INQ Olhe e aquelas coisas que às vezes dá, uma doença que se pega à gen-, às pessoas todas duma freguesia?…
INF1 É sarna.
INQ Pode ser sarna. Mas pode ser outra… Quando se pega assim…
INF2 Pode ser a peste. Ele nalgum tempo era a peste que dava!
INF1 Ah, era a peste, sim. Em tempo era a peste também.
INF2 Mas ele já morria muita gente aqui!
INF1 Credo!
INF2 Mas ele já há aí medicamento, que não se fala nisso.
INF1 Já nem sequer há!
INF2 Hoje fala-se é [vocalização] de cancerosos. Hoje ele anda na moda é cancerosos.
INF1 Hoje Ele hoje é tudo cancerosos.
INF2 "Oh, esse fulano tal está está canceroso" e tal. Nalgum tempo era a peste.
INF1 Era a peste.
INQ E mais não se pega. E o canc-, o cancro não se pega.
INF1 Era…
INQ Se se pegasse, então…
INF1 [vocalização] A peste então estava na nossa terra que – aqui na nossa freguesia – que era medonho! Além nas Lages!
INF2 E nas E nas mais freguesias.
INF1 E nas Lages era… Ainda era pior que aqui.
INF2 Havia um doutor de Agualva, que estava na ali na ladeira de São Francisco, nas em Angra, que [vocalização] era um be- um belo dum homem. Ele morreu com a peste. Teve lá doutores às trelas com ele, que até o sangraram nos pulsos e fizeram-lhe tantas trapaçadas, mas ele andou mesmo.
INF1 A ver se o salvavam.
INF2 A peste é… A peste, a peste quando pega deveras isso era feio.
INQ Mas ainda se lembra de alguma vez ter estado assim a freguesia aqui toda, a maior parte das pessoas estarem doentes?
INF2 E outros eram isolados! E as casas eram desinfectadas, vinha gente desinfectar aquelas casas… E aquela roupas eram ele… Meu pai não lhe deu cedo, morreu disso. Veio lá um homem que era tratado de Carlindo, aqui das Lages, desinfectar. Alagou a gente todos naquela casa, alagou aquela casa toda, agarrou, alagou roupas … Ah, Nosso Senhor! Minha mãe, tal doença, ela também teve, mas não foi nada. Um irmão meu também teve, também nada foi. E a
INF1 Também escapou.
INF2 E uma irmã minha também teve, também nada foi. Quer dizer, não… Claro, o meu pai não lhe deu cedo, pegou-o e levou-o. Foi um instante para andar.
INQ Pois.
INF1 Era uma coisa que era muito pegada aos outros, pegava muito aos outros.
INF2 Pois era. Pois era, pois era, pois era.
INQ Pois, pois.
INF2 Morreu um homenzinho aqui em cima, à boca deste ca- desta rua [pausa] – e vira ali para o lado da praia –, que eles mandaram retirar tudo, aquela gente toda de roda, retirar tudo para fora e ficar outros isolados lá dentro.
INF1 Foi o Carlos.
INF2 Foi o Carlos. Outros isolados lá dentro! Ó senhora, foram uns trabalhos, foram uns trabalhos.
INF1 E ele morreu coitadinho.
INF2 Uns trabalhos!
INF1 E depois levaram-nos para a cidade, para o isolamento. Aqueles que estavam juntamente com ele no quarto foram para o isolamento para a cidade.
INF2 É. Depois foi isso. Uns trabalhos!
INF1 Não teve dúvida mais nenhuma!
INF2 E o mulatinho preto também morreu com isso. Houve aqui uns anos…
[pausa] INF1 Mas, mas daquilo Mas daquilo é que o outro morreu. E um primo meu também foi a mesma coisa.
INF2 Porque aquilo era uma desgraça!
INF1 Era uma desgraça, era então ele então!
INQ E isso foi mais ou menos há quantos anos?
