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Carapacho, excerto 30
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INF1 A senhora não sabe que [vocalização] a maioria da pessoa tem inveja do trabalho do pobre?
INF1 No tempo do fascismo…
INF2 É uma tristeza, senhor,
a gente está a falar com as pessoas,
as pessoas atingem o coração e com aquele mau ódio!
Gentes invejosas do nosso trabalho, senhor, que é uma coisa muito má!
INF1 No meu tempo Eu sou um homem…
INF1 Eu sou pai de nove filhos – nove filhos –,
e tenho sete em casa: três pequenas e [vocalização] quatro rapazes.
[pausa] Tenho um rapazinho com, com [vocalização] com quinze anos
e tenho um outro com [vocalização] a pegar em [vocalização] catorze, [pausa] que até é surdo e mudo, não fala.
INF1 E tenho [vocalização] um outro, abaixo daí com [vocalização] a pegar em doze.
Que ainda ontem de manhã fui trabalhar para bordo dum navio;
a minha vida é a estiva dos navios …
INF2 O senhor está é aqui ou é na Terceira?
trabalho aqui na terra já ele [vocalização] já há muito ano.
INF2 Eu conheço o senhor assim de vista.
INF2 O senhor é da Feiteira?
INF1 Eu sou do sul, homem!
Sou dos Paga-Negras do sul, da fa-, de uma de uma Paga-Negra do sul, da da Luz.
[pausa] Quando a gente por uma pouca miséria que ganha…
Olha agora, só esta pequena, ou este rapazinho mais velho que eu tenho, é que me dói até.
Quinze com cinco, cinco e Quinze com cinco são vinte.
Vinte dias de trabalho – que entrou agora há poucos dias para a Câmara para trabalhar – [pausa] ainda dá qualquer coisinha.
que nem que fosse o diabo que entrasse em casa, [pausa] pois ninguém come nada, uma coisinha que preste.
[pausa] E a gente temos o feijão…
Não tenho nada, coisa nenhuma!
Estou pagando a renda da casa.
INF1 Nada meu, coisa nenhuma!
Só tenho a mulher e os meus filhos.
Nada, coisa nenhuma eu tenho!
INF2 É mesmo o seu dia de trabalho!
E dinheiro, por enquanto,
INF1 E já casado já já casado já há vinte, já há vinte e três anos, vinte e qua- há vinte e quatro anos,
é só estes dois braços a trabalharem trabalhar para aguentar com a família toda.
E não devo um tostão que seja!
E só com o estupor do esforço do meu trabalho!
[pausa] E estou à espera de saber dessa gente do diabo,
o que é que querem saber da gente que ainda metem ali inveja que me enjoa?!
INF1 Então, eu disse: "Oh, mas porquê, diabo, homem"?
Tenho dia que tenho que tenho navio, que dá aí dois, três contos, numa comparação, em dois, três dias de trabalho, ou em quatro dias.
Dá aí dois, três contos em quatro dias de trabalho,
que me dá esse ordenado assim.
INF1 Mas estamos aqui, muitas vezes, a quinze dias e a um mês e mais e sem apanhar mais nada.
Se não for trabalhar para outro serviço, não recebo mais nada.
E agora se os meus filhos estão pequeninos que não podem trabalhar…
INF2 Olhe, e o senhor sabe,
a gente na boca não pode deitar remendo!
INF1 Eu tenho que me botar nem que seja ao mar, a pé, e ganhar o pão para ele comer.
[pausa] Interessa é que eu tenho mesmo que o arrancar, hã?!
Que não há filha da mãe nenhum neste mundo que tenha mais…
Quer Quer dizer, não sou melhor de que os outros,
mas ninguém tem cara mais limpa do que eu neste mundo todo.
INF2 Este ano Este ano foi bom.
INF1 Pode saber a senhora.
[pausa] E eu vou-lhe dizer uma coisa à senhora:
eu sou respeitado por toda a gente do mundo.
INF1 Eu tenho tanta gravação Eu tenho tanta gravação no Brasil!
Um rapaz da minha freguesia…
INF2 O senhor então era parente da senhora Gorete?
é minha tia legítima, irmã de meu pai.
ela ia a casa do meu compadre Fredegundo.
INF1 Eu tenho tanta gravação no Brasil,
tenho tanta gravação no Canadá!
[pausa] Tenho aí parece-me que milhares delas na América.
[pausa] E tenho Eu tenho uns poucos de irmãos…
Tenho quatro irmãos na América.
E também não estou na América por não querer ir.
[pausa] Achei-me fraco para ir para lá – e já velho, e carregado de família.
INF1 [vocalização] Eu para ir para lá, de repente podia haver uma dificuldade qualquer,
INF2 Eu tenho a minha casa
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