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Covo, excerto 18

LocationCovo (Vale de Cambra, Aveiro)
SubjectNão aplicável
Informant(s) Arquibaldo
SurveyALEPG
Survey year1992
Interviewer(s)Luísa Segura da Cruz Gabriela Vitorino
TranscriptionSandra Pereira
RevisionAna Maria Martins
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationMélanie Pereira
LemmatizationDiana Reis

Text: -


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[1]
INF Não.
[2]
Ainda Ele no no Covo ainda
[3]
INF Não.
[4]
acabou.
[5]
Ainda o ano passado havia uma, um palheiro donde digo.
[6]
O telhado que tem agora é telha.
[7]
INF Era.
[8]
Tem outra casita.
[9]
Olhe, acolá era a cozinha
[10]
e aqui era outra, outra outra casita que era melhor, mais melhorzita d- do que o coiso.
[11]
E o outro morador é o inquilino dacolá daquele lado.
[12]
INF Era.
[13]
Era dois.
[14]
Era dois .
[15]
Dois.
[16]
Eram dois mora-.
[17]
INF Ah, isso vai [pausa] perto de duzentos anos.
[18]
Duzentos anos, não,
[19]
porque o outro o homem morreu
[20]
se recusava.
[21]
Ora o homem morreu quando foi o ciclone um ciclone muito grande
[22]
INF Que ele nós fo-
[23]
Olhe que eu fui a mais um um primo meu buscar o caixão a Gatão, para o homem ir para a sepultura.
[24]
E olhe que a gente vinha um atrás outro adiante, com o caixão ao ombro.
[25]
E quando tal, caiu um pinheiro,
[26]
[vocalização] que o vento jogava o pinheiro abaixo.
[27]
INF E a gente, depois, vinhamos aqui acima a chegar à Felgueira
[28]
e depois então
[29]
Foi no tempo do minério!
[30]
As senhoras recordam-se do minério?
[31]
INF Do volfrâmio.
[32]
Pois, pois.
[33]
Recorda-se isso?
[34]
Foi
[35]
INF Pois.
[36]
Foi nessa altura.
[37]
INF Sei .
[38]
Eu sei .
[39]
INF Não, não.
[40]
Não.
[41]
INF Para quarenta.
[42]
Ou quarenta ou quarenta e tal;
[43]
devia sê-lo em quarenta;
[44]
ou em quarenta ou em quarenta e tal.
[45]
INF E depois iam muito homens, muitos que andavam no minério, por abaixo
[46]
a chover!
[47]
e eles eram para mim e para um mais um primo meu que vínhamos com o caixão
[48]
mas nem à mão o podíamos trazer,
[49]
'trazíamos-o' ao ombro, um atrás, outro adiante ,
[50]
diz assim: "Ó homem, vocês vão vão-se botar a matar por quem morreu"?
[51]
Porque aquilo era:
[52]
volta e meia caía um pinheiro, da banda diante da gente, outros a b-, às vezes, da banda de trás,
[53]
e a gente
[54]
Meu amigo, o homem tinha que ir para a cova
[55]
viemos.
[56]
Fomos quatro pessoas ao, quatro homens a levá-lo à co-, à [vocalização] , o homem, à cova.
[57]
[pausa] Ao ombro!
[58]
INF Ao ombro!
[59]
Olhe como eu sou a mais esta senhora
[60]
e [vocalização] botamos um pau, e o caixão entre nós, e outro atrás
[61]
e levamos assim acolá, ali abaixo à Lomba, à cova.
[62]
Que ele dizia que ele nos
[63]
Dizia aquilo.
[64]
Ele uma vez a ler, ali atrás com as vacas,
[65]
eu era rapazote pequeno,
[66]
e ele disse ao acaso que diziam no livro que havia de haver uma guerra não! que havia [vocalização] , que os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos.
[67]
O livro , ele não se constavam aviões
[68]
nunca ninguém fala em aviões.
[69]
E o livro dizia que o [vocalização] os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos.
[70]
E quando nós visse estas t- estas serras todas cortadas, de estradas e tudo do homem, que o mundo que era um paraíso e está! , que ele que o mundo que durava pouco.
[71]
INF Que a terra que havia de ser pólvora, [pausa] a água que havia de ser gás [pausa] e a, e o e as pedras ser enxofre.
[72]
INF Olhe que eu, eu dava hoje mais de vinte contos por aquele livro, [pausa] se eu o tivesse.
[73]
Mas depois ele morreu
[74]
e ficou um, um um sobrinho dele [vocalização] a estragar tudo
[75]
Mas é um livro assim [pausa] de coiro sempre e tal sem metal.
[76]
Isso é que era um livro de dizer coisas!
[77]
E diz que havia de haver uma guerra na Europa
[78]
e ve- e houve.
[79]
INF E diz que há-de haver uma guerra mas essa ainda não veio! que há-de ser vencida por os homens de sessenta anos no Campo de Ourique em Lisboa.
[80]
INF Olhe que o homem leu isso diante de mim
[81]
e eu nunca mais me esq- passou de ideia.
[82]
Eu era um rapazote com os meus onze dos doze anos ou treze.
[83]
E ele disse que havia de haver uma guerra [vocalização] em Portugal, que há-de ser vencida pelos homens de sessenta anos em [vocalização] no Campo de Ourique em Lisboa,
[84]
que não havia de haver era mocidade nenhuma.
[85]
INF Que os homens de sessenta anos que é que haviam de fazer uma guerra!
[86]
E que as mulheres, nestas aldeias, quando vissem um homem quer dizer, como os aciprestes, quer dizer, como os padres e quando vissem um homem que haviam de dizer assim: "Louvado seja o Senhor,
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vem um homem"!
[88]
INF Olhe que aquilo no livro!
[89]
E ele eu, o homem leu aquilo diante de mim!
[90]
INF Diante de mim e um tio meu, dois tios meus.
[91]
E eu era miudito
[92]
fiquei com aquilo na ideia,
[93]
depois bem queria bem andei até às voltas dos sobrinhos dele a ver se lhe caçava esse livro.
[94]
De coiro,
[95]
hoje, não o dava antes que me dessem cinquenta contos.
[96]
INF E eu naquela altura, eu dava o que bem fosse
[97]
e os sacanas estragaram-no e [vocalização] .
[98]
Mas aquele era um livro!
[99]
Aquilo era um homem a saber ler e a saber a saber as coisas, sabe?
[100]
INF E a gente, olhe, e que ainda é outra coisa que ele dizia: que para a fim do mundo que a gente que não havia de conhecer o Verão do Inverno senão pelas folhas.

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