INF1 O que eu comia que eu gostava era o tal pão, o de cão, pão de rolão, que amassavam para o para os cães.
INF2 Pois.
INF1 Então e eu não gostava daquilo?! Comia aquilo!
INF2 Aí nos montes.
INF1 Nos montes faziam .
INF2 Aí nos montes. Nos montes faziam essa coisa.
INF1 Lá no monte do meu padrinho, tinham lá cães e depois f- amassavam o comer.
INF2 Aquele pão de rolão.
INF1 Ali o rolão, amassavam para [pausa] para os cães.
INF2 Para os cães. Não tiravam o rolão da farinha.
INQ Pois.
INF2 Não tiravam o rolão .
INF1 E E eu era [vocalização] miúda, eu gostava de comer aquilo! Eu e outros miúdos comíamos!
INF2 Ah, até eu! Então e a gente achava diferença: o pão aí dos montes era sempre mu- … Está claro, era gente, gente gente que amassavam muito.
INF1 As nossas mães zangavam-se com a gente. E a gente era comer o comer de cão. Ah, mas a gente gostava!
INF2 Amassavam muito, e depois davam as esmolas. Nesse tempo, nos montes, davam esmolas, para os pobres, e tal. Alguém que ia coiso, vá, um bocadinho de pão. Metade dum pão, que havia uns panitos pequenos, cortavam o pão ao meio e davam metade dum pão a cada um, e tal. [pausa] E [vocalização] E então esse pão era sempre trabalhado mais mal trabalhado, que era, por exemplo, numa casa como a minha. [pausa] E esse pão ficava sempre um bocadinho doce. Doce. Deixavam o pão doce. E coisa e tal, tal, tal. E a gente quando era moços… Eu cá uma vez – ainda me lembra de ir uma vez – fui além ao Carregueiro mais um. Depois vínhamos com a fome. Fomos ao Carregueiro, e de Aljustrel, nesse tempo, só havia a estação do Carregueiro. E essa gente tinha uma loja e fomos. O moço desafiou-me para irmos numa carrinha e fomos lá ao Carregueiro. Quando viemos para cá, diz el- diz-me o moço assim: "Vamos pedir uma esmolinha aqui à Minhota"? A Minhota está ali à beira da estrada. "Vamos". E eu fui. Então eu usava uma boininha, pus a boininha assim nos olhos e fui. Lembro-me de ir. Tinha para ali uns sete ou oito anos. Lá pedi uma esmolinha lá à coisa, à lavradora da Minhota. Ah, batemos à porta, quem é e quem não é, mas a mulher viu logo que era gente preparados, bem preparados, começou logo a mirar. Diz: "Hm! Vocês não têm tipo de"… E o coiso deixámos a carrinha cá na estrada, eu mais o moço do Hipólito, do Hipólito do Monte Espada, o mais velho.
INF1 Ah, o Honorino.
INF2 O Honorino. É com certeza mais velho do que eu, tinha mais uns dois anos de que eu. Ele tinha aí uns doze anos ou coiso, e eu tinha uns nove ou dez, uma coisa dessas. E então fomos. A gente já tinha um bocadinho de grisa [pausa], de fome, e coisa e tal. E depois a mulher vem de lá, mas a mulher achou logo a roupa assim muito coisa, muito… Calçadinhos e e bem preparados, a mulher ficou logo assim sem acreditar. E então começou a fazer perguntas: "E então tu és de quem? Então tu és de quem"? A perguntar a ele. "Eu sou filho do senhor Hipólito do Monte Espada", e tal, disse o outro. "Eh, então o teu pai tem lá uma loja, então e agora viestes à esmola"?! "Ah, olhe, a gente ia passando aqui" – ele era assim muito desenrascado – "a gente ia passando aqui e tínhamos fome, viemos pedir um bocadinho de pão". E ela cortou um panito desses lá do monte ao meio e deu metade a cada um. Depois pôs-se a olhar para mim e eu pus a boina assim, e eu não lhe queria dizer coisa e ela de roda de mim. "Então este é do Hipólito do Monte Espada, então e [vocalização] e [vocalização] tu és de quem"? E eu nada, e eu nada. Não lhe disse nada, e eu agachado. Agachava-me. Nada. O outro cabrão era muito coiso, era muito assim, muito alarve, assim que ela apertou ali duas vezes, diz ele: "E aquele é do Horácio". "Ah"! Diz logo a magana da Jaquelina: "Então esse é meu primo! Então esse é meu primo! É por filho da prima Isabel? É filho da prima Isabel castelhana"?, e tal, tal, tal. "Olha, come". "Então a ver se me dás bocado de pão, que eu já te digo"! Assim que lhe apanhei o tassalho de pão, raspei-me, fui-me embora! Risos Não fazia já o mesmo. "Quem era? Quem era"? Digo: "Vai passear"! Oh, então e cale-se daí! Depois sentámo-nos na carrinha, viemos comendo o panito até cá à vila. [pausa] "Ah, panito tão bom, homem! Ah! Estou mesmo com vontade de voltar para trás e ir buscar"! Pois se eu não tinha cá pão melhor em casa que era aquele! Mas o pão era assim doce, e coisa, e era a fome, que eu tinha fome. Mesmo sem conduto. Se fosse cá em minha casa não o queria, sem um bocado de queijinho, ou um bocado de linguiça, ou qualquer coisa. Mas aquele papei-o muito bem, soube-me bem. Risos Aqui, dizem que o melhor conduto que há que é a fome.
INQ É a fome.