INF1 Na antiga lei, quase tinha tudo cabras. Olhe, aqui neste bairro: eu fui fui aqui nascida e cá fui criada e e cá estou ainda hoje.
INF2 Já me lembra de fazerem a Penteadora.
INF1 [vocalização]
INQ1 Pois.
INF2 Ali.
INQ2 Aquela fábrica?
INF2 Aquela fábrica.
INF1 Tudo tinha cabras. Ali era tudo a eito. Tudo tinha cabras! E E uma vez [vocalização]… Não havia assim muitos lobos, não não era como agora. Agora botam o gado à malta e, felizmente, não não há nada.
INF2 Então olhe lá…
INF1 Só se houver assim cães bravos e assim, [pausa] é que vão atacar.
INQ1 Pois.
INF1 Mas naquele tempo havia muito lobo. E eles então, [pausa] uma época, um malandro dum lobo deu conta da cabrada ao meu pai, levava-lhe tudo a eito.
INQ1 Ah!
INF1 Olhe, era ali – pronto, os senhores não sabem –, ali da ribeira de Estrela, dos Pesos da Presa até aqui à Fonte Segunda, já aqui perto da casa do senhor doutor Demócrito, era até aí. Olhe, passavam as do as do vizinho, não lhe mexia; passava outro, não lhe mexia; vinham as nossas no meio – pumba! –, tinham que apanhar. É como é que se conhecia já pelos chocalhos – chamava-lhe a gente a louça –, era como é que já se conheciam. Tinham que esperar ali, bumba! Olhe, já era preciso dois, do- duas pessoas para passarem as cabras. Se o meu irmão ia com elas, o meu pai tinha que o lá ir esperar.
INQ1 Pois.
INF1 Se o meu pai ia com elas, o meu irmão tinha de o lá ir esperar. Pronto! Se Se viesse [vocalização] o gado sozinho, se o pastor viesse de trás, avançavam diante; se o pastor viesse diante, avançavam de trás. De maneira que levou-nos ali muita cabra, mas muita cabra! Olhe, um belo dia, [pausa] vinha lá o meu pai, vinha lá o meu irmão, mas traziam lá uma coxa, ficou para trás – já aqui perto, aqui das Termas! Ficou para trás. [pausa] Olhe, quando foi de manhã, foi o meu pai com elas – o meu irmão foi ao mato – encontrou…
INF2 O mato é isto.
INF1 Encontrou assim no caminho, donde a agarraram, lá tudo. Disse assim: "Então que raio! Já Já sei. Foi a cabra coxa que ficou para trás e apanharam". Mas como era muito grande, ele andava refeito, não a comeu toda. Não a comeu, foi enterrar: aqui enterrou um bocado, além enterrou outro, além enterrou outro, tinha-a assim enterrada. O meu pai andou a ver, disse assim: "Isto não pode ser! Então fico sem nada! Leva-me a cabrada! Realmente são muitas mas leva-me a cabrada". O meu irmão tinha ido de f- ao mato, e eu digo-lhe assim: "Ó Demóstenes, olha hoje não vais mais ao mato". "Então porquê"? "Então os lobos ainda ma- ainda nos agarraram a cabra coxa"! "Não me digas"? "Então tu não vistes em baixo, à Fonte Segunda, que está lá"?! "Oh, não reparei"! "Olha, tem um bocado enterrado em tal lado, em tal lado", lá lhe estive a dizer. "E tu agora botas o molho do mato na loja e vais ver se arranjas um bocado de veneno, porque isto não tem de se- não pode ser"! Meu irmão então assim fez. Disse-lhe: "Olha, se cá não arranjares, vais ao Paúl"! Cá, não antigamente, não havia farmácia!
INQ1 Pois.
INF1 Nem agora mesmo vendem aquilo, [pausa] vá lá. Lá foi então à primeira casa, que era uma loja que havia, um barbeiro que aí havia, esteve-lhe a contar, logo lhe arranjou. Ele veio para cima, foi ter com o meu pai: "Já arranjei"! Olhe, não queira saber: à noite, tiveram que avisar os pastores todos para fecharem os cães, [pausa] porque era um perigo!
