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Cedros, excerto 12

LocationCedros (Horta, Horta)
SubjectO porco e a matança
Informant(s) Joana
SurveyALEPG
Survey year1977
Interviewer(s)João Saramago
TranscriptionSandra Pereira
RevisionAna Maria Martins
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationMélanie Pereira
LemmatizationDiana Reis

Text: -


[1]
INF Depois as pessoas viviam [vocalização]
[2]
A matança do porco não era uma festa;
[3]
era uma maneira de governarem a sua casa e de fazerem ele a vida.
[4]
[pausa] Deixavam para si aquilo que podiam
[5]
e vendiam aquilo que precisavam.
[6]
Muitas vezes não vendiam aquilo que não precisavam.
[7]
Vendiam o que precisavam,
[8]
mas precisavam do dinheiro
[9]
e tinham que fazê-lo de alguma maneira.
[10]
Como se pagavam as contribuições no mês de Janeiro, no mês de Dezembro matavam-se os porcos pois.
[11]
Eu então não é dos meus dias,
[12]
mas eu lembro-me de o meu pai contar que havia pessoas que iam com as suas bandinhas de porco, às costas, daqui para a cidade vendê-las.
[13]
INF As bandas do porco é uma banda de porco!
[14]
INF Uma metade do porco.
[15]
E ficavam em casa com a cabeça, com a espinha, com a fressura e com as morcelas,
[16]
e o resto era vendido.
[17]
[pausa] Mas então setenta, oitenta anos para trás.
[18]
Agora, nos meus dias, não.
[19]
Nos meus dias, as pessoas vendiam um bocadinho
[20]
mas não se despossuíam dos seus porcos todos.
[21]
[pausa] Depois, foi mudando até o ponto que hoje é uma festa um dia de matança.
[22]
Mas nos, na no meu tempo de infância, uma matança do porco era um dia de trabalho.
[23]
A pessoa matava o porco para o seu próprio [vocalização] uso
[24]
e [vocalização] e era um dia de trabalho igual.
[25]
Ajudavam-se!
[26]
Mas não era aquele tempo tipo de ajudar, festa!
[27]
Não havia comidas diferentes,
[28]
não havia nada nada diferente de por ser a matança do porco.
[29]
INF A caçoila era feita com a fressura do porco, com o fígado, bofes, coração
[30]
INF Chama-se fressura àquilo tudo:
[31]
é o coração,
[32]
é o fígado e o e o bofe.
[33]
Até que na minha casa nunca se usava [vocalização] caçoila.
[34]
Mas havia pessoas que faziam e que até gostavam.
[35]
INF Espécie de guisado.
[36]
Havia outras que faziam molho de espinhela, que era a espinha do porco partida em bocadinhos,
[37]
e fazi- punham-lhe cebola, alho,
[38]
era uma espécie duma carne guisada.
[39]
Também era saboroso!
[40]
É claro era a espinha fresca
[41]
Também isso, muitas pessoas usavam isso
[42]
Então nesta altura que se fazia o molho da espinha, era a matança diferente.
[43]
não era a matança com a família da casa.
[44]
Era, por exemplo, os irmãos se então começou a juntar os irmãos a fazer a matança.
[45]
Até que [pausa] começou-se a fazer mais festa de matança foi com os namorados.
[46]
[pausa] O meu caso:
[47]
eu namorei nas vésperas das matanças.
[48]
O meu marido pediu-me em casamento nas vésperas da matança para eu ir à sua matança.
[49]
E foi por que começou a [vocalização] a fazer-se mais festa de matança com familiares.
[50]
"Ele está namorada, olha,
[51]
foi à matança do porco"!
[52]
E depois por é que se foi começando a ajuntar famílias e a fazer então as su- as matanças, que hoje então são muito diferentes: com gente ba- com pessoas bastantes,
[53]
se fazem bolos doces,
[54]
se faz arroz-doce,
[55]
se faz uma ementa diferente.
[56]
Até que pouco se usa do porco no dia da matança.
[57]
Faz-se carne assada, por exemplo;
[58]
faz-se galinha; tudo coisas que não se faziam
[59]
porque [vocalização] o dia do porco era um dia vulgar.
[60]
INF Não era um dia de festa,
[61]
nem era um dia diferente dos outros.
[62]
Era um dia diferente dos outros porque o trabalho era diferente.
[63]
Mas não se fazia festa.
[64]
INF Ao fumo.
[65]
INF A ros- A linguiça era cheia ao fim de quatro dias depois de se fazer a vinha-de-alhos,
[66]
e depois era pendurada nuns paus.
[67]
Agora temos as chaminés
[68]
mas eu ainda me lembro de as linguiças serem defumadas nas cozinhas,
[69]
que não havia chaminés.
[70]
INF Eles punham umas vergas penduradas nos tirantes da casa,
[71]
punham um pau atravessado o que se faz nas chaminés!
[72]
INF e a linguiça era posta pendurada naqueles paus, enrolada nuns rolos, comprida,
[73]
e [vocalização] e ficava ali um, dois dois dias, dois, três dias o máximo, a curar.
[74]
Fazia-se lume
[75]
O lume bom para rosar a linguiça era o lume de sabugos, que é o sabugo do milho que se do milho que se desbulha.
[76]
[vocalização] Punha-se umas achinhas e com aqueles os sabugos por cima
[77]
e ela ficava rosadinha.
[78]
E depois de rosada, os que era para vender,
[79]
iam-na
[80]
vender, e os que não, fritavam-na e punham-na em em banha, que ainda é o que se usa hoje.
[81]
A gente, eu por mim, eu e a minha família usamos.
[82]
quem põe nas arcas;
[83]
eu, os condutos de porco, não uso nada na arca, se um bocadinho de carne para, para para assar e para bife.
[84]
De resto, ainda salgo a [vocalização] a carne de porco na salgadeira
[85]
e fri- e uso os meus condutos todos é nas na banha, enterrado na banha.
[86]
O que se usava naquele tempo era barro,
[87]
era as caboucas de barro,
[88]
era as salgadeiras de barro;
[89]
agora usa-se em plásticos, que é muito mais higiénico e muito mais
[90]
Porque havia [vocalização] barro que lhe punha gosto.
[91]
Punha [vocalização] Íamos [vocalização] buscar
[92]
e criava como que um ranço, um gosto a ranço.
[93]
E o plástico então é muito mais higiénico e muito melhor.

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