INQ A senhora trabalha na fábrica, é?
INF É, sim senhora.
INQ Trabalha? …
INF Mas eu não trabalho efectiva. Trabalho só durante o Verão.
INQ É nas conservas?
INF É, sim senhora. Trabalhamos em em albacória, traba- em bonito, em chicharro – [pausa] estes peixinhos assim –, cavala. [pausa] É nos peixinhos que vai aparecendo [pausa] é que nós trabalhamos.
INQ Pois.
INQ E chega a esta altura do ano e as pessoas vão para casa e não ficam a ganhar nada?
INF Olhe, minha senhora, ainda a semana passada ainda recebi o meu chequezinho. Fui lá quatro bocadinhos, já não foi dias por em cheio porque faltou óleo, mas ainda recebi novecentos e [vocalização] tal escudos, perto de mil. Ainda dá um jeitinho.
INQ E à senhora também faz jeito trabalhar só uma parte do ano?
INF É, sim senhora. Quando a fábrica abre… Ele eles queriam que eu entrasse de efectiva, mas eu não pude entrar de efectiva porque eu sou sozinha e também gosto… Crio os meus bichinhos, crio o meu porco, crio as minhas galinhas, tenho o meu marido, tenho a minha filha, é preciso fazer almoço e jantar e ceia e agora de Inverno os dias são muito pequeninos. As manhãs não dá para fazer o serviço para se poder caminhar; e também a gente, à noite, já chegamos escuro, não se pode. Já basta se ir trabalhando assim nesta época do Verão.
INQ Trabalham lá muitas mulheres?
INF Há-de trabalhar talvez para umas trezentas mulheres.
INQ Também assim?… Só vão alguns meses?
INF Assim, durante… Não senhora. Tem uma uma parte delas, talvez aí para umas vinte cinco, vinte cinco a trinta, efectivas. Umas a bater latas, outras a enroupar latas, outras a fazer os caixotes para [vocalização] fazerem o embarque, [vocalização] outras na latoaria a fazer lata de Inverno para se poder trabalhar de Verão. Tem uma parte dos homens também que trabalham, porque aqui isso já acaba agora esta época, mas engeiram-se daqueles carris, daquelas coisas, a limparem aquelas ferrugens para chegar outra vez para o Verão, aquilo estar tudo oleado, estar tudo em ordem, e poderem mexerem no peixe. [vocalização] Quer dizer, dá sempre que fazer para umas certas pessoas todo o ano. Nascem para isso.
INQ E a senhora tem vivido sempre cá?
INF Como?
INQ Tem vivido sempre cá?
INF Eu sou Eu sou mesmo daqui da das Bandeiras.
INQ Nunca esteve lá por fora?
INF Não senhora. A senhora também é daqui do Pico?
INQ Não, eu sou do continente.
INF A senhora é do continente?!
INQ Sou de Lisboa.
INF Ah! Eu tenho uma cunhada minha que é na [pausa] em Amadora.
INQ Ah!
INF Mas ela agora está para a França. Tiveram aqui há dois anos. Têm três miúdos: têm um miúdo e teve dois gémeos. [pausa] Mas estão bem lá, à conta de Deus. [pausa] Eu então agora já estou velha para viajar. Risos Já agora paro por aqui.
INQ Não está nada!
INF Tenho uma miúda com dez anos.
INQ O quê? Que idade é que tem?
INF Tem dez anos, a miúda.
INQ A senhora?
INF Eu já tenho quarenta e seis. Já estou muito velha!
INQ Está velha?! Está nada velha! Está óp-… Está óptima!
INF É uma vida! Quarenta e seis, já estou muito ruça. O trabalho come a gente. É verdade.
INQ Está com uma cara muito novinha.
INF Tenho quarenta e seis, o meu marido tem cinquenta; e tenho uma miudinha com dez. Já quando ela nasceu, ia fazer dezassete anos que eu estava casada.
INQ Isso é que foi uma surpresa!
