Representação em frases

Covo, excerto 35

LocalidadeCovo (Vale de Cambra, Aveiro)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Arquibaldo Bigail

Texto: -


[1]
INF1 Porquê?
[2]
Ó senhora Gabriela, ele desculpe de lhe eu dizer.
[3]
INF1 Mas, [pausa] não faz bem a ninguém.
[4]
INF1 Não faz bem.
[5]
Olhe que a morte do meu irmão foi o tabaco.
[6]
INF1 Olhe que o meu irmão fumava, naquele tempo, sete onças de tabaco por semana.
[7]
INF1 Sete livros de papel!
[8]
[pausa] Até fumava de noite!
[9]
INF1 Fumava, fumava,
[10]
fumava, os impulmões dele ficaram [pausa] todos em chaga!
[11]
Em cha-!
[12]
INF1 Tudo!
[13]
Alargou aquela coisa,
[14]
ficou tudo
[15]
INF1 Chamei [vocalização]
[16]
Veio o médico.
[17]
Era um de Vale de Cambra, que era o Atílio
[18]
e viu-o.
[19]
Viu-o
[20]
Chamei-o
[21]
e diz ele assim: "Ó Arquibaldo"
[22]
chamou-me fora , "Ó Arquibaldo, [pausa] eu vou dar um remédio aqui ao teu irmão
[23]
mas olha que isso é capaz de não lhe valer nada.
[24]
Olha que [pausa] os impulmões dele estão como é
[25]
Tudo em ferida!
[26]
E agora, olha, eu vou-lhe receitar isto.
[27]
Se os Os empulmões dele estão assapados:
[28]
se eles abrirem [pausa] temos homem;
[29]
se ele não se a- não abrir, amanhã até às três horas ele morre".
[30]
INF2 E foi.
[31]
INF1 E foi.
[32]
INF1 Não abriram.
[33]
Deu-se-lhe o remédio,
[34]
não abriram,
[35]
olhe, quando foi às seis horas vai o homem embora.
[36]
O tabaco é um veneno!
[37]
A morte do Doutor Atlante de Arouca, que é muito meu amigo, ou melhor, era
[38]
Deus o tenha em descanso.
[39]
Era o homem mais meu amigo que eu tinha!
[40]
Olha que ele veio de propósito de Arouca aqui, [pausa] para ser padrinho do meu neto.
[41]
[pausa] E eu hoje andava ali a erguer centeio, aqui adiante,
[42]
então não tinha erguedor.
[43]
Era erguer com com uma bacia,
[44]
era erguê-lo ao vento.
[45]
E ele chegou ali,
[46]
e eu estava com as costas viradas,
[47]
diz ele assim para o meu filho e para a minha nora: "Olhe , onde é que mora aqui o Arquibaldo do Covo"?
[48]
[pausa] Mas ele tinha-me visto.
[49]
Eu é que não não contava que viesse ninguém.
[50]
Digo eu assim: "Ora, para o caraças"!
[51]
"Vou para o caraças"!
[52]
Ele riu-se!
[53]
"Sabes ao que eu venho"?
[54]
"Eu não.
[55]
O se- O senhor doutor não disse".
[56]
"Olha que eu venho para ser padrinho do teu neto".
[57]
Digo eu assim: "Olhe, obrigado".
[58]
Foi mesmo assim:
[59]
"Olhe, obrigado.
[60]
Então, se vier outro, então o senhor o terá,
[61]
mas este estou eu.
[62]
Este vai ser meu afilha- meu afilhado".
[63]
Começou-se a rir então mais eu,
[64]
veio para aqui,
[65]
[pausa] ainda bebeu aqui um copo de vinho.
[66]
Isso era um homem!
[67]
Era o advogado melhor que estava nesta roda!
[68]
INF1 Era ele, o meu amigo.
[69]
Até que ele foi era deputado em Lisboa.
[70]
INF1 Era deputado do PPD.
[71]
Era deputado.
[72]
Coitado, agora
[73]
E em quatro meses foi-se embora!
[74]
INF1 Fumava muito.
[75]
[pausa] E o homem dizia
[76]
O homem fumava muito.
[77]
E eu dizia para ele: "Ó senhor doutor isso mata-o"!
[78]
"Mata nada,
[79]
não faz mal"!
[80]
Fumava assim por uma caneta como a senhora, assim como
[81]
INF1 Pois.
[82]
E depois [vocalização] diz ele assim: "Oh, isso não faz mal nenhum"!
[83]
"Ah, não?
[84]
Então espere pelo resto"!
[85]
Quatro meses [pausa] foi o homem embora.

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