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Vila Praia de Âncora, excerto 16

LocationVila Praia de Âncora (Caminha, Viana do Castelo)
SubjectOs barcos e a pesca
Informant(s) Aguinaldo
SurveyALLP
Survey year1985
Interviewer(s)Gabriela Vitorino
TranscriptionSandra Pereira
RevisionErnestina Carrilho
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationCatarina Magro
LemmatizationDiana Reis

Text: -


[1]
INF A senhora não, não faz uma ideia não faz uma ideia o quanto me custou aquilo, trabalhar
[2]
E eu tinha ideias muito avançadas, que eu sempre pedi a Deus para me dar um barco para ir pescar aos Açores, [pausa] de bem novo!
[3]
E ultimamente, Deus deu-me um barco para ir pescar aos Açores.
[4]
O meu barco tem dezanove metros,
[5]
tem tudo quanto faz falta.
[6]
O meu barco tem uma balsa,
[7]
cabem dezasseis homens.
[8]
O meu barco tem um radar.
[9]
O meu barco tem quatro rádios, quatro rádios.
[10]
O meu barco tem uma sonda.
[11]
O meu barco tem uma cozinha.
[12]
O meu barco tem uma um quarto-de-banho.
[13]
O meu barco tem tudo.
[14]
Tudo quanto faz falta.
[15]
Ainda hoje disse aqui, ao cabo do mar que estava aqui, que eu prefirava não comer, mas tudo quanto fosse de bom para o barco, comprava-o.
[16]
Não barco nenhum, da Póvoa para o norte, pelo menos, que tenha o bar- tão apetrechado como eu tinha.
[17]
Tenho um geral-piloto que me custou [pausa] oitocentos e tal contos.
[18]
Aonde a gente vai ao leme,
[19]
marcou o rumo
[20]
e deixa-se ir,
[21]
vai ali à beira por ir.
[22]
E Que ele vai sozinho.
[23]
Mas tinha aquilo tão bem preparado!
[24]
Deus quis assim.
[25]
Sete milhões de pesetas são sete mil contos!
[26]
Ora, atirou com a gente à terra.
[27]
INF Pronto.
[28]
Então, [pausa] pagámos a multa.
[29]
Vendemos o barco por oito mil.
[30]
Que eu dei-o.
[31]
Eu dei-o.
[32]
Estava aborrecido
[33]
nem anunciei no jornal nem nada.
[34]
Chegou à minha beira um gajo:
[35]
"Quanto queres?
[36]
Toma ,
[37]
toma,
[38]
dou-te tanto".
[39]
"Pronto, oito mil contos, vai-te embora".
[40]
Atrás de mim depois eram aos milheiros.
[41]
Atrás de mim veio aqui gente de Sines, veio de Sesimbra, veio de Peniche .
[42]
"Está vendido, está vendido, pronto".
[43]
"Eu dava-lhe doze mil contos".
[44]
" está vendido, pronto,
[45]
não quero saber".
[46]
Fiquei chateado, aborrecido.
[47]
INF Mas, como lhe digo, custou-me tanto e tanto e tanto que eu não desejo [pausa] ao maior meu inimigo o que custou a mim a pôr-me aquele barco.
[48]
INF Muita lágrima chorei!
[49]
Eu passei tanto mau tempo no mar, e tanto mau tempo que aqui esta terra, toda ela chorava.
[50]
Porque andávamos a trabalhar em Matosinhos, [pausa] e eu, como queria fazer das tripas coração, dizia assim: "Agora vou morrer".
[51]
O barco tinha uma telefonia,
[52]
que eu falava para a, para a para a minha patroa, para a minha mulher.
[53]
E eu falava com ela.
[54]
E ela: "Ai Jesus, anda-te embora, homem"!
[55]
Eu estava tão longe!
[56]
Doze horas de viagem!
[57]
E andava eu aos E ainda havia os peixes!
[58]
Quando Onde havia era pescada,
[59]
onde os havia!
[60]
Ora, aquilo, nem queira saber, muitos dias foi assim.
[61]
Havia tripulantes que diziam assim: "Eu, [pausa] ia-me embora, que este homem parece [vocalização] um doido,
[62]
mas aqui é que ganho dinheiro"!
[63]
Eles chegaram a ganhar quinhentos contos num ano!

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