INF Olhe, minha senhora, eu digo isto – e vocês podem perguntar aonde vocês quiserem – não tem famílias como a nossa. , [pausa] Não. Olhe que a nossa, [vocalização] nossa em nossa casa, ninguém sabe aonde é que está a miséria. [pausa] Eu com os meus irmãos não se sabe: porque se eles não tem, estão em minha casa; se eu, às vezes, preciso de qualquer coisa, vou à casa deles, [pausa] e ali é é uma família toda…
INQ1 Pois. Exacto, pois, pois.
INF Irmãos, mas todos amigos, todos dados uns com os outros que não há a mais pequenina coisa.
INQ1 Pois, pois. Olhe, é uma grande coisa, isso.
INQ2 Pois.
INF Nunca houve a mais pequena coisa uns com os outros.
INQ1 É uma coisa boa.
INF Ah, não, não! Nunca! Olhe que eu chego a minha ca- [vocalização], lá, às vezes, vem uma pessoa de fora, eles logo vêm, logo perguntar: "É preciso alguma coisa"? Nós quando vamos a casa de- e eles à casa… Ou que nós veja que é gente assim duma certa coisa: "É preciso alguma coisa"?
INQ1 Pois.
INF "Não". Ou "é", ou "não é". Se é, vêm buscar; se não é, pronto!
INQ1 Pois claro.
INF É. É muito – a família – amiga.
INQ1 Mas são… Ainda são todos vivos?
INF Não. Já morreram dois. Já morreu o mais velho, que era o Artúlio, e morreu a minha irmã que estava casada ali no Monte da Velha, que era a Belmira. [vocalização] Já morreu dois, agora são os outros vivos ainda. Por enquanto.
INQ1 Quantos são ainda?
INF Éramos sete; agora somos cinco.
INQ1 Agora são cinco.
INQ2 E estão todos aqui? Ou alguns estão fora?
INF Não. Agora, os ou-, os ou–, os ou- Os outros agora estão cá todos. Os outros, os que estavam fora, só está uma ali na Macieira, os outros estão cá. Está cá a Benilde, que é [vocalização] a chegada ao mais velho; está cá o Bento; estou cá eu, três; e a dali, quatro; e a e a de coiso, dacolá, cinco; e dois que morreram sete.
INQ2 Pois.
INF Pois é.
INQ1 O senhor não é o mais velho?
INF Não. O mais velho é o que morreu, o Artúlio. Morreu com setenta e e oito anos. Setenta e oito. A minha irmã – era mais velha que a mim também, mais três anos – também já morreu há um ano. E depois sou eu o chegado, mas tem uma que é a mais é a chegada ao mais velho, que é a a mãe do professor. É a mãe
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Rhã-rhã. Ele é professor aonde?
INF [vocalização] É [vocalização] aqui em Vale de Cambra.
INQ2 Rhum-rhum.
INF É ali [vocalização] ao pé do Pinheiro Manso – do Pinheiro Manso. Oh, eles estão a passar muito bem também. Eles estão também estão muito bem!
INQ1 Ele é professor de quê? De liceu?
INF Não, professor de, de
INQ1 Da escola primária?
INF da escola primária, é. Traz dois filhos a estudar: traz um no Porto, traz outro em Coimbra. Tem só os dois filhos, tal e qual os dois a estudar, um em Coimbra e outro no Porto. Esse rapaz também está bem. Mas [vocalização] Mas o princípio dele viu-se atrapalhado.
INQ1 Pois.
INF Olhe, minha senhora, eu digo: eu acho que não houve aí nenhum houve pessoa nenhuma que passasse tantos trabalhos no princípio da vida como eu. Hoje estou bem, graças ao Senhor.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF Mas passei muitos trabalhos.
INQ1 Mas porquê?
INF Porquê? Porque não tinha. [vocalização] Não tinha.
INQ2 Pois.
INQ1 Mas não tinha terras ou não?…
INF Não tinha as terras, não tinha terras, [vocalização] não tinha terras, não tinha [vocalização] aqui [vocalização]… Vim de Lisboa, trouxe um dinheirito, mas depois as minhas irmãs casaram-se duas, dei-lho e tive que lhe pedir dinheiro para as acomodar, [pausa] que ele não…
INQ1 Pois. Porque era… Porquê? Mas era o senhor que tinha que acomodar as suas irmãs por causa de elas serem raparigas ou?… Como é que era?
INF Era ser raparigas mas foi o seguinte: é que elas, [vocalização] os que as queriam – os homens delas –, queriam logo: "Ou me dá tanto ou não a quero"!
INQ1 Ah! Mas isso era assim habitualmente antigamente, não era?
INF Antig-, era sim senhora. "Se não dá tanto, não quero"! Ora, o meu pai não tinha, [pausa]
INQ1 Pois.
INF e eu, como é que eu ia fazer?
INQ1 E era os homens delas que pediam isso ou era os pais, os pais deles?
INQ2 Os pais deles?
INF Era os pais deles e eles. E eles uma vez chegaram aí [pausa] e, de volta do meu pai, um queria [vocalização] queria quinze contos – naquele tempo era muito dinheiro!
INQ2 Naquele tempo era muito!
INQ1 Ah, então!
INF Quinze contos! A melhor vaca que aparecia no mercado [vocalização] era um conto de réis!
INQ1 Está a ver.
INF O meu pai e eu – mas a chorar – e [vocalização]: "Ó rapaz, tu que dizes"? "Ó homem, olhe que eu não sei, mas isto está mau"! Diz: "Eu não sei, [vocalização] para esses diabos ficarem para aí, é o diabo, homem! Tu não sabes o que é"! [vocalização] Ninguém quer ver as filhas mal!
INQ1 Claro.
INQ2 Pois claro.
INF Sim… A gente – não sei se as senhoras são casadas, se não…
INQ1 Somos, somos.
INF Pois olhe, mas ninguém quer ver os filhos mal!
INQ1 Claro.
INQ2 Pois claro.
INF E eu disse: "Pois então, pronto". Eu, toca a pedir dinheiro! Eu toca a pedir dinheiro! Quando ele morreu tive que pagar aquelas dívidas todas. Tive que pagar as dívidas.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF A pagar a toda a hora, claro! Eu não tinha.
INQ1 Claro.
INF Tinha só uma vaca, quando foi nas partilhas – parti com os meus irmãos –, depois olhe que fui tão bondábele como isto:
INQ1 Pois, pois.
INF partimos , e eu disse: "Ó meus amigos, agora escolhei o que vocês quiserem. Se quereis à cega – [vocalização] a tirar [vocalização] uns bilhetes assim [vocalização] –,
INQ1 Pois, pois.
INF muito bem"; e se não quiser, "vocês escolhei, lei as folhas como vocês quiserem, diante do advogado, e vocês escolhei, e eu fico com aquilo que vocês não quiserem". Assim é que foi.
INQ1 Pois, pois.
INF E eles escolherem, escolheram, escolheram…
INQ1 Desculpe lá, qual é o seu nome que ainda não me lembro?
INF Hã?
INQ2 Ele ainda não nos disse.
INQ1 Ainda não disse o seu nome.
INQ2 Ainda não disse, ainda não disse.
INF Arquibaldo.
INQ1 Arquibaldo.