LVR35

Lavre, excerto 35

LocalidadeLavre (Montemor-o-Novo, Évora)
AssuntoO moinho, a farinha e a panificação
Informante(s) Áurea Arciliano

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INQ1 Pronto e traziam Vinha a farinha do, do moinho e o que é que tinha que fazer para a? Para poder fazer o pão? Conte .

INF1 Tinha que se peneirar com umas peneiras muito finas. Ficava

INQ1 Quantas vezes é que peneirava?

INF1 Uma vez . uma vez, mas era bem peneirada para cair aquele ralão. Chamavam-lhe o [vocalização] ralão.

INQ1 Mas antes disso tinham que tirar outra coisa que era para as galinhas? Que esse é que não prestava.

INF2 O farelo.

INF1 Mas isso ficava O farelo ficava dentro da peneira.

INQ1 Ah!

INF1 E ia para uma vasilha ao lado para dar aos animais: ou o comer das galinhas ou para os porcos.

INF2 É os farelos. [pausa] É os farelos.

INF1 Depois guardava-se dumas semanas para as outras um bocadinho de massa. [pausa] Ali um bolinho de massa, [pausa] num pirezinho, ficava. Porque na outra semana, se se puder, aquilo era o fermento. Quando

INQ1 Chamava-lhe fermento?

INF2 Fermento.

INF1 Era o fermento. Ficava sempre era a obra de meio quilo de massa. [vocalização] A farinha no fim de estar [pausa] toda peneirada, fazia-se

INQ1 Mas o rolão ia também para o pão?

INF1 Ia também. Depois a gente tinha era [vocalização] A minha mãe, ia ver: "Isso não está ainda bem [vocalização] peneirado"! E a gente toca de peneirar a farinha. Peneirávamos aquilo tudo. Fazia-se um um buraco assim ao meio da farinha, depois o fermento que tinha ficado da semana anterior era desfeito em água morna. Até se punha assim um bocadinho de molho, desfazia-se. Ficava aquela calda. Vazava-se essa calda, [pausa] dentro da farinha. Depois misturava-se a farinha e embrulhava-se aquilo tudo, tapava-se e fazia-se uma cruz para o fermento crescer. No outro dia de manhã, íamos ver, o fermento estava [pausa] estava muito grande.

INQ1 Sim.

INF1 Punha-se, em cada quilo cinco quilos de farinha, um punhado bom de sal. Se fosse quinze quilos, era três punhados de sal. Se fosse vinte quilos Era todas as semanas: de oito em oito dias, todos os sábados, se fazia [vocalização] o pão. [pausa] Levantávamos-se de manhã, aquecíamos logo a água para amassar, para não amassar com água fria, para o pão fintar melhor. Então na em cima do fermento, punha-se logo as cinco mancheias ou s- ou quatro, era conforme os quilos de sal. Nunca podíamos esquecer. Até levávamos logo o sal, o prato do sal , para se lembrarmos, para não deixarmos o pão sem o sal. Então depois era amassar, amassar, amassar ali: "Ó mãe, isto está bom"? "Não". "Ó mãe, então quando é que está bom"? "Quando as [vocalização] as pernas da tripeça suarem"! Boa! As pernas da tripeça não suavam; aquilo é que era amassar, amassar! Às vezes ia outra minha irmã mas fugia logo. Depois ia a minha mãe acabar de amassar e ajeitar. Amassava-se Quando ela via que estava bom, que desligava, não era, ia a gente, marcava ali de assim no alguidar o alguidar era sempre maior quatro dedos. Ali ao fim de quatro dedos, punha-se ali um bocadinho de massa ali espetada. Quando a [vocalização] a massa ia a chegar, estava capaz de ir acender o forno.

INQ1 Diz que a massa estava quê?

INF1 A fintar.

INF2 A fintar.

INQ1 Não. Quando estava pronta, diz que estava quê? Quando ela tinha chegado até à altura dos quatro dedos, diz que estava quê?

INF1 est- Pronto, estava boa para para tender.

INQ1 Não dizem que estava finta?

INF1 estava finta. Por isso, estava a fintar. estava finta. Ia-se acender o forno. Quando o pão chegava àquele limite dali, ia-se acender o forno. Para o forno querem saber [pausa]

INQ1 Rhum-rhum!

INF1 as ferramentas que se usavam?

INQ1 Sim senhora. Como é que faziam?

