INQ1 Portanto, ele esteve emigrado em França ainda uns anos?
INF Esteve. Esteve lá…
INQ1 Quanto tempo?
INF Oito anos.
INQ2 Pois. E já estava casado, na altura?
INF Estava casado. Já estava casado. Veio de
INQ1 Mas a mulher… A sua nora nunca chegou a ir para lá?
INF Não, não, não. Ela ficou sempre aí a trabalhar para nós e [vocalização] trabalha. Ela não. Ela foi sempre uma mulher de trabalho, agarrada ao trabalho, cria vacas e [vocalização] é uma mulher amiga de [vocalização] ter, pronto!
INQ1 Pois, pois.
INF É uma mulher… Olhe, ele, em classe de mulher, não arranjava melhor que aquela,, [pausa] para trabalhar. E não a queria!
INQ1 Ah!
INF Quem o obrigou a casar com ela fui eu. [pausa] Sabe? Não a queria porque ele… [pausa] Ele namorava-a e ele tinha só dezassete anos e namorava-a, mas quem me disse foi um vizinho meu: "Eh rapaz, o teu filho namora a Beatriz". E ele era novito! Ele com dezassete anos, mas era miúdo. "Tu és tolo! olha que eu, olha que ele vai, não, olha que eu Ele é um canalha, o teu filho"! "É verdade! Mas se não é, tu espreita. Tu"… [vocalização] Nessa quinta que eu fiz, olhe, ela ela então andava a passar leite. Vinha aqui buscar o leite para levar para a fábrica para a Lomba. Diz ele: "Olha, tu vai espreitar que ela vai [pausa] de manhã, bem cedo, e ele vai para a erva"… A minha mulher [vocalização] sofria muito das anginas e, às vezes, ficava para aí oito dias ou quinze dias sem sair da cama, [vocalização] mal da garganta, coisa. E depois ele ia, pegava numa corda e numa foucinha e abalava para a erva. E chegava lá – isso ele ninguém enganava –, chegava lá e ela vinha cedo, e ele chegava, ela chegava… E outras vezes, escondiam lá a foucinha e ela vinha cedo: zumba, zumba, zumba, apanhava-lhe um molho de erva, e e pegava no molho, ela, e ele vinha com o latãozito na mão, e vinha por aí fora. Chegava ali onde eu tenho o palácio, que é lá ao fun-, ali ao fu-, ali no no lugar, e ela chegava lá, dava-lhe o molho a ele e ele pegava no molho e ela pegava no no latão e ela dava volta ao lugar [vocalização] a levar o leite e ia ele vindo. E ela ch- chegava lá e se ele lá estivesse salvava-o, ia-lhe a salvar e vinham eles ambos os dois. Sabe? Depois ele disse-mo e eu fui e disse-lhe para ele assim: "Olha, rapaz, eu ouço dizer que tu que namoras a Beatriz. Olha que ela é pobre. Olha que ela é pobre. Que são seis filhos, é uma casa [vocalização] pobre, vês? Eu achava melhor ver se arranjavas uma mulher que tivesse tanto como a ti. Ou [vocalização] já que não tivesse tanto, mas ao menos metade [pausa] do que tu tens". Sabe o que me ele disse? "E você não casou com uma mulher sem nada"?! Que eu também casei com uma mu- com uma criada de servir.
INQ2 Pois.
INF Digo assim: "Olha, foi verdade, rapaz! Foi verdade! E eu governo-me. E governei-me e governo-me. E tu, também, eu não te digo que não cases com ela. Eu não te Eu não te digo que tu não cases com ela! O que é que se tens se tiveres [pausa] comes; se não tiveres, passas sem ele – que eu também assim fiz"! , [pausa] Calou-se. Dali por um mês, um mês, uns quinze dias, um mês, o pai dela aí a tratar o casamento com a gente, [pausa] à noite. A minha mulher não queria que ele casasse com ela. Vai e, e e ele disse-me aquilo e eu fui-me enfiar na cama, que estivemos a conversar eu mais ela, e eu disse-lhe: "Olha, não adianta nada; o Arquimedes vai casar com a Beatriz". "Ai, e o que ela fez"! "Pscht, cala-te! Tu também não eras uma criada de servir? E não te querias casar e não te casaste? Então deixa-o lá. Não quero que lhe digas nada. É à vontade dele, e se é à vontade… E ele quer [vocalização] aquela, muito bem. Se quisesse outra, era a mesma coisa, pronto! É à vontade deles. Ele quem se casa são eles"!
