INF1 A senhora não sabe que [vocalização] a maioria da pessoa tem inveja do trabalho do pobre?
INF2 Não se ouve é nada.
INF1 No tempo do fascismo… [pausa] No tempo
INF2 É uma tristeza, senhor, a gente está a falar com as pessoas, as pessoas atingem o coração e com aquele mau ódio! Gentes invejosas do nosso trabalho, senhor, que é uma coisa muito má!
INF1 No meu tempo Eu sou um homem… [pausa] Eu sempre, eu sei perfeitamente, [vocalização] vejo perfeitamente
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INF1 Eu sou pai de nove filhos – nove filhos –, morreu um filho e tenho oito. E tenho uma filha casada e tenho sete em casa: três pequenas e [vocalização] quatro rapazes. [pausa] Tenho um rapazinho com, com [vocalização] com quinze anos e tenho um outro com [vocalização] a pegar em [vocalização] catorze, [pausa] que até é surdo e mudo, não fala.
INF2 Coitadinho!
INF1 E tenho [vocalização] um outro, abaixo daí com [vocalização] a pegar em doze. Tenho uma menina… Que ainda ontem de manhã fui trabalhar para bordo dum navio; a minha vida é a estiva dos navios …
INF2 O senhor está é aqui ou é na Terceira?
INF1 Não, trabalho aqui na terra já ele [vocalização] já há muito ano.
INF2 Eu conheço o senhor assim de vista.
INF1 E quando…
INF2 O senhor é da Feiteira?
INF1 Eu sou do sul, homem! Sou dos Paga-Negras do sul, da fa-, de uma de uma Paga-Negra do sul, da da Luz. Eu sou de lá. [pausa] Quando a gente por uma pouca miséria que ganha… Olha agora, só esta pequena, ou este rapazinho mais velho que eu tenho, é que me dói até. Quinze com cinco? Bem digo eu: vinte e um… Quinze com cinco, cinco e Quinze com cinco são vinte. Vinte dias de trabalho – que entrou agora há poucos dias para a Câmara para trabalhar – [pausa] ainda dá qualquer coisinha. Não sei porquê, que nem que fosse o diabo que entrasse em casa, [pausa] pois ninguém come nada, uma coisinha que preste. [pausa] E a gente temos o feijão… Temos o feijão comprado, que eu sou pobre! Não tenho nada, coisa nenhuma! Não tenho nada meu. Estou pagando a renda da casa.
INF2 Oh, coitadinho!
INF1 Nada meu, coisa nenhuma! Só tenho a mulher e os meus filhos. Nada, coisa nenhuma eu tenho!
INF2 É mesmo o seu dia de trabalho!
INF1 Não tenho. É eu esse só. E dinheiro, por enquanto, é só estes dois braços. E já
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INF1 E já casado já já casado já há vinte, já há vinte e três anos, vinte e qua- há vinte e quatro anos, é só estes dois braços a trabalharem trabalhar para aguentar com a família toda. E não devo um tostão que seja! E só com o estupor do esforço do meu trabalho! [pausa] E estou à espera de saber dessa gente do diabo, o que é que querem saber da gente que ainda metem ali inveja que me enjoa?!
INF2 Estão aí tantos.
INF1 Então, eu disse: "Oh, mas porquê, diabo, homem"? Tenho dia que tenho que tenho navio, que dá aí dois, três contos, numa comparação, em dois, três dias de trabalho, ou em quatro dias. Dá aí dois, três contos em quatro dias de trabalho, que me dá esse ordenado assim.
INF2 Mas trabalha!
INF1 Mas estamos aqui, muitas vezes, a quinze dias e a um mês e mais e sem apanhar mais nada. Se não for trabalhar para outro serviço, não recebo mais nada. E agora se os meus filhos estão pequeninos que não podem trabalhar…
INF2 Olhe, e o senhor sabe, a gente na boca não pode deitar remendo!
INF1 Eu tenho que me botar nem que seja ao mar, a pé, e ganhar o pão para ele comer. [pausa] Interessa é que eu tenho mesmo que o arrancar, hã?! Que não há filha da mãe nenhum neste mundo que tenha mais… Quer Quer dizer, não sou melhor de que os outros, mas ninguém tem cara mais limpa do que eu neste mundo todo. Eu justifico.
INF2 Este ano Este ano foi bom.
INF1 Pode saber a senhora. [pausa] E eu vou-lhe dizer uma coisa à senhora: eu sou respeitado por toda a gente do mundo. Eu tenho tanta
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INF1 Eu tenho tanta gravação Eu tenho tanta gravação no Brasil! Um rapaz da minha freguesia…
INF2 O senhor então era parente da senhora Gorete?
INF1 Pois é minha tia legítima, irmã de meu pai. É, sim senhora.
INF2 Eu conheci-a, ela ia a casa do meu compadre Fredegundo.
INF1 É isso mesmo.
INF2 É!
INF1 Eu tenho tanta gravação no Brasil, tenho tanta gravação no Canadá! [pausa] Tenho aí parece-me que milhares delas na América. [pausa] E tenho Eu tenho uns poucos de irmãos… Tenho quatro irmãos na América. E também não estou na América por não querer ir. [pausa] Achei-me fraco para ir para lá – e já velho, e carregado de família.
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INF1 [vocalização] Eu para ir para lá, de repente podia haver uma dificuldade qualquer, e eu disse: "Não"!
INF2 Eu tenho a minha casa e tenho as minhas coisas comigo, que o meu sogro me deixou.
INF1 "Não vou! Não quero ir"! Eu tenho carta em casa a modo de ir para a América.
INF2 Eu já lá vivi tantos anos. Também lá estava o meu pai.
INF1 Mas não quero ir.