INF1 Primeiro era o forcado para meter a lenha para dentro. E ace-, e tira- Acendia-se, não era? Era o forcado. Depois era o esborralhador, que era um pau [pausa] comprido, para se espalhar [pausa] a lenha por todos os cantos do forno. Quando o forno estava branco, é porque estava quente. O tecto do forno todo branquinho! de assim tinha que ser o rodo [pausa] para puxar as brasas todas para a boca do forno. O borralho que ficava deixava-se descontrolar assim um bocadinho, senão aquilo ele era brasas que enchiam a boca do forno. Era o rodo para puxar. Depois havia as barbas. [pausa] Era sempre umas calças de cotim, velhas, atado ali de assim num [vocalização] numa vara, não era?

INF2 Embrulhavam-nas em água, porque ajuda.

INF1 Embrulhava-se em água que senão queimavam-se, saíam logo de a arder

INF2 Pois.

INF1 Para limpar o forno, puxar todas as brasas, tirar a cinza, para ficar tudo muito limpinho.

INQ1 Chamava-lhe o quê?

INF1 As barbas.

INF2 [vocalização] Barbas. Barbas.

INQ1 É as barbas.

INF1 Pois. As barbas do forno, que era para para limpar o estradozinho para limpar o forno por dentro. Depois ia-se experimentar Enquanto o forno ia ardendo, íamos tender o pão. Quer dizer que acendemos o Vimos-se que a massa estava capaz, íamos acender o forno. Enquanto o forno ia ardendo, ia aquecendo, a gente [pausa] ia logo tender o pão. Ali aos bocados, conforme o tamanho que a gente queria, tendia. Punha-se ali num tabuleiro com um [vocalização] um panal grande a gente chamava-lhe o panal. Amanhava-se o panal no tabuleiro, punha-se ali um pão. Depois fazia-se assim: levava dois pães; amanhava-se o outro, punha-se aqui; depois o outro fazíamos assim. Não era assim?

INQ1 Pois.

INF1 Pois. Fazíamos assim ali o pão.

INQ1 Chamava-lhe alguma coisa, a essa coisa que ia fazendo ao panal, ia fazendo o quê? Essas

INQ2 Tinha nome?

INF1 Não. Não tinha nome. Não tinha nome. [pausa] Quer dizer que depois o pão estava no tabuleiro ainda crescia, ainda aumentava mais quando íamos então limpar o forno por dentro. Depois era a [pausa] para meter o f- o pão para dentro. No fim, começava-se a pôr ao fundo, sempre, sempre, a amanhar Quando era ao fim dum [vocalização] quarto de hora, era com um mexerico.

INF2 O mexe- O mexerico era

INF1 O mexerico [pausa] era era assim uma tabuinha assim, bicudinha daqui e bicudinha daqui e um pau aqui ao meio.

INF2 Era dois bicos assim. Dois bicos assim

INF1 Um assim Era assim uma tábua Era assim uma tábua. Depois tinha Estava assim aquilo.

INF1 Era assim uma tabuinha, assim com um biquinho assim de cada lado. E um pau. E a gente depois mexia [pausa]

INF2 Era para mexer o pão.

INF1 o pão com este lado, e deste lado mexia assim para o pão [pausa] não colar.

INF2 Que era para a massa não ficar en- não ficar encostada.

INQ1 Mas era como se fosse o rodo, quase?

INF2 É.

INF1 Não. O rodo, o rodo era assim: era o pau aqui e era assim;

INQ1 O rodo é direito. Sim.

INF1 e aquele é o mexerico que era para mexer o pão.

INQ1 Era É assim dois bicos, como se fosse uma enxada de?

INF1 Era assim, era assim .

INF2 [vocalização] Era isso. É isso. Isso. É. É aquele bocado É assim um bocado de madeira assim, e depois aqui le levava um corte assim, ficavam estes dois bicos, dois coisos.

INQ1 Assim. Ficava assim um corte

INF1 Não.

INF2 Era, sim senhora. Então o de o da minha avó era assim.

INF1 Era Era Não, não. É É uma tabuinha assim, neste género.

INF2 Empreste um coisa! Empreste-a que ela [pausa]

INF1 E a tabuinha fazia um biquinho daqui

INQ2 Tens algum papel?

INQ1 Espere , espere

INF2 Alguma coisa, que eu fa-, eu faço que eu faço-te como é que, como é que, como é que como é que era o [vocalização] mexerico

INF1 O dacolá não era: era assim uma tabuinha direita; aqui era bicudinha daqui e daqui.

