GRJ67

Granjal, excerto 67

LocalidadeGranjal (Sernancelhe, Viseu)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Ercília Elisa

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.


INF1 Uma vez o meu marido foi fazer uma covinha de carvão. A gente não tínhamos nada em casa para comermos. Era um rebanho de filhos. E não tínhamos nadinha em casa. E ele foi de noite De dia cortou a a torga, e de noite foi queimá-la e mais uma filha que eu tenho em Lisboa. Com a Ermesinda.

INF2 Ia indo à fugida!

INF1 Ainda a Ermesinda A Ermesinda tinha sete aninhos.

INF2 Ia indo à fugida, não era?

INF1 E deu em nevar. Às fugidas!

INF2 Às fugidas, senão os da Junta!

INF1 Senão roubavam-no-lo. A Junta tirava-no-lo.

INF2 Senão os da Junta ainda lhe ele roubavam tudo.

INF1 Pois, tiravam.

INF2 Porque era metade para eles.

INF1 Era. E metade para a guarda. E então [vocalização] o meu o meu marido

INF2 Tempos tristes!

INF1 Começou a nevar, a nevar, e ele a fazer a queimar o carvãozinho, e a neve a cair de cima da menina e dele, [vocalização] de noite, pelo escuro da serra, no monte, muito longe, quase ao da Senhora da Lapa. E então ele, em menos de nada sentia: "Uh [vocalização] "!, os lobos a uivarem. "Uh"! E a pequena dizia assim: "Ó pai, que é aquilo"? "Ó minha filha, aquilo não é nada. É [vocalização] uma raposa que para anda. Nós nos vamos de caminho"! Coitadinho, nem deixou acabar de de queimar o carvãozinho, abafou consoante estava, pegou na menina aqui ao, ao ao [nome], no pescoço, a rapariguinha com sete anos Às escuras por aquelas pedras! Por aqueles penedos afora e por aquele mato! E os lobos, dois, a seguirem-nos!

INF2 Isso é que são trabalhos!

INF1 Até aqui à entrada de [vocalização] do povo, vieram com ele dois lobos e com a pequena. E eles E ele dizia assim: "Eu tinha medo se me comia a pequena! Se me eles botavam Se se botavam a mim e eu deixava cair a pequena e ma engoliam logo"!

INF2 Pois era.

INF1 "Eu tinha" Ai, tantos trabalhinhos, tanta fominha que a gente passou, ó minha senhora!

INF2 E a, e, e a E a nós, aconteceu-nos também uma partida, mas deixe. Não se pode dizer mais, deixe!

INF1 Tanta fominha! Tanta fome!

INQ Pode, pode.

INF2 Os da Junta deram um bocado de serra ao meu pai e ao meu compadre Eustáquio. De noite. E foram também. "O carvão que der é metade para vós e metade para nós".

INF1 "E metade para nós".

INF2 Fizeram uma poça dele.

INF1 Ainda na Junta, o melhor que tínhamos era o Evandro, o pai do meu Everardo.

INF2 Queimaram [pausa] . Queimaram uma cova dele, mas deu para tarde, para de noite.

INF1 Pois. Dava para muito de noite.

INF2 Ao outro dia aquilo está apagado e ao outro dia foram. Cortaram mais e queimaram e foram tirá-lo. Mas deu para de noite.

INF1 deu para de noite.

INF2 O meu pai disse assim Fui eu, mais o meu irmão e o meu pai Deus lhe perdoe e mais o meu compadre.

INF1 Pois.

INF2 E assim: "Deixa estar que nós agora haviademos os amolar, aos da Junta".

INF1 E vossemecês ainda não eram dos que tinham mais precisão, graças a Deus!

INF2 Pois não, graças a Deus! Mas ele também às vezes iam, como eram muitos filhos e assim, iam.

INF1 Pois.

INF2 E como foi assim para todos, também deram, e ele também foi, também aceitou [pausa] um bocado. Que é que eles fazem? Tiraram para cada sua saca.

INF1 Pois.

INF2 "Deixa estar que também os da Junta não hão-de comer tudo"!

INF1 Pois.

INF2 Com tanto suor, tanto trabalho! E E para cima para a Serra da Lapa.

INF1 E tanto frio! E tanto fome!

INF2 De noite. Depois o meu compadre e o meu pai Deus lhe perdoe tiraram quatro saquinhas.

INF1 Pois.

INF2 Duas sacas para o meu compadre

INF1 E duas para ele.

INF2 E duas sacas para nós. Quer dizer, eu trouxe uma saca para o meu compadre [pausa] e o meu compadre trouxe outra.

INF1 Pois.

INF2 E o meu pai Deus lhe perdoe e o meu irmão trouxeram para cada um sua.

INF1 Pois.

INF2 Mas era muito assim cerro, de noite, e escureceu-nos metidos na Serra da Lapa, [pausa] para os lados de Forca, passados os Três Corvos.

INF1 Pois.

INF2 E começa a escurecer, a escurecer, e nós com medo que a outra malta nos não vissem,

INF1 Pois.

INF2 ora para onde é que o meu compadre foi cortar?

INF1

INF2 Para a Serra de Forca.

INF1 Ai Jesus!

INF2 Para aquele Para aquele matagal muito forte!

INF1 Jesus!

INF2 Olhe e escureceu! Nós víamos neve branca nas urgueiras, aquele assim gelo branco, muito branco!

INF1 É. Ai, a gente passou trabalhinhos!