INQ1 Pois.
INF "Não somos nós, pronto"! Vai, [pausa] e ele foi combinou a mais [vocalização] o sogro – que hoje é sogro dele – combinou, naquele tempo, dar-lhe cinquenta contos,… [pausa] à filha, e ele casar com ela. A cachopita começou a ficar por nossa casa a trabalhar. Dormir, dormia mais a minha irmã, a mãe do professor; mas trabalhar, trabalhava na nossa casa. A gente também servia a comida; e ela ia levar o leite e vinha e, claro, agarrava-se a trabalhar: ou ia à erva ou a cavar ou, pronto, a trabalhar.
INQ1 Pois, pois.
INF Passou-se. [vocalização] Quando foi nessa altura, [vocalização] combinaram dali por dois dias… Ela foi levar o leite e chegou a casa toda lava- com as lágrimas por a cara abaixo. Disse: "O que é o que tu tens"? "Não tenho nada". "Que tu não tens nada? Isto, tu vieste a chorar! Que é o que tu tiveste te fizeram? Estás doente"? "Não". "Então o que foi"? "Olhe, o meu pai arrependeu-se [pausa] e agora não sei como há-de ser". Disse eu: "O teu pai não presta"! Eu fui logo assim: "O teu pai não presta. Um homem tem uma palavra, tem uma palavra! Está dada, está dada! Uma pessoa antes de dizer, dizer assim pensa-se. Agora tu… Mas tu fazes é o que tu quiseres". A cachopita a chorar e ele disse: "Ai, sim?! Ai o teu pai está arrependido?! Também eu estou arrependido! [vocalização] Vai lá para longe. Se quiseres ir, vai; vai lá para donde anda o teu pai e eu"… Olhe, ela se estivesse numa casa e ele lá chegasse, ela [vocalização]… Ela e ele, suponhamos, ela estava dentro duma casa – porque temos mais que uma, duas, três casas –, e às vezes tinha que ir fazer qualquer coisa numa casa e ele sabia que ela que estava e ele não entrava lá. Há algum tempo – agora não –, mas há algum tempo – agora tenho água em casa –, mas naquele tempo, ele havia uns canecos [pausa] que era para vir à fonte, uns canecos de madeira, e ele depois dizia dizer: "Eu quero beber". E ela ia-lhe buscar a água para beber e ele não pegava da mão dela. Não pegava da mão dela, não falava para ela, não não lhe erguia um mo-… Hã?
INQ2 O seu filho?
INF Sim senhor! [pausa] E depois [vocalização]…
INQ1 Então, mas, coitada, ela não tinha culpa. O pai é que tinha.
INF Pois ela não tinha culpa, mas ele, ele aborreceu-se de ele combinar e depois negar-se…
INQ1 Pois, pois, pois.
INQ1 Pois.
INF Vai, ela andava por aí a chorar, volta e meia, ela a trabalhar… Para não a ver chorar, um dia, calhou a água nossa e ela foi por essa quinta regar e eu fui lá para riba para para outras presas. E ouvia aquela voz a gritar, a gritar, disse: "Ai! Raios te partam! Queres ver que ela achou-se doente. E agora como é que vai ser"? Vim tapar a água, tinha as presas como estas, tapei-as e botei lá a ter com ela. "Olha lá, que é o que tu tens? Andas aí a gritar, que é o que tens"? "Olhe, sabe o que eu tenho? O Arquimedes é cartas e cartas" [vocalização] – para uma vizinha que havia aqui nossa… "e, e, e [vocalização] E que todos os dias, todos os dias, vem cartas para ela; e ele não fala para mim… Ele… Olhe, vou, eu vou… Não sei o que há-de ser, que há-de-me… Vou-me botar a matar"! Disse eu: "Não faças isso! Tu és uma tola. Não faças isso"! "Mas eu não eu não o herdei". Digo assim: "Cala-te, [pausa] que eu vou falar com ele a Viseu"! Fui um dia a [vocalização]…
INQ1 Ah, foi quando ele estava na tropa?
