A tradução terá sido feita no primeiro quartel do séc. XIV (reinado de D. Dinis), época de que restam traços linguísticos no testemunho conservado. O original de imprensa seria, muito provavelmente, uma cópia do primeiro quartel do séc. XV, contemporânea do Livro dos Mártires mencionado no inventário da livraria de D. Duarte (Bitagap Manid 3258) ou o próprio códice aí inventariado (anterior a 1438). Poderá ter existido ainda uma cópia na biblioteca de Valentim Fernandes (Bitagap manid 3256), da qual nada se sabe. Do séc. XV restam igualmente traços linguísticos no testemunho impresso.
O pós-incunábulo é foliado apenas a partir do início do Livro dos Mártires propriamente dito. Antecedem-no textos preliminares em fólios não numerados originalmente. Estes fólios serão numerados convencionalmente com a anteposição de um p. Assim, fl. p3a designa a coluna a do terceiro fólio da série que contém os textos preliminares e não se confunde com o fl. 3a que contém texto das paixões dos mártires.
Ainda que, em forma plena, jesu seja grafia mais frequente (702 ocorrências) do que jhesu (188 oc.), a abreviatura é sempre a da forma gráfica mais antiga, jhũ. Assim, a abreviatura será desenvolvida segundo essa grafia. O mesmo sucede com as formas plenas e respectivas flexões em género e número de santo (649 oc.), samto (50 oc.) e sancto (193 oc.), samcto (1 oc.), cuja abreviatura, sc̃to, será desenvolvida segundo a grafia latinizante.
A abreviatura p, que representa per, ocasionalmente vale por par (apareçeo); do mesmo modo, a abreviatura pi, que representa pri, ocasinalmente vale por pre (apremado).
Existem diversos erros que resultam de uma deficiente redistribuição de tipos pelos caixotins (õ/o, ũ/ã, ẽ/e, u/n, c/e, f/s longo) e da inversão de tipos (n/u).
Do uso de um texto de partida em castelhano resultam, na tradução, numerosos castelhanismos. Destes, nem sempre é possível decidir, com exactidão, se as formas atestadas resultam de castelhanismo ou de erro do impressor. Por exemplo, é possível que tenha sido a influência do castelhano a determinar a grande abundância de formas da 3ª pessoa do singular do pretérito perfeito monotongadas (por exemplo mãdo, leuo, por mãdou e leuou). Do mesmo modo são muito abundantes as formas do advérbio de negação sem marca de nasalidade (no por nõ), sem que seja possível decidir se se tratou de castelhanismo ou de erro por má redistribuição dos tipos pelos caixotins. Todas estas ocorrências de castelhanismos hipotéticos não serão registadas em nota. Assinalar-se-ão apenas os casos de inequívoco castelhanismo.
A grafia atestada parece representar a crase de vogais em hiato em final de formas verbais e pronomes clíticos. Assim, por exemplo, benze os (benzê os, benzeu-os), ve o (vê o, veu-o, veio-o), teme o (temê o, temeu-o), recebe o (recebê o, recebeu-o), mete o (metê o, meteu-o) etc. Outras formas, no entanto, indicam que se trata antes de monotongação do ditongo final do pretérito perfeito e, assim, reçebe as (recebê as, recebeu-as), mete se (metê-se, meteu-se), etc. Nenhuma destas formas será considerada erro e por isso não será assinalada no texto.
Também não se considera erro outros casos em que se entende que há crase entre final de verbo e clítico com posterior abertura de vogal. Assim, por exemplo, maltrazia muytas vezes (maltrazià muytas vezes) ou ainda em casos semelhantes de determinante e nome, como acharõ azemella (acharõ àzemella). O mesmo ainda em casos de monotongação como rogauam de coraçõ ao nosso senhor e o glorioso martir (rogauam de coraçõ ao nosso senhor e ò glorioso martir). Todos estes casos serão transcritos sem nenhuma nota a assinalá-los.
O valor vocálico de u e de o é frequentemente representado por qualquer um destes grafemas, mesmo quando nasais, em contextos que hoje não são aceitáveis. Assim, humẽ , Andarũ, chombo,vnde,enxufre,fugo,fuy, puboo, moy, segõdo,Nũ, etc. (homẽ, Andarõ, chumbo, onde, enxofre, fogo, foy, poboo, muy, segũdo, Nõ, etc.). Não darão lugar a nota na edição.
Sobre a interpretação da consoante nasal em formas como manos ou luna como castelhanismo ou como representação gráfica da nasalidade da vogal anterior, v. C.Sobral & E. Cardeira, «O Livro dos Mártires: duzentos anos de leitura hagiográfica», no prelo.
O elevado número de notas deste texto recomendou que elas não fossem numeradas, para não causarem no corpo do texto um impacto visual desnecessário. São, por isso, apenas assinaladas com asterisco.