INF Não fiquei cansada nada! De quê? De estar sentada? [vocalização] Ou de falar? Isso falar foi sempre o costume de falar, [pausa] não vê? Eu tenho ali o o meu irmão, que está numa casa também ali à frente, e hoje a cunhada viu a a minha rapariga, disse: "Ó Antónia! O [vocalização] padrinho viu aquela carrinha [vocalização] ali, que gente era"? – a carrinha ali. [vocalização] Ele a Antónia contou-lhe, a minha filha contou-lhe. "Ai Jesus"! Ela é assim muito… "Olha lá se é gente se são ladrões [vocalização] que andam a ver"… Diz-lhe a Antónia: "Ó [vocalização] madrinha Antonieta, não diga uma coisa dessas. Você se os visse falar"… Mas é. É porque ela é muito desconfiada, sabe? Eu [pausa] nunca desconfio de nada. Nem, nem E bondava olhar para vocês. [vocalização] As Conhece-se bem… Conhece-se bem a gente! [vocalização] Porque ela é um bocadinho…
INQ O seu filho mora ali senhora Anselmina?
INF Hã?
INQ O filho da senhora mora ali?
INF Mora ali à frente.
INQ E trabalha aqui também?
INF Não, não. O meu filho não trabalha. O meu filho é o tais que tem ali a casa nova… Tenho um irmão que tem a casa dele ali adiante, também, e a cunhada. E o meu filho inté ainda não tem o lugar fechado. Esse é que é o sargento. Está na Madeira agora. É sargento de do exército.
INQ2 Do exército?
INF É, é esse. Esse também está com um bom ordenado: está com [pausa] vinte contos, ou vinte e tal. Agora tira mais porque foi… [vocalização] Mudou-se para a… Foi para a Madeira uns meses [pausa] porque senão tinha de se mudar… Ele tinha de sair do Porto uns di- uns meses, não era? Se não fosse para a Madeira… Porque ele viveu muito tempo na Madeira. Foi acabar a tropa à Madeira,quando serviu a tropa. E depois lá ficou a trabalhar – também trabalha de de carpinteiro –, ficou lá a trabalhar. Bom, namorou uma rapariga, casou lá, não é? Casou, inté nem me mandou dizer nada nem… Eu, às vezes, escrevia-lhe , e nem nem mandava dizer… Às vezes, eu digo: "Eu só queria ter uma pessoa de de conhecimento aí na Madeira para saber a tua vida", não é? Porque, claro, lá estava, não me ajudava nada – porque acabou a tropa e não ajudava nadinha… E eu sabe Deus aqui! É que tive a minha falecida mãe ainda na cama cinco meses, quase os seis… E [vocalização] sabe Deus como se a gente via, não é? E ele nada. Não Não me contava nadinha. Escrevia era tr-r-r. Só passado tempo é que soube, então. Já ele tinha três filhos: duas rapariguinhas gé- gémeas – são as mais velhas, essas já têm quinze anos, são umas moças já – e um rapazito [pausa] que agora tem-no também no seminário, em [vocalização] Braga, a estudar. E logo teve outra rapariguinha mais nova que essa tem-na no Porto, no colégio no Porto. Pô-los todos assim, coitadinhos, [vocalização] lá estão. Ele logo veio para cá. A vida é assim. Veio para cá tocou-lhe a vir para o Porto. Ele no Porto, a mulher ficou lá com os filhos… Adiante teve de ir para Angola – que foi no tempo que Angola estava má que teve de ir para alá também –, foi promovido para lá, pediu-me se aceitava aqui a mulher e os filhos. Eu disse-lhe que sim. Tinha de desocupar a [vocalização] a casa na Madeira, que era do do exército. Adiante veio-me a mulher trazer as três meninas e o menino deixou-o lá. Eh, que tinha de ir outra vez que o menino tinha de ser operado lá à garganta, lá as anginas, não sei o quê. Digo eu – ela chamava-se Antonina –, digo: "Ó Antonina, você escreva-me que eu quero saber como o menino está". "Eh, não tenha medo, é ao chegar lá". Escreveram-me os senhores? Assim me ela escreveu. "Mas você quando quando escrever ao Antero" – que ele o [vocalização] o apelido do meu filho