INF É verdade! Já não se fazia conta disso. Mas eu , eu aborreço-me com ela, às vezes, porque ela é assim viva – viva ou esperta! Ele a gente diz uma coisa e compreende aquilo; ou manda-se um mandalete, faz aquilo tudo. Não se há-de dizer uma coisa, se ela não é criança esquecida! Se lhe eu disser: "Olha, tu vai ao botequim e compra-me isto e isto assim"… E sabe muito bem fazer as suas contas ao dinheiro. Mas às vezes chateio-me, faz assim uma pergunta, uma pessoa aborrecida com o trabalho não tem pachorra. E eu agora outro dia, fui assim: "Ó Carla, cala-te! Tu não és do tempo"! E olhe a senhora que eu depois fiquei tanto preocupada! Chegou-se à tarde, ao fim do turno da manhã, ela diz: "Ó mãe, diga-me como é eu não ser do tempo"? E eu queria dizer que ela já tinha vindo tarde e que já não tinha pachorra. E eu fiquei depois tan- tanto surpreendida em ter respos- respostas indecentes, que eles não têm culpa, não é verdade! E é assim. Pois eu tenho andado também com um cheirinho de gripe, estou meia rouca, constipada. Depois foi-me para a garganta.
INQ Adoentada?
INF Então a senhora veio dar uma volta por aí abaixo, então! Ver estes nossos picos, estas pedras negras e estes matinhos verdes.
INQ Não é bonito?
INF Não.
INQ Não é?
INF A gente, às ve-, não acha, aqui isto.
INQ Ah! É tão bonito!
INF Há pessoas que vêm daí de fora que acham muito graça neste meiozinho – aquilo e essa coisa –; a gente vive aqui entre matos e pedras.
INQ É muito bonito!
INF Agora é verdade que há umas hortinhas aí, que a gente tem sempre as nossas hortaliças, calha muito bem!
INQ Pois.
INF Já nesses mundos deles, é preciso eles irem todos os dias ao mercado, é preciso haver dinheiro grosso. E a gente já aqui, é os nossos nabos, é o nosso feijão, é batatas doces e é batatas brancas, é os nossos inhames, é tudo. [vocalização] Não se pode cramar. As hortinhas são fraquinhas mas dá disso tudo.
INQ Claro.
INF É isso.
INQ É muito diferente! Viver aqui ou viver em Lisboa é muito diferente! É muito melhor viver aqui!
INF É o que eles dizem.
INQ A sua irmã gostava de estar em Lisboa? Na Amadora?
INF Era uma cunhada.
INQ Uma cunhada?
INF Ela não era nascida de lá; era do Alentejo.
INQ Ah!
INF Ela trabalhava em va-… Ela também trabalhava [vocalização] cá em Lisboa, que ela trabalhava por conta dum alfaiate. Trabalhou muito ano por conta dum alfaiate – onde ela estava. Eles estiveram cá há dois anos. Foram lá para a França, e estiveram cá há dois anos. Ela prometeu-nos vir dali a cinco anos. Vamos a ver. Tenho é muitas saudades dos miudinhos, que eram uns miudinhos que ainda não tinham um ano e eram gémeos! Mas muito branquinhos, muito gordinhos, muito lourinhos, avermelhadinhos até do cabelo. Eram tanto engraçados, filhos da minha alma, mas é tanto longe! Já no fim Eles estranhavam mas depois… Eles estranharam muito mas já no fim [pausa] ficavam comigo, aqui de noite, a dormir. E a mãe ia, às vezes, dar um passeio, mais o marido, iam ver-me isto aí, que ele gostava também de lhe amostrar isto aí e ela já e ela gostava. Só estranhava muito é que não tínhamos luz. Mas nós agora temos luz. Assim como a minha casa, a gente chega-se à noite, eu faço o meu serviço aqui brancamente com a luz. Já é então uma animação. A gente estava aqui, vivíamos muito apertadinhos sem uma luz, sem águas, sem nada… Águas, a gente tem nos nossos tanques, mas agora a luz, credo, Pai do Céu! É claro, é uma animação! Foi o melhor que fizeram foi a luz!