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Granjal, excerto 9

LocalidadeGranjal (Sernancelhe, Viseu)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Elisa Élia

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[1]
INF1 Mas olhe que foi verdade.
[2]
Isso é o que não foi mentira.
[3]
Olhe, e depois fomos lá dormir…
[4]
Assim, já há muito tempo, que eu não me dou nos carros, sabe?
[5]
Não me dou.
[6]
[pausa] Cheguei lá d-…
[7]
Fomos dormir a casa de um irmão que eu lá tinha.
[8]
[pausa] Ainda pior!
[9]
Aconteceu-me outra pior!
[10]
[pausa] As melgas [pausa] morderam-me lá toda.
[11]
Morderam-me nos olhos,
[12]
morderam-me na cara,
[13]
morderam-me na testa.
[14]
Olhe, não parava!
[15]
De noite, roubaram-me a medalha do meu cordão.
[16]
INF1 Oh!
[17]
Olhe que linda Lisboa eu fui a passeio.
[18]
INF1 Fui lá pa-.
[19]
Não,
[20]
as as melgas morderam-me.
[21]
Não.
[22]
Não é?
[23]
Mas entrou lá um sujeito qualquer, que ele era meio…
[24]
Hã?
[25]
INF1 Eu tinha a minha carteirinha pousada ali, a minha malinha…
[26]
INF1 A minha malinha estava pendurada
[27]
[pausa] e eu tinha lá setenta escudos.
[28]
Foi.
[29]
Calhou não levar o cordão, que eu deixei-o em casa.
[30]
Mas levei eu levei – eram cem escudos –,
[31]
destroquei,
[32]
fiquei com setenta escudos.
[33]
E comprei,
[34]
não sei se foi um tercinho no caminho ou não sei o que foi.
[35]
E [vocalização] E levava setenta escudos na carteirinha.
[36]
INF2 Eu já chorei a rir.
[37]
INF1 E levava a medalha…
[38]
A medalhinha que até era da tia Emília, que Deus lhe perdoe, aquela medalhinha.
[39]
INF1 Mas só tinham não tinha…
[40]
Dum lado não tinha nada.
[41]
[pausa] E depois era para a mandar compor.
[42]
Pôr-lhe lá o meu retrato e o do Eneias.
[43]
[pausa] Depois olhe, foram lá roubaram-me a me- a medalhinha e o dinheiro.
[44]
Pronto, fiquei sem nada.
[45]
Foi uma tristeza que eu sei lá quando eu dei conta daquilo.
[46]
INF2 Foi o que tu passaste em Lisboa.
[47]
INF1 É verdade.
[48]
E depois lá fomos dormir,
[49]
de manhã quando me levantei…
[50]
Eu não parava de noite.
[51]
Mordia-me,
[52]
isto mordia-me a cara,
[53]
mordia-me…
[54]
Eu não estava bem nem em casa, nem em nada.
[55]
"Ó senhor Júpiter, quem me dera daqui para fora de Lisboa.
[56]
Estou cheia de Lisboa,
[57]
já estou tonta da cabeça"!
[58]
[pausa] Olhe, eram só bolhas de água, que tinha na cara, nos olhos.
[59]
Incharam-me os olhos.
[60]
Depois meti-me na carreira,
[61]
não saí mais da carreira,
[62]
vim-me embora
[63]
e vinha cheia…
[64]
Olhe, estive aqui dois, três dias que ainda tive que ir ao médico.
[65]
Ainda levei injecções.
[66]
Por causa daqui- daquilo que me lá mordeu na ca- na cara lá na…
[67]
Eu não via nada lá em Lisboa!
[68]
E quê?
[69]
Não chamam melgas àquelas coisas?…
[70]
INF1 Ai, como eu me lá pus!
[71]
Foi preciso ir aqui ao médico,
[72]
ainda levei umas duas ou três injecções.
[73]
Então a cara, até até saía água a cair em fio!
[74]
Só bolhas de água.
[75]
Os olhos!
[76]
Pois eu não parava de noite!
[77]
Eu mordia-me,
[78]
eu coçava-me;
[79]
eu mordia-me…
[80]
"Eh, mas que raio de Lisboa,
[81]
como isto está!…
[82]
Que é que para aqui há"?
[83]
Fui lá para umas quintas, lá para trás…
[84]
INF1 Não sei lá.
[85]
Foi o que fui a fazer a Lisboa.
[86]
Foi o que vi em Lisboa.
[87]
Olhe que eu não vi lá mais nada.
[88]
Vi lá muita gente, e muitos carros, e pronto.
[89]
E casas muito altas.
[90]
[pausa] Mas o que mais gostei foi daquilo.
[91]
O que mais gostei foi de ver pa- de vir [pausa] o navio,
[92]
ali ver passar aquelas pessoas, e então aquelas tropas.
[93]
Isso é que eu gostei muito!
[94]
Foi a coisa que eu gostei mais.
[95]
Ele não me ensinaram mais nada!
[96]
Pois então eu fui doente,
[97]
eu não me dou nos carros.
[98]
[pausa] E que via umas tais coisas.
[99]
Não vi nada, pois.
[100]
Eu havia de lá andar um dia ou dois a ver tudo.

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