INQ1 Então, mas explique lá como é que, como é que era o seu moinho?
INF O meu moinho tinha três casais de mós. , [pausa] Três casais de Tinha duas de trigo, uma de trigo de alveira – e fazia fa- só moía trigo – e tinha duas de milho, a fazer a fazer farinha de milho. E tinha então – pronto, era tocado a vento –, tinha o [vocalização] o eixo, tinha as velas – tinha quatro velas [pausa] de pano – e tinha, chamávamos-lhe a gente então… Era um lu- um prumo por aí acima, era a árvore, chamávamos a gente a árvore naquele tempo, a árvore tocada. Tinha a entrosa e tinha o cartão…
INQ1 O cartão é o quê?
INF O cartão era uma entrosa, era o que tocava as pedras todas.
INQ1 Ah!
INF O moinho tinha assim um, um um eixo e depois esse esse eixo ti-
INQ1 Ai esse é o de água!
INQ2 Esse é o de água, não tem…
INF tinha uma entrosa e essa entrosa pegava no cartão e o cartão era numa árvore uma – chamávamos a gente uma árvore mas e-, era o era uma uma viga de madeira até abaixo – e tinha e tinha uma entrosa então que pegava nos dentes todos – bom, com uma roda, faz de conta que quase a roda duma bicicleta ou duma coisa –, pegava nos dentes todos e tocava as mós todas. E as mós estavam em cima, todas num andar, e isso vinha cá pa- furava cá para baixo e cá em baixo então é que andava a tocar a… Tocava as mós e as mós lá em cima faziam farinha.
INQ2 Então, va-, eu agora vou começar por fora. Aquela parte de cima, do tecto, como é que se chamava? Assim aquela parte…
INF A A primeira?
INQ2 Sim.
INF Era o ca-, era o Era o capelo.
INQ2 E depois o capelo à frente tinha um buraco por onde entrava…
INF Tinha um buraco onde entrava o eixo [pausa] e as velas andavam na parte de fora.
INQ2 Pois, no eixo…
INQ1 Portanto, o eixo é aquela coisa assim saída?
INQ2 Sim.
INF Sim. Era onde tinha tinha uns braços de madeira, ou uns coisos,
INQ2 Era isso que eu queria perguntar.
INF uns coisos de madeira, [vocalização] uns eucaliptos, uns eucaliptos espetados. Por exemplos, isto faz de conta que era o eixo e estava furado e tinha os os coisos.
INQ2 Que eram feitos de eucalipto?
INF Feitos de eucalipto. Espetados. Tinha tinha umas, umas, umas umas mechas espetadas no eixo, porque o eixo era muito grosso, e era espetado no eixo e depois nesse nesses braços que estavam espetados no eixo, tínhamos então as velas de pano pregadas nos braços do …
INQ2 Mas as velas depois tinham assim uma espécie duma corda, não era, e depois podia?…
INF Tinha uma corda e iam atados os outros braços. Tinha oito braços. [pausa] Tinha oito
INQ2 Rhum-rhum.
INF oito braços de eucalipto, [pausa] todos [pausa] espetados nesse tal eixo grande.
INQ2 Sim senhor. E cada braço tinha uma vela?
INF E Não. Só quatro… Só tinha quatro. Só quatro é que tinham as velas e depois as velas atavam-se aos outros quatro com a com as cordas,
INQ2 Rhum-rhum.
INF que era para para fazer a vela, pa- para o vento pegar na vela, para o moinho andar. Depois as velas tocavam então o [vocalização] tocavam então o [vocalização] o moinho, por exemplos, com o vento.
INQ1 Olhe, e não tinha umas coisinhas para fazer, que fazia barulho?
INF Sim. Tinha os buzinos. Umas canas. Oh, isso ainda, ainda ainda eu era capaz de fazer!
INQ1 Era umas canas, era? Não era em barro?
INF Tinha em barro também, mas o barro pesava muito ao ao moinho, não era? Pesava muito e depois arrebentava às vezes um ferro, que aquilo tinha tinha que ter uma, um [vocalização] um cabo de aço, tudo ao redor, que era para para andar ligado, para não arrebentar, porque as velas arrebentavam com aquilo. Chamávamos-lhe a gente as espias, ou os travadoiros. Às vezes, arrebentava um [vocalização] um travadoiro… Por exemplo, travavam os braços para eles não arrebentarem e esses braços… E depois então os buzinos de barro quebravam-se. E os de cana já se não quebravam.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Andavam…
INQ2 Portanto, os travadouros é que ia de ponta …?
INF Era uma roda. Aquela roda toda, uma
INQ2 Sim, sim.