INQ Ah!

INF2 É o das pontas! Então mas eu

INF1 Sim senhora. Então era para, é para era para mexer assim o pão. Era para mexer assim o pão! Assim!

INF2 Queres ver esta?

INQ1 Pois. Para não tocar nos outros?

INF1 Sim.

INF2 Não. Mas o da, o da minha o que tinha na na da minha avó era assim

INF1 Não, não.

INF2 Portanto, era assim: tinha assim a tábua, ela tinha assim a coisa, assim, depois tinha assim, vinha assim, [pausa] assim, depois vinha assim, vinha assim e assim.

INF1 Ah, isso parecia mais era uma bandeira!

INF2 Não, então, era [vocalização] assim!

INQ1 Essa era a, era como se fosse

INF2 Depois, depois Depois tinha o cabo aqui assim, aqui, para esta parte aqui.

INQ1 Pois. Era como se fosse uma enxada de pontas?

INF1 Pois.

INQ2 Pois.

INF2 P- Pois. Isto, isto era assim redondo, não era assim bicudo. [vocalização]

INF1 Então deixe Pois. Então deixe-me

INQ1 Agora faça a sua.

INF1 , deixa-me eu{fp eu fazer aqui. [pausa]

INQ1 Ai, que engraçado!

INF1 Pronto. Era assim!

INF2 Não, então mas era Mas era um [vocalização] Era com o outro. Então, mas tinha uma coisa, não é? A [N] da minha avó na [nome próprio] era assim.

INF1 Era assim, era com um biquinho.

INF2 E depois esta coisa ia com estas coisas

INQ1 E chamava-lhe como a isso?

INF2 Isto é um mexerico.

INF1 Um mexerico, que era de mexer [pausa] o pão.

INF2 Pois, de mexer.

INQ1 Afastar o pão de um lado ou um do outro

INF1 Sim, sim.

INF2 Um do ou- Um do outro para não para não ficar encostado, para não se encostar, para o pão não pegar e não se pegarem uns aos outros.

INF1 Para não ficarem casados.

INQ1 Sim senhora.

INF1 E para ganharem cor.

INQ1 Mexericos.

INF2 Pois. Mexericos.

INF1 E quando E outra E 'desqueceu-me' eu dum pormenor ainda: antes de se meter o pão no forno,

INQ1 Sim.

INF1 para ver se o pão se o forno estava quente demais ou não, punha-se para um punhadinho de farinha. Se a farinha caísse e ficasse logo preta, então tínhamos que esperar ainda um bocadinho; e se a farinha ficasse a corar, [vocalização] estava capaz de se meter o pão no forno.

INQ1 De meter o pão. Portanto, o problema de meter o pão no forno com o forno muito quente qual era?

INF1 Queimava.

INQ1 Queimava o pão?

INF1 Porque a farinha, conforme caía , [pausa] ficava preta. Pois. Estava quente demais para o pão, não era?

INQ1 Rhã- rhã!

INF1 E depois o metia-se o pão; se o pão estava branco e se não ganhava cor, havia uma porta em madeira, ou uma lata

INF2 do lado de trás do forno.

INF1 Até m- Até mesmo com o mexerico dava para segurar.

INQ1 Essa porta? Tapava-se um bocadinho

INF1 Para tapar Para tapar. [pausa] E se o pão estava a ganhar cor demais, ia atrás. Porque um buraco na parte do lado de trás.

INF2 Ele aquilo um buraco no forno do lado de de trás do forno. Aquilo é ta- ou é tapado ou é destapado, conforme. Punha-se-lhe um tijolo

INF1 Então, abri- ia-se , tirava-se-lhe o tijolo. Era assim um trapo grande e com um tijolo; a gente puxava pelo trapo, tirava o tijolo, que era para o forno arrefecer mais depressa.

INQ1 Rhã-rhã!

INF1 Pois.

INQ1 Mas isso, com o pão, ainda com o pão fora?

INF1 Com o pão dentro. com o pão dentro.

INF2 dentro, por dentro.

INQ1 Então e não havia o perigo de o pão baixar de repente?

INF1 Não.

INF2 Não.

INF1 Não.

INQ1 Com a corrente de ar? Não?

INF1 Não.

INF2 Não.

INF1 Não havia. [pausa] É isso.

INQ1 Sim senhora.


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