INQ1 Pois.
INF1 Lá avisaram… Lá fecharam os cães. Fizeram então assim umas postazinhas, arranjaram uns casquinhos dumas telhas, abriram então aquelas postas e meteram-lhe então o veneno no meio; e então em volta das telhas, botaram-lhe uns bocadinhos de carne, que era para ele ir comendo aqueles bocadinhos para chegar ao da telha. [pausa] Pronto! Os pastores lá fecharam os cães, eles arranjaram aquilo. Ao outro dia de manhã, o meu pai e ele alev- alevantaram-se até eram quatro horas, mais um vizinho que aí estava, e foram então para ir ver daquilo, se ele tinha comido ou não, para levantarem, para esconderem, por causa dos cães. [pausa] Eles então, o primeiro sítio donde foram, faltava então uma postazinha na na telha. Mas estava ao lado. Mas m- um bocachinho! [pausa] E diz o meu pai: "Não veio cá. Isto foi rata que aí veio"… E estava uma açude perto. "Isto foi rata, caiu para a açude"! Pronto! Tornaram a avisar os pastores para fecharem os cães esse dia. Lá tornaram a fechar os cães, tornaram a pôr o veneno. De manh- À noite, estávamos então – chamava a gente ordenhar as cabras – lá para essa dita lata. Para e-, chama- A gente chamava-lhe uma caldeira. Era uma caldeira grande. Era assim ali ao pé do infantário que hoje temos. E quando lá vínhamos – eu também lá vinha; vinha lá vinha lá eu, vinha lá o meu pai e vinha lá o meu irmão –, quando chegáramos assim à à estrada, começam dali a chamar: "Ó Demóstenes! Ó tio Deobaldo"! "Então quem é que está a chamar"? Eram então outros pastores que ali iam e disseram assim: "Olhe, o lobo está morto no Tapado" –, que era aqui para cima. "O lobo está morto no Tapado". Olhe, não queira saber: o meu pai largou logo a lata, e foi assim: "Pronto! Levai o leite para casa. Vinde em baixo ter com uma broa e com um queijo fresco para comerem"! Pronto, assim foi. Lá foram levar o queijo fresco e a e a broa. Então juntou-se o meu irmão mais uns pastores e foram-no buscar aqui para o povo. Ai, não queira saber: o lombo dele era isto! [pausa] Ai que grande bicho, ele metia medo! Lá o trouxeram oito p-. Pousaram-no ali assim em frente daquelas casas, ali naquele largozito – que a gente morava ali –, trouxeram-no, puseram-no ali… Ai! Estava morto mas toda a gente afastava dele. E depois [vocalização] dormiu então ali num num quintal. Os cães então em toda a noite sempre lá a ladrarem, a ladrarem, nem deixaram ali dormir ninguém.
INF3 Era bicho bravo!
INQ1 Claro.
INF1 [vocalização] De manhã depois o meu pai levou-o lá para baixo para em frente da igreja, que estava lá um adro…
INF2 E chegam muito de Verão.
INF1 Estava lá um adro, penduraram-no lá, assim no adro, diz que toda a gente afastava dele. E era para o esfolarem. E depois lá lá o Presidente da Junta, que não havia cá Guarda, ou que fosse o regedor, para o meu pai: "O senhor vai esfolar o lobo, olhe: há galinhas na rua, cai uma pintinha de sangue, vai uma galinha, apanha; olhe, fica sujeito às consequências que que houver". O meu pai disse assim: "Se assim é, pronto! Vamos embora com ele para as moitas"! E depois lá o enterraram, lá se consumiu. Pronto! E por isso já foi um um descanso.
INQ1 Pois claro.
INF1 Realmente era preciso guardar porque havia mais e assim…
INQ1 Claro.
INF1 [vocalização] Era preciso guardar. Mas já não atacaram a cabrada como atacou ele naquela altura.
INQ1 Pois.