INF toda,
INQ2 Chamava-se o travadouro?
INF é os travadoiros. É os travadoiros que arr-, às vezes, arrebentavam com o temporal, quando fazia muita força.
INQ2 Que era para arrebentar…
INF Pois arrebentava um e o moinho partia-se! E depois quebrava os [vocalização], o [vocalização] os buzinos de barro. Eu cheguei-os a ter de barro,
INQ1 Pois, pois, pois.
INF mas a gente, mais geral, para andar a [vocalização] … Claro, tínhamos que poupar dinheiro, porque naquele tempo não havia dinheiro, e depois tínhamos então [vocalização] os travadoiros e prantávamos então de cana. Quebrava-se um braço…
INQ1 E os buzinos serviam para quê?
INF O quê? Os buzinos?
INQ1 Os buzinos para que é que serviam? Era só para enfeitar ou?…
INF Era, por exemplos, ele era acolá e eu estava aqui, e sabia se o moinho andava depressa, se andava devagar.
INQ1 Ah!
INF Quanto mais depressa andasse mais aquilo buzinava! E depois a gente ouvia: "Deixa-me ir lá que o moinho anda muito depressa"! Cheguei daqui a abalar a correr – que o tinha ali em Vale de Ourém –, chegava a daqui abalar a correr de bicicleta ou de motorizada, chegava lá, às vezes, nem ti-… Uma até que me sucedeu uma vez: cheguei lá, partiu os dentes das entrosas todas. Tanto que apertei com ele e depois…
INQ1 Para ele andar mais devagar?
INF Para ele andar mais devagar, apertei com ele demais, e depois…
INQ1 E como é… Como é que fazia isso para, para apertar?
INF Embrulhava-lhe as velas.
INQ1 Embrulhava…
INQ2
INF As velas tinham aí [vocalização] oito metros, nove metros de pano, mais ou menos; e depois se o vento era muito forte, [pausa] eu embrulhava-lhe as velas [vocalização] aos braços, [vocalização] à madeira.
INQ1 Pois, pois, pois, para se…
INF Embrulhava-lhe as velas, [pausa] que era para depois serem mais pequeninas, para apanharem menos vento, para andarem mais devagar.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Rhum-rhum.
INF E depois [vocalização]…
INQ2 Pronto, portanto… Diz, diz.
INQ1 E para… Deixa-me perguntar uma coisa só. Para deslocar o capelo para um lado e para o outro…
INF Tinha um sarilho por dentro que a gente arrodeava. Eu tinha umas rodas, por exemplo, do capelo, tinha umas rodas e andavam a trabalhar dentro duma caixa assim por dentro…
INQ1 Sim, assim à volta.
INF À volta. E a gente tínhamos um um jeito dum sarilho – não era? – e tinha uma corrente e a gente mudava dum lado para o outro o sarilho e a gente. O vento mudava, nunca estava no mesmo sítio, e a gente mudava-o para o outro lado.
INQ1 Pois.
INQ2 Mas o capelo estava assente em cima da parede do moinho com umas rodas?
INF Estava assente em cima Estava assente em cima da parede do moinho com umas rodas.
INQ2 Rhum-rhum.
INF E essas rodas estavam ligadas ao ao capelo de cima, com uns ferrozinhos ligados, e depois aquilo andava. Andava à roda. Faz de conta que era uma roda dum andarilho ou uma roda de uma bicicleta, ou uma coisa qualquer. Tem o eixo, depois tinha aquele eixozinho e aquilo tinha uma caixazinha… As rodas tinham uma caixazinha em cima das paredes, depois aquilo des-… Deixe estar, deixe estar. Deixe estar. Isto é para atar a vinha. Depois tinha aquele tinha aquela caixazinha, onde desandavam aquelas rodas, nunca saltava fora. Depois aquilo andava a gente com o sarilho lá por dentro, mudávamos e puxávamos o mo-. Tirávamos o moinho do vento, quando a gente o queria parar. Tirávamos o moinho. Por exemplo, se o vento era daqui, puxávamos o moinho para ali, dava-lhe o vento dava nas velas por cima, parava.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Ainda está ali uns casais que trabalham. Mas onde vocês se [vocalização] vêem aquilo a trabalhar, é lá na Moita Redonda, ao pé de Fátima. Aí, vêem isso.
INQ1 Moita Redonda?
INF É na Moita Redonda.
INQ1 É aqueles lá, que a gente vê lá em cima, que ali da rotunda se vê lá em cima?
INF Sim, sim. [pausa] Sim, sim, sim. Aí vêem isso a trabalhar tudo!