é, [pausa] é é Cirano Antero – "quando escrever ao Antero não não lhe diga que eu que tornei para a Madeira". Eu, ele escreveu, eu escrevi-lhe e mandei-lhe dizer que tinha cá chegado a Antonina com os meninos; não lhe expliquei mais nada. [vocalização] Adiante já me ele responde à carta. Diz: "Minha mãe, mandou-me dizer que a Antonina tinha chegado aí com os meninos. Mas eu já tive carta da Madeira donde me disseram que ela que andava lá já a passear. Mande-me dizer se levou os filhos, se deixou, se levou os míudos ou deixou-os consigo. Conte-me a verdade"! Diz: "Porque eu"… Ele tinha estado no Porto… Já [vocalização] há meio ano que estava aqui no Porto e ela estava lá. Diz: "Porque eu estou… [pausa] Ela abandonou a casa da minha mãe, deixou de ser minha mulher. Qui-la tirar da lama e ela não quis". Pelos jeitos a mulherzinha lá [pausa] perdeu a cabeça, não se sabe, não é? Aquilo passou, [pausa] ela nunca mais se importou de escrever. Adiante diz: "Que eu hei-de buscar-lhe o [vocalização] o menino [pausa] ainda que tenha que a matar"! Ele tinha ido em Novembro, adiante em Fevereiro já veio cá, de Angola, já pediu férias e veio cá. Foi à Madeira, foi buscar o filho. Denunciou-a num jornal, pôs-lhe a fotografia dela num jornal. Pronto, abandonou-a, [pausa] não é? Veio para acá, aqui andou. [pausa] E ela, coitada, logo lá chegou a pontos… Porque logo a vida é assim: lá se viu, [pausa] sem ver a família, sem ver marido, sem ver os filhos, [pausa] tomou veneno e matou-se. Veja lá [pausa] o desespero dela [pausa] depois.
INQ1 Coitada!
INF Ao fim de um ano! [pausa] Ele, que veio, casou segunda vez aí com uma rapariguinha. Fez agora vinte e cinco anos, a rapariga. Ele tem trinta e nove. [pausa] E ela já tinha um… [pausa] Quando casou, ela ainda não tinha inté vinte e um ano, mas ela já tinha uma rapariguinha. Que a rapariguinha já tem… Ela teve a rapariga tinha dezasseis a- dezassete anos. Casou com essa rapariga [pausa] coitada. Enfim, uma rapariga nova. [vocalização] Trabalha no no tais quartel amais a mãe. Mas, [pausa] que, que lá está, miúda… Agora parece que que vai ter bebé. E os filhos dele tive de os pôr cada um para o seu lado. Eu dá-me muita pena, que isto é que é verdade. É os senhores, o senhor é [vocalização] e assim, mas um
INQ1 Pois.
INF Um pai faz muita falta a uns filhos, mas uma mãe!…
INQ2 Também faz!
INF Olhe que eu criei-lhe aqui as fi- os fi-. Estiveram aqui comigo os meninos todos. Estiveram cinco anos e eu dava-me lembrava-me tanto, digo: "Ora estas meninas, se tivessem a mãe"… Agora mesmo, se tivessem a mãe delas… Eu bem sei que as duas são umas moçotas… [vocalização] Uma está na Espanha, é, lá na Espanha com uma minha prima; e [vocalização] outra [pausa] está [vocalização]… Foi [vocalização] aprender um bocadinho, a ver se aprende um bocado de costura, mas ajudar a trabalhar, primeiro, a fazer as limpezas de casa, aí para umas senhoras que têm ali ao lado de Viana, também ali em Outeiro do Chão, acima de Perrocos vocês [vocalização]…
INQ2 Na serra…
INF Pois foi para onde ela foi. Para lá foi.
INQ2 Tem que ser.
INF E o rapazinho lá está em Braga. A outra lá está no Porto [pausa] a mais novinha… Tem do- Ainda não tem doze anos… E a vida é assim, sabe.
INQ1 É assim.
INF Que havemos de fazer, não é?
INQ2 Tem que ser.
INQ1 Pois.
INF Cresceu-lhes os filhos, cada um está por si. E o outro está casado, tem a mulher na França, está na França. Também [vocalização] está a fazer casa aí à frente. Tem casa nova também aí à frente, para lá. E eu, a casa, esta é para mim, para enquanto vivo, e logo para as filhas.
INQ1 Claro.
INF A vida é assim! Tem que ser!