização] dois dias: segunda e terça para uma casa, terça e quarta para a outra, e quinta e sexta para a outra. De tarde íamos amolar palha. Até era bonito! Porque os engenhos de muito trabalhar cantavam. Guinchavam. E a gente passava, "Olha, fulana vai fazer serão hoje porque estavam a amolar palha, estavam os engenhos a gu- a guinchar"! A gente passava pela rua e via às vezes oito, dez engenhos a amolar palha. Porque não eram as pessoas todas que iam ao serão da noite que vinham amolar a palha. A palha era as pessoas mais íntimas, mais amigas. [vocalização] Ele enquanto se amolava, iam outras iam começar os cabos. Porque aquilo começavam-se vinte cabos, que duas pessoas faziam o mesmo cabo: fazia-se peças de trança de três dúzias. Era o normal das pe-. Ainda Todas as coisas tinham os seus pormenores. Uma peça de trança eram três dúzias, trinta e seis varas de trança. A trança era medida à vara. [vocalização] E depois umas começavam os cabos, as outras iam amolando. Iam-se rendendo umas às outras porque aquilo era cansativo! Uma pessoa que amolava palha uma tarde inteira, principalmente o junco que era ri- era duro, era rijo, acabava cansada e acabava a tran- a transpirar. De Inverno e transpirava-se! [vocalização] Um bocadinho talvez para para entusiasmar, faziam-se uns [vocalização] as favas torradas, milho torrado e [vocalização] . Não era uma coisa que toda a gente fizesse, mas: "Olha, fulana hoje deu milho torrado"! Ele torrava-se o milho no tijolo e deitava-se-lhe açúcar entremeio, e outras torravam favas. Depois então faziam-se os serões com as tranças, às tranças, e depois faziam-se os tapetes. [vocalização] Penso que esses que não que não devem existir, mas eu tenho uma vizinha minha que fez [pausa] esteiras Faziam-se passadeiras, porque o que hoje se usa de oleado, naquele tempo usavam-se era tapetes de de junco. Iam vender para a cidade, iam vender para fora da freguesia, porque era esta a única freguesia Salão fazia também alguma coisa, mas era pouco , era esta freguesia que fazia tapetes e ta- e passadeiras para toda a volta da ilha. Ora, fazia-se um tapete de metro, um tapete de cinco quartas, para se ganhar quatro escudos! Mas naquele tempo era assim. [vocalização] Mas a casa do senhor doutor Jales, o falecido doutor Jano Jales, o seu quarto-de-jantar era todo forrado de em volta, a parede, uma uma certa altura de de esteira de trança de junco. Uma vizinha minha é que lhe fez isso. Com certeza que não deve de existir porque isso foi mais de cinquenta anos. Mas a casa dele era forrada, o seu quarto-de-jantar. E faziam-se Pessoas ricas fa- mandavam fazer esteiras que depois eram ram- enramadas. Pintava-se parte da trança em cores: verde, cor-de-rosa, e enramavam os tapetes, enramavam as passadeiras. [vocalização] Corredores muito grandes, até às vezes fazia-se a passadeira Ia-se fazer passadeira para casas de doutras pessoas que tivessem quartos maiores, porque, às vezes, havia quartos que nem suportavam o comprimento das das passadeiras que eram encomendadas, que vinham com as suas medidas. Depois a seguir, ele a ép- [vocalização] a época do junco era cultivar no Verão e trabalhar no Inverno. De Verão, também se colhia a também se escolhia o Era o tempo do trigo e escolhia-se a palha do trigo para se fazer os chapéus. [pausa] Também as pessoas trabalhavam em grupo. Não tanto como na jun- como no junco, mas também havia também se fazia os serões a coser chapéus, a fazer a trança. Fazia-se a palha com as mesmas regras do do junco, que a palha era muito mais macia de trabalhar.

INQ Rhum-rhum.

