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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

[1631]. Carta de Gaspar Rodrigues, tratante, para Isabel Rodrigues, sua mulher.

ResumoO autor confidencia algumas notícias que vai sabendo por comunicação com outros presos. Dá algumas recomendações e procura tranquilizar a sua mulher quanto aos efeitos da passagem pelo tormento.
Autor(es) Gaspar Rodrigues
Destinatário(s) Isabel Rodrigues            
De Portugal, Coimbra, Cárcere da Inquisição
Para Portugal, Coimbra, Cárcere da Inquisição
Contexto

Gaspar Rodrigues era um tratante de Vila Real, casado com Isabel Rodrigues. Foi preso com a mãe e a mulher, ambas cristãs-novas. Obrigado a declarar os bens que tinha, disse não possuir qualquer bem de raiz, mas apenas uns quantos bens móves: roupas novas, colheres de prata, um copo de madre pérola, cinco presuntos, um toucinho e umas quantas miudezas. Uma vez que tinha 22 anos ‒ sendo, à luz da lei de então, menor de idade -, nomeou-se-lhe, no mês de outubro, um curador, a fim de que pudesse vir a juízo, o alcaide Miguel de Torres Ferreira, o mesmo que o recebeu nos cárceres de Coimbra e que o surpreendeu na tentativa de envio de correspondência. Instalado na sétima casa do corredor do pano, eram seus companheiros António Vidal ‒ um advogado natural de Viseu, também ele preso sob acusação de judaísmo ‒ e João da Fonseca, de Montemor.

A presente carta, escrita para a sua mulher, também ela naqueles cárceres, fora apreendida e levada pelo alcaide aos inquisidores, na audiência que estes lhe concederam a 27 de novembro de 1631. Com efeito, fora ele que conseguira intercetar aquela pequena missiva na panela da carne que o réu mandara para a cozinha, supondo que ali estaria a sua mulher. Confrontou-se de imediato o réu com aquele papel, que logo confessou, de joelhos, ser da sua autoria e escrito por sua mão. Analisado o escrito e a natureza das suas informações, procedeu-se ao respetivo traslado e determinou-se que o réu fosse açoitado pelos cárceres; quanto ao seu companheiro de cela, António Vidal, foi torturado durante dois dias: "teve dois dias um gato".

Em maio de 1632, porém, os inquisidores tornam a pressionar o réu na sessão de "Exame que se fez a este réu Gaspar Rodrigues sobre o escrito que fez no cárcere que anda junto a este processo", que se estendeu por três sessões (a 5, 8 e 11 daquele mês). Nestas sessões, reconheceu, uma vez mais, ter escrito aquela pequena carta, ignorando, ao certo, a casa onde a sua mulher estaria naqueles cárceres. Inquirido sobre como surgira a oportunidade, desvendou ter, certo dia, recebido um paninho branco com pontinhos negros na dita panela, entendendo por aquele estranho objeto que seria da sua mulher, pois ela tinha o costume de assim marcar a sua roupa. Deduziu, então, que ela estaria na cozinha e tentava comunicar daquela forma com ele. Sabe-se, pelo processo da mulher, que não saberia ler nem escrever. Os inquisidores puseram a hipótese de a carta ser uma tentativa de levar a mulher a não confessar tudo e a encobrir pessoas de família. O réu defendeu-se alegando que só exortara a mulher a não levantar falsos testemunhos e a não referir quem tinha ou não partilhado com eles daquela crença. Foi entendido que usara de estratégias para impedir que a mulher usasse livremente da sua consciência.

O réu acabou por assumir ter recebido um escrito da sua mulher, "em que dizia que estava enfadada nestes cárceres e que entendia que não podia sair sem dar em suas irmãs, por lhe haverem dito as companheiras que não podia sair sem dar nas ditas suas irmãs" (fl. 45v). Assumiu ainda que a sua mulher lhe transmitira ter-se declarado na lei de Moisés com Miguel Lopes e duas filhas, Ana Lourenço e Maria Nunes, e ainda com duas filhas desta, além de ela lhe ter perguntado, a pedido de uma companheira de cela, sobre o paradeiro de uns Ribeiros de Aveiro. Os inquisidores perceberam nas suas palavras outros intentos: os nomes avançados por ele à mulher serviriam ora para delatar uns, ora para encobrir outros; quanto aos pedidos de informação, denotariam antes as diligências que os presos tomavam entre si e através de comunicação velada para saber dos seus familiares e amigos, violando desta forma o segredo dos cárceres.

O réu e a mulher saíram reconciliados no auto da fé de 7 de maio de 1634.

Suporte um quarto de folha de papel de carta escrita em ambas as faces
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 1315
Fólios 23r-v
Transcrição Ana Leitão
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2013

Page 23v > 23r

[1]

fiquo mto agastado de ver q tinhais no pẽn

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samẽnto falar ẽn vosas irmas nen qunha
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dos pois vedes o mto q nos ĩnporta não fa
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lar ẽn ningẽn q la fiqou não se vos me
[5]
ta ẽn qabesa q não avemos de sair deste
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auto porq estou ũn cõnpanheiro
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q esta aqi a seis anos e dis q avemos
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de ir os tratos mas q avemos de sa
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ir e tanben o perguntei os vizinhos
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dizẽn q se qa fiqou esa sor q dezeis q
[11]
he por estar conplẽsiada sua irmãm
[12]
q portanto fiqou qa, vosas irmas não
[13]
estãn cõplensiadas cõvosqo q se istive
[14]
rão ouveranas logo de prẽnder não
[15]
tinhais de ver dor os tratos q nen to
[16]
dos saĩn alijados q ds me dara
[17]
qe vos manter he não fasais oitra cou
[18]
za por vida minha dai ẽn migel lop
[19]
es e suas fillas, nas pasavaas nas antoni
[20]
qas no manqo de lamego e na mai he
[21]
minha mai e tia sãn
[22]
qe asin o fis he não vos agasteis q ds
[23]
he mto grande q nos a de acudir pe
[24]
covos mto q comais porq se adoeserdes

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