INF Eu e um filho meu – este meu filho – uma ocasião bem, a senho-… Era o fogo da Senhora da Bonança. Ainda ele era pequenino – tinha ele para aí o quê? Cinco anos – e levei-o comigo ao mar, pequenino. E fomos à pesca do pancho, ali perto, perto daquele sanatório, aqui por fora. Eu… estava a ver que morria que o rapaz que me morria.
INQ Porquê?
INF Vou-lhe contar. É que eu vi-me vi-me atrapalhado. Eu, quando saí do porto… Ainda não morava ali naquela casa, ainda não tinha casa. Eu estava a morar por baixo do … Sabe onde é que é o posto dos guardas, acolá em baixo? Eu morava ali, numa casa alugada. Pagava, naquele tempo, oitenta escudos. Andava eu na pesca do bacalhau. E dia de fogo de Senhora da Bonança, que era num sábado, apeteceu-me ir ao mar, numa embarcação que era do falecido meu pai, nu-, nu- numa gamelinha pequenina. Não havia motores, era só à ve- era só a remos. E eu pego no meu filho, que era pequeno – para aí cinco, cinco anos, até seis anos, talvez não os tivesse –, e levei-o comigo. O mar estava bom! Mar Mar como está aqui, chãozinho, calminho, como está aqui! E eu pego no rapaz, disse eu para a minha mulher: "Aida, vou pilhar um bocado de peixe"! "Não vás homem, que é dia é dia de Senhora da Bonança". "Vou"! E eu tinha isca, desta isca que se apanha aqui nestas nestas pedras, no mexilhão, destas minhocas assim gran-, minhocas.
INQ Como é que lhe chama?
INF Minhoca. Chama-se is- isca, mas é é umas minhocas que há, no mexilhão.
INQ Por baixo do mexilhão?
INF Sim. Cava-se Escava-se com uma sachola [pausa] e aquela isca está debaixo do… e aquela minhoca está debaixo da is- debaixo do mexilhão. É. Larotes assim grandes! E eu apanhei muita isca, e ao outro di- – apanhei de véspera – e ao outro dia, lá vou eu e o meu rapaz. Levei-o comigo.
INQ Eu estou a ouvir tudo…
INF Nós [pausa] afundeámos, de- demos, largámos – nós chamamos-lhe poitada. Sabe o que é uma poitada? É uma pedra, grande, assim grandinha, amarra-se-lhe a corda, bota-se para o fundo, para afundear a embarcação, para afundear a embarcação. E ali estivemos. Estivemos. Ora, eu levei levei sardinhas, e peguei num pedaço de rede – dessa como há, fininha do camarão – e botei aquelas sardinhas naquela redinha, botei-lhe uma pedra, botei-lhe uma linha para o fundo… Ora, aquilo, aquela sardinha, foi-se desfazendo, e o peixe, que estava ali pelo lado, veio todo parar à minha beira, ali, debaixo da emba- da embarcação. Era só ter linha para apanhar peixe, os tais panchinhos – os tais panchos que são assim, ó, assim e assim e assim – e fanecas!
INQ Dez centímetros, quinze centímetros…
INF E fanecas. Fanecas boas! E eu pus-lhe uma linhinha pa- para ele. Ele estava assim à ré, assentadinho. E eu à proa, porque tinha mais blindança para alar a poitada e tudo. E eu pu-lo à ré com uma linhinha. Ai, e pilhou! Ele era tão nov- nov-! Eu só me ria. E eu tanto me ri que depois comecei a chorar! Caiu uma trovoada! Caiu uma tem- uma trovoada, veio um um trovão! Depois, deu em cair chuva, caiu uma faísca em cima daquele sanatório, que manda um estampido – que ele ele tem lá, ele tem lá pa-, rai-, tem,- tem lá o [pausa] pára-raios, tem. E caí- E aquela faísca deu um tam- um estampido que veio para ali: "Ai, meu pai, que vamos morrer todos"! "Ó meu filho, não te assustes"! E eu fui acolá à, à à poitada, à corda, alei, alei a poitada. Eu, ali naquele tempo, eu tinha força como um leão, Jesus!