INF O que é que atravessei uma época que não havia… [pausa] Com dinheiro na mão! A gente via os padeiros [pausa] peneirarem, amassarem, enfornarem e com o dinheirinho dentro do saco, a querer quatro e cinco pães e [vocalização]… Toda a noite! Estávamos toda a noite ao pé do… E pequenitos! A gente era pequenitos. Estávamos toda a noite ao pé dos padeiros para vermos se, quando chegasse de manhã, iam à primeira fornada tirarem o pão, [pausa] e [vocalização] para a gente querer três ou quatro pães.
INQ Pois.
INF Depois só levava um e era quando levava!
INQ Isso era para aí no tempo da guerra ou assim, não?
INF E esse um, a gente comia-o pelo… Comia parte dele pelo caminho, chegava a casa levava uma data de porrada. Risos
INF Era. A gente éramos onze irmãos… Tra- Ganhava o meu pai onze escudos por dia, com onze filhos.
INQ Veja só… Onze filhos, meu Deus!
INF Onze filhos! A gente nunca pediu, que ele era sapateiro,
INQ Mas esse tempo…
INF trabalhava de noite e de dia, que nunca quis que os filhos pedissem.
INQ Pois.
INF Não tinha nadinha! Ele não tinha na-. Amanhava uma propriedade só para ter [vocalização] umas batatas, uns feijões, e coiso; de resto, não tinha mais nada.
INQ Pois é.
INF E a gente corria [pausa] o Sobral de Monte Agraço para ir buscar um decilitro de azeite. Um decilitro de azeite, ao ao Sobral de Monte Agraço, cinco quilómetros! Não tinha. Sabia-se que havia um lagar nas Pontes de Monfalim – mais de três quilómetros –, íamos às Pontes de Monfalim ao lagar buscar um decilitro de azeite. Com um saco na mão e dinheiro, and- corria-se 'Ceco e Meco' para comprar um quilo de batatas. Não havia.
INQ Meu Deus!
INF Eu conheci essa época. A gente comia troços de cardos, que era hortaliça, feijão-frade, mas pouco…
INQ Pois.
INF E [vocalização] era uma miséria, pronto. Antigamente era uma miséria. Isto agora, o pessoal agora está todo rico!