Representação em frases

Fontinhas, excerto 62

LocalidadeFontinhas (Praia da Vitória, Angra do Heroísmo)
AssuntoO vestuário
Informante(s) Celisa Camolino

Texto: -

[1]
INF1 E já E usava-se xale de ponta pela cabeça!
[2]
[pausa] Uns xales de ponta!
[3]
Os xales, a gente fazia uma ponta grande, para ir para trás,
[4]
INF1 e botava aquilo pela cabeça quando era nos anojados;
[5]
e anojados, se muito anojados;
[6]
só aparecia os olhos.
[7]
INF2 E às vezes um cachené ainda por riba.
[8]
INF1 Hã?
[9]
INF2 E às vezes ainda um cachené por riba.
[10]
INF1 Sim.
[11]
[pausa] Mas agora já não se usa isso.
[12]
INF1 Já é lencinhos na cabeça até no dia dos anojados,
[13]
é lencinhos na cabeça
[14]
e passe por lá muito bem.
[15]
Coitado de quem morre, se ao céu não vai!
[16]
Aquilo não traz ninguém para cá,
[17]
mas é um respeito!
[18]
INF1 É um respeito que há às suas famílias.
[19]
Eu cá um irmão meu morreu, [pausa] o primeiro,
[20]
usámos nove meses [pausa] xales e cachenés;
[21]
e ao cabo dos nove meses, fomos de lenço à missa.
[22]
Mas era xales e um lenço negro na cabeça!
[23]
E ao cabo de um ano é que tirámos então essa aquelas roupas e…
[24]
E uns E também irmãos do meu homem têm morrido
[25]
e eu uso da mesma maneira.
[26]
INF1 Já não se usa então é xale de ponta!
[27]
Isso então já não se usa!
[28]
Mas visto um casaco
[29]
e boto um lenço preto na cabeça
[30]
e os primeiros e vou nos anojados é com um cachené [pausa] pela cabeça…
[31]
É deste feitio.
[32]
Mas é esta gente mais antiga!
[33]
Aqueles que são agora não querem, então!
[34]
INF1 Olhe, e fazem bem.
[35]
Que a gente com aqueles cachenés, a gente apanha frio, quando chega a casa que os tira, apanha frio,
[36]
e então anda sempre constipadas.
[37]
INF1 Mas é a modo um respeito que a gente tem às nossas famílias.
[38]
INF1 Eles não vêm para cá,
[39]
por a gente usar preto daquela maneira, eles não vêm para cá,
[40]
mas é aquele respeito que a gente tem às nossas famílias.
[41]
Sequer um ano, que não é uma coisa que não se ande.
[42]
INF2 Ai ele!
[43]
INF1 Um ano de preto pelas suas famílias, ah senhora, credo!
[44]
Mas há muita gente já que não quer.
[45]
[pausa] Já estão como os americanos: [pausa] "Ele morreu,
[46]
morreu.
[47]
Olha, está por a conta dos mortos.
[48]
Morreu,
[49]
acabou-se"!
[50]
Mas lá também [vocalização] é assim, não é?
[51]
INF1 Também usa-se preto lá?
[52]
INF1 Ah!
[53]
Lá também.
[54]
Vês que se usa!
[55]
INF1 É.
[56]
E na Ribeirinha usavam dois anos, não é?
[57]
INF2 É.
[58]
INF1 A gente cá aqui usava só um ano.
[59]
[pausa] E os da Ribeirinha usavam dois anos, preto!
[60]
INF2 Mas é que ainda no tempo que eu era rapaz, a gente usava [vocalização] camisa preta – já se sabe –, chapéu preto com um fumo de roda…
[61]
INF1 Com uns fumos pretos!
[62]
E as barbas por fazer!
[63]
INF2 E num mês não se metia navalhas…
[64]
INF1 Não se metia navalha na cara.
[65]
INF2 Hoje é mechinos,
[66]
mas naquele tempo era navalhas.
[67]
Na Era [pausa] barbados, [pausa] para aquele tempo.
[68]
E a gola do da jaqueta virada para cima.
[69]
Agora eles, morre um irmão,
[70]
quando é no outro dia, eles estão só em camisa e todos esgargalados para fora e arregaçados…
[71]
INF1 E vestem a roupa porque é é um vestir.
[72]
INF2 Vai ver
[73]
INF2 como eles andam para aí.
[74]
INF1 Ainda no outro dia vi uma rapariga nova de xale de ponta pela cabeça, na Praia.
[75]
Não sei se era viúva, se que é.
[76]
Para mim, ela era daquela banda da Ribeirinha.
[77]
De xale de ponta pela cabeça!
[78]
INF1 Que então, coitadinha, [pausa] já custa a segurar.
[79]
INF1 Não já?
[80]
Mas ela ia de xale de ponta pela cabeça.

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