INQ1 Havemos de lá ir. Havemos de lá ir também.
INQ2 Portanto, depois da trave, saía, tinha a tal entrosa, não era?
INF Tinha a tal entrosa, um prumo que era uma entrosa, tinha um prumo lá baixo e esse, e esse…
INQ1 Um prumo é o tal?…
INF É a árvore.
INQ1 Árvore.
INF Chamamos-lhe a gente a árvore.
INQ1 Árvore.
INF Tinha, tinha duas Tinha duas entrosas e a que vinha do eixo do moinho, do lado de fora – vinha do eixo, trazia as velas, o moinho trazia as velas à porta – é que tinha uma entrosa e tocava então, chamávamos a gente o cartão. Vinha lá de fora e os dentes pegavam-lhe [pausa] nessa tal coisa e tinha a-, esse tinha então esse prumo, que era a árvore, vinha cá para baixo. Cá em baixo, então, é que as as mós tinham um carreto, e essa entrosa pegava nos carretos das pedras e fazia-as rodar.
INQ2 Portanto, uma entrosa é uma roda com uns dentes, não é?
INF É uma roda com uns dentes. Tem, deve ter, esses dentes devem Deve ter aí uns [pausa] trinta e tal dentes, perto de quarenta.
INQ1 Mas, portanto, é uma coisa grande. A entrosa é uma…
INF É uma coisa grande. É uma coisa grande. Eu ainda há pouco tempo as aí tinha, o que é que queimei-as. Eram de madeira, queimei. Os carretos ainda os ali tenho.
INQ2 Rhum.
INQ1 Os carretos é aquelas coisas mais estreitas que, que engancha na?…
INQ2 É assim aos altos.
INF É. Os carretos é o é no que trazem no veio das pedras, porque as pedras andavam a trabalhar em cima dum veio de ferro.
INQ2 Rhum-rhum.
INF E tinham aquele carreto, e depois o moinho tocava aqueles carretos e as pedras andavam.
INQ2 Rhum-rhum. Mas para tocar as três, os três casais de mós, precisava de duas entrosas, três en-…
INF Três, três carretos.
INQ2 Três carretos?
INF Cada, ca- Cada mó tinha um carreto [pausa] e um veio de ferro…
INQ2 E uma entrosa para os três carretos ou?…
INF E uma entrosa tocava os três carretos.
INQ2 E essa entrosa cá debaixo era assim deitada ou era ao alto?
INF E-, era, era Era deitada [pausa] pregada na tal… Por exemplos, faz de conta que isto era o era a tal, e estava [vocalização] enfiada nesse tal prumo, não é – como estava a contar –,
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Rhum-rhum.
INF estava enfiada nesse tal prumo, depois andava e tocava os carretos todos em volta.
INQ2 Aos três assim ao mesmo tempo?
INF Tocava-os todos três ao mesmo tempo.
INQ2 Porque a entrosa que estava naquele, lá de cima, era uma assim ao alto?
INF Era. A que estava lá de cima tinha… Ele tinha essa coi- essa árvore – que a gente chamamos-lhe árvore –,
INQ2 Árvore. Sim.
INF tinha o cartão lá em cima, e tinha a est- a estrela cá em baixo, que era era uma entrosa.
INQ2 Rhum-rhum.
INF E tinha então o eixo, tinha então uma ent- o eixo que tinha cá fora que tinha as velas, tinha outra entrosa e é que tocava então no cartão, e tocava aquilo tudo a eito, tudo o mais.
INQ2 No cartão. O cartão era o de cima?
INF Era o de cima.
INQ2 E depois em baixo é que tinha os três…
INF Tinha a entrosa de cima, que era a que andava no eixo,
INQ2 Sim senhor.
INF era entrosa; e tinha depois o cartão, e a gente chamávamos à outra que tocava as mós a roda-catarina.
INQ2 A roda-catarina?
INF A roda-catarina
INQ2 Que era a entrosa de baixo?
INF era a que tocava as mós todas.
INQ2 As três?
INF Tudo enfiados no mesmo pau; tudo enfiados no me– na mesma viga.
INQ2 Sim senhor. Rhum-rhum.
INQ1 Roda-catarina?
INF Ro- A roda-catarina era a última, debaixo, que tocava as mós.
INQ2 E era do mesmo tamanho da de cima, ou não? Mais ou menos.
INF Era mais ou menos.
INQ2 Era mais ou menos.
INF Não podia ser muito menos porque senão, se fosse mais pequena, mais mais voltas dava, mais depressa as mós andavam e não convinha as mós andarem mais depressa porque requeimava a farinha.
INQ2 Sim senhor.