INF2 Já, já vai Já vai aí a…
INF1 Já foi há anos então! Há anos.
INF2 Aí a un- talvez há uns trinta anos. Trinta ou para mais ainda.
INF1 Olha, o [vocalização]…
INF2 Trinta ou para mais.
INF1 Olha o pequeno do Eliseu não… O pequeno do Eliseu, ele há-de ter mais do que essa idade!
INF2 Por isso é que eu estou a dizer para mais de trinta anos. Para mais de trinta.
INF1 É. Eram mais velhos que os nossos.
INF2 É. Tem já mais de trinta anos.
INF1 [vocalização] Há cinquenta anos ou mais!
INF2 Já não se fala nisso. Já não se fala nisso.
INF1 Já nem sequer se fala nisso.
INF2 Agora o que está a subir muito, muito, muito é cancerosos. Que os cancerosos é uma desgraça então.
INF1 É cancerosos, não tem tafulho então.
INF2 É uma desgraça.
INF1 Qualquer [vocalização] mesmo Vê-se mesmo que eles que não podem, coitadinhos.
INQ Pois é.
INF1 Não sei, é cancerosos, cancerosos, cancerosos, que não tem tafulho.
INQ E cancro de quê? Onde é que tem andado mais o cancro?
INF2 O cancro é quase sempre é por dentro de nós, na criatura.
INF1 O cancro é na cria-. É por dentro na criatura.
INF2 Pronto, dentro da criatura.
INF1 Ou no estômago, ou na barriga…
INF2 Ou no co- no coração.
INF1 Ou no cora-, sim senhor.
INF2 Nos pulmões.
INF1 Nos pulmões, então.
INF2 Ou mesmo na no fato da gente, ou coisa, é que dá essa desgraça. E não há cura por ora. Até aqui… Eles andam atrás dela, mas…
INQ Pois.
INF1 Mas nunca arranjaram.
INQ Mas não encontraram.
INF2 Mas nunca encontraram. Ele nunca encontraram ainda.
INF1 Ele nunca arranjaram. Agora
INQ Olhe, e costumam dizer que o cancro é algum bicho ou não?
INF1 É um bicho, é.
INQ Sim? E é um bicho mais ou menos como? Parecido com?…
INF1 Não sei então.
INF2 É um bicho-charvão.
INF1 Mas há gente que diz que é como como um bicho-charvão.
INF2 Um bicho-charvão.
INQ Com pernas, é?
INF1 Com pernas, sim senhora. E boca, e olhos, e [vocalização] tudo.
INF2 Até criaturas…
INF1 Eu tinha um tio meu, que morreu canceroso, era um bicho que tinha em si, espedaçou os, os os fígados todos. Ele [vocalização] gomitava era água de ferrugem.
INQ Pois.
INF1 E depois de estar a morrer, disse: "E depois de estar na mesa, que ele fique só com a madeirinha e a pele" – com os ossos e a pele. E depois de estar na mesa, defunto, vestido, o bicho mexeu com ele duas vezes!
INF2 Para morrer.
INF1 Foi para morrer.
INQ Pois, pois, pois.
INF1 Morreu, acabou-se. Ele não…
INF2
INF1 Não mexeu mais consigo. E ele já estava vestido na mesa – morto já! – mas o bicho ainda não tinha morrido.
INQ Pois, pois.
INF1 Disse o senhor doutor que o bicho que veio a ele [vocalização] veio para riba e para baixo nele, mexeu com ele e, para morrer, estrebuchou, para morrer. Morreu, ficou morto, a criatura não mexeu mais consigo. Mas até ali mexia! Mexeu duas vezes, consigo! Aquele bicho é que mexeu com ele!
INQ Pois, pois.
INF1 Que ele estava morto. Havia muito! Muitos
INF2 Mas muitas coisas dessas, era uma desgraça.
INF1 Muita coisa destas.
INF2 Aí de banda para banda.