INF Fazia-se os tap- os chapéus, alguns brancos, outros de cor, chapéus de criança, chapéus de homem, chapéus de mulher, e dava-se a volta à ilha a vender os chapéus. Trazia Às vezes trazia-se encomendas, outras vezes nem sem encomenda, mas se ia vender. Eu, então chapéus tapetes nunca fui vender , mas chapéus cheguei a vender. E também havia casas na cidade que vendiam. A gente vendia a eles para depois eles voltarem a vender a outras pessoas. No tempo da base naval, da segunda guerra mundial, houve aqui uma base naval na Horta que então isso houve muita avalanche de muitos trabalhos que se faziam. Faziam-se trabalhos de canudos, que no dito, na na dita Casa Etnográfica, amostras de tudo o que se fazia. [vocalização] Faziam malas de trança, faziam malas de junco, faziam cabazinhos também em canudo, muitos trabalhos, que asquelas pessoas, aqueles ingleses, talvez, para levarem como recordação desta terra Muito negócio se fez naquela altura com esses com esses ingleses da base naval!

INQ O que é que chamava o canudo?

INF O que é que se chama o canudo? O canudo é a parte do trigo que Tem a espiga; a seguir à espiga, a gente chamava palha de ponta, que era a ponta do trigo; o canudo é [vocalização] aquela parte da palha que fica mais junto à terra, mais grosso e mais macio de trabalhar. [vocalização] Os chapéus, também se pintavam as pa- as tranças as palhas para se pintar os chapéus. Também se faziam chapéus [vocalização] tapetes de palha de ponta. Mas então esses não eram para vender. Esses eram para as pessoas que trabalhavam. Por exemplo, a gente fazíamos [vocalização] esteiras bonitas de palha de ponta para pôr naqueles quartinhos de entrada que nem salas eram, mas eram os quartinhos melhores que as pessoas tinham. [vocalização] Quando havia um noivado, a pessoa entre o seu enxoval também punha os seus tapetes, de palha de ponta. As tranças pintadas de amarelo para fazer os tapetes amarelos, enr- enramados. Havi- Que havia ramos bonitos, que se bordavam nos nos tapetes, trabalhos bonitos! [vocalização] Na Casa Etnográfica ainda aparecem muitos tapetes e muitas t- esteiras

INQ Eles eram enramados era depois de pintar, depois de estar feito, ou não? Ou, ou

INF Faz-se o tapete.

INQ Rhum-rhum.

INF O tapete era urdido no meio chão, [vocalização] pregavam-se pregos. Ainda me lembro que uma passadeira levava dezasseis pregos; um tapete, que era mais largo, levava a vinte e dois, conforme. O tapete, se era para pôr ao da cama, era de cinco quartos. Por exemplo, [vocalização] fazia-se o tapete, urdia-se e depois tapava-se uma por baixo , uma espécie do tear.

INQ Rhum.

INF Ele metia-se por baixo e por cima, e tapava-se. E depois quando o tapete está feito, a trança pintada era bordada com uma agulha de ferro e até de madeira, havia pessoas que sabiam fazer agulhas de madeira , metia-se a trança entre [vocalização] entre aqueles aqueles altos e baixos do tapete. Bordavam-se rosas, fazia-se datas, escrevia-se nomes.

INQ Rhum-rhum.

INF E [vocalização] era bonito! Eram trabalhos bonitos, eram trabalhos feitos que hoje a gente Naquele tempo não se sabiam apreciar como hoje se aprecia, porque era uma coisa vulgar, toda a gente tinha. Hoje é uma coisa rara. Eu lembro-me que quando me casei fiz um cão bordei um cão no meu ta- num tapete para pôr ao da minha cama , um cão empoleirado. Era, era uma lin- Era um lindo cão! Ora, o tapete estragou-se e não foi de ser usado. Deixou-se de usar os tapetes, que apareceram outros tapetes mais não mais bonitos mas diferentes, e o meu acabou por se estragar porque eu o abandonei. [vocalização] Tenho ainda um que então esse eu não Era com um ramo de flo- um ramo de rosas muito bonito, que era posto do outro lado da cama. De maneira que era uma arte que nós tínhamos de embelezar a nossa casa com as nossas próprias mãos, porque não havia dinheiro que se pudesse chegar mais. [pausa] Portanto, esta era uma da parte de de artesanato que teve muita actividade na nossa freguesia, quer para as pessoas usarem no seu próprio uso, quer para fazerem dinheiro.


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