INF Estava na tropa. E eu fui, agarrei, olhe, sabe o que eu fiz? Botei a Viseu. [pausa] Botei a Viseu [vocalização] e ele estava lá. Estava lá no, no no quartel – fui num sábado –, e ele não tinha instrução, estava no quartel. Eu fui, e fui à porta de armas e [vocalização] eu dei o nome dele, e ele [pausa] foi [pausa]… O gajo foi chamar e ele veio. "Que é"? "Sabes o que é? Olha lá, tu, que vida é a tua com a Beatriz? Então, ela anda por lá a gritar, então que é aquilo? Eu não quero aquela pouca-vergonha na nossa casa. Tu vê lá o que andas a fazer. Então, eu não te avisei, Arquimedes, que tu que podias arranjar uma mulher com mais dote? Se ela é pobre, agora agora entende-te! Olha, sabes uma coisa"? E ele ainda: "Não a quero, não a quero"! "Não queres, [pausa] pois não"? "Não". "Metade é teu e metade é dela. Eu mais a tua mãe vamos-lhe dar metade a ela. Metade é teu e metade é dela. É uma irmã que tu tens. Que eu avisei-te e tu não acreditaste no que o teu pai te disse. Então agora metade é dela e metade é teu! Faz como tu quiseres". Ele pôs-se a pensar assim, a cismar , a cismar, a cismar [pausa] e eu disse: "Então olha lá, então não é vergonha?" – que a Nossa a Nossa Senhora de Fátima anda aí todos os anos; vêm aqui aos lugares; andam por os lugares, de casa em casa, de casa em casa –, "e se isso já lá passou duas vezes e não foi a nossa casa" – porque o padre dizia que eles que estavam amancebados, que estavam amigados, para não virem cá, que não a queria cá –, "e já passou e agora está a chegar outra vez e eu não tenho vergonha disso? Eu preciso disso para alguma coisa, rapaz"? Pôs-se muito carregado, muito carregado, [pausa] diz ele: "Olhe, você vá-se embora, vá-se embora e vá por Arões e diga ao padre que eu que eu quando for da tropa, caso com ela". [vocalização] Eu f- assim fiz. Disse: "Vê lá, olha que tu não me enganes! Não vás tu dizer e eu ir para lá a [vocalização] dizê-lo ao padre e depois tu não, não, não… Vê lá o que tu fazes"! "Ó homem, [pausa] eu não sou o seu filho"? "És". "Então, esteja descansado". Vim por lá e disse ao padre, diz o padre: "Agora vai estar três dias em sua casa! [pausa] Três dias"! E se houver
INQ2 Que é para compensar.
INF É. "E se houver alguma… Se ele lhe alguém disser alguma coisa, diga diga-lhe que foi à minha ordem. [pausa] Deixe lá estar a Senhora de Fátima". Esteve cá. Os vizinhos chegaram aí com a Nossa Senhora na, na na procissão, e eu disse: "Bote para aqui! Botai para aqui"! [vocalização] Eles [pausa] ficaram assim… "Já disse: botai para aqui, para minha casa. Fica aqui. Fica aqui e fica aqui três dias; e se vocês não quiserem, ide falar com o padre". Eles calaram-se. [vocalização] Pfff, refilaram, eu mandei! Eles foram a falar, a falar… Esteve lá três dias. Veio por o fim-de-semana, já a abraçou e já esteve mais ela, pronto!
INQ1 Pronto!
INQ2 Pronto!
INF Olhe, hoje é o casal mais amigo que está por essa zona. Amigos!
INQ1 Pois, pois, pois.
INF São muito amigos, pronto! São amigos. E se eu não e- E se não era eu? Se eu não o levava ao rego, não é? Olhe que às vezes, diz que o casamento e o rio que é por onde o guiam.
INQ1 Que é o quê?
INF O casamento e o rio que é por onde o guiam.
INQ1 Ah, pois.
INF Sabe? O que é o casamento e o rio coiso… Se eu não não me punha [pausa] ao lado dela, pois o que seria dela?!
INQ1 Pois claro.
INQ2 Claro.
INF E ele, se for fosse preciso, arranjava um estupor [pausa] que não prestava!
INQ1 Claro.
INF E aquela mulher é boa.
INQ2 E ela é boa.
INF Trabalhadeira, trabalhadeira que não tenho que dizer dela, senão bem…
INQ1 É verdade.
INF E trabalhadeira e amiga do dos sogros, e pronto! E vai-o sendo, até passar os dias da vida.
INQ1 Que sorte! Pois, foi bom!
INQ2 Sim senhor.
INQ1 Olhe que bom!
INF Bem, eu tenho que ir botar a água…
INQ2 Agora, tem que ir.
INQ1 Vai botar a água?
INF E as senhoras sa- E as senhoras sabem que eu tenho que ir embora eu que ainda demoro!
INQ1 Vai botar a água?
INF Vou. Vou abrir a água para ali para cima.