INF2 E ele o meu pai Deus lhe perdoe diz assim: "Ó compadre"

INF1 Esta gente agora nem sabem que são criados no mundo!

INF2 "Ó compadre, nós nós andamos perdidos na serra". [pausa] E diz ele assim: [pausa] "Olha pois andamos nós Andamos muito, que estamos quase ao aos cimas dos soutos de Forca".

INF1 Pois era.

INF2 "Ai, para onde nós estamos?! Onde nós estamos metidos?! Ai, que aonde nós estamos metidos?! Aonde é que nós agora vamos sair"? As pedras eram tantas, os pedrões, aquelas urgueiras, aquilo é um penedo!

INF1 Aquilo para ali penedos! É tudo penedos!

INF2 O que é que fazem? demos com uma rodeira.

INF1 Pois.

INF2 E ficámos naquela rodeira, eu mais o meu compadre Eustáquio Deus lhe perdoe.

INF1 Pois, exactamente.

INF2 Com as saquinhas. E a água a cair.

INQ O que é uma rodeira?

INF2 Então o meu pai deu

INQ É uma

INF1 É um caminhinho que faz nos matos.

INF2 Um caminho que se Abrem os, os [pausa] os carros, que às vezes fazem aquelas rodeiras, não é?

INQ Ah!

INF1 Pois.

INF2 E estava ali aquela rodeira dos carros passarem, estava ali "Bem, paramos aqui nesta rodeira a ver para onde é que esta rodeira segue". E nós ficámos naquele lugar e eles cortaram outra vez, sempre à direita.

INF1 Pois.

INF2 A cortar, a cortar, a cortar para aqui para os lados do Granjal. E eles disseram assim: [pausa] "Vós ficaides a cantar a Morgadinha" [pausa] que era alta, não é? Cantávamos alto. "Ficais a cantar a Morgadinha". O meu compadre Eustáquio sabia-a muito bem! "Para nós E nós vamos ver para onde segue esta rodeira".

INF1 Pois.

INF2 "E depois por o cantar, nós vimos atrás deles sem nos perder. Porque senão assim depois perdemos, se não dizedes nada, perdemos-nos uns dos outros e aqui andamos". Bem, assim foi. O meu compadre começa a cantar e eu começo a cantar. Eu tinha os meus dezasseis, dezassete anos. E [vocalização] E pronto. E eu E eu ia, estivemos a cantar. Passado de quase uma hora, eu disse assim: "Perderam-se na serra. Agora é que eles andam perdidos. Olhe, nós temos que estar aqui, aguentar aqui até de manhã. Nós [vocalização] quando é de manhã estamos mortos, com tanto relo". Pois estava aquele relo a cair, aquele gelo, aquele relo a cair, a cair, a cair, a cair. " estamos todos orvalhadinhos"! estávamos todos orvalhados! [pausa]

INF1 Ai Jesus!

INF2 "Ó pai"! Deram-nos um berro longe e eu assim: "Ai! É mesmo no cimo"!

INF1 Aquele matagal!

INF2 Começámos a cantar, e eles foram, vieram, vieram, [pausa] vieram

INF1 Eles era para os ouvirem, para saberem onde vocês estavam.

INF2 vieram, vieram, vieram, e vieram depois então ter connosco. E diz ele assim: "Estamos [vocalização] não sei em que sítio é. E agora pegamos na saca e vamos sempre nesta rodeira para irmos outra vez ter ao mesmo sítio aonde nós"

INF1 Aonde vocês estavam.

INF2 "Aonde nós tínhamos a cova é que andamos a seguir para aquele lado".

INF1 Pelo, pelo cântico [vocalização] Pelo cântico eles vinham ter.

INF2 Ora, tornámos a ir, e na mesma coisa. Mais de três horas que nós demorámos a chegar ao mesmo sítio, com a saquinha, de noite.

INF1

INF2 Caíamos aqui, levantávamo-nos além, caíamos aqui, levantávamo-nos além. E até que demos com o carreiro, viemos. Ao passar da ribeirinha pimba! , o meu pai Deus lhe perdoe , coitadinho, pimba!

INF1 Caiu para dentro.

INF2 Caiu para dentro da ribeira. Era um escuro que não se via!

INF1 Não se via nada!

INF2 Digo logo eu: "Eu deixo ficar a saca! Parece que até foi castigo que nos deram! Eu não quero saber da saca, nem saco. O que me quero é ir embora, quero saber disto". E comecei assim a berrar. peguei na saca, pu-la de cima da parede do senhor Ezequiel.

INF1 Pois.

INF2 Eu e o meu pai tirámos a saca toda molhada, deixámos a saca detrás dum do coiso, para o outro dia para enxugar ao sol. E pega ele depois na minha saquinha

INF1 Coitadinho!

INF2 E a dele ficou a escorrer.

INF1 Pois.

INF2 Chegámos a passar ao lameirinho da do meu compadre Eustáquio, no moinho velho.

INF1 Pois.

INF2 "Cai o meu compadre Eustáquio para a presa dele".

INF1 Ai, credo!

INF2 ficou a saca dele também toda molhada dentro da presa.

INF1 Ai, que trabalhinhos!

INF2 arrumei arrumaram a minha saca e a do Labão.

INF1 Trabalhinhos que passavam!

INF2 arrum- arrumaram a minha saca e a do Labão na corte dele. Que tinha uma corte na serra. naquele lugar para baixo.

INF1 Pois, no moinho velho.

INF2 Pois. ficaram as duas arrumadas e as outras Estava tudo cheio de água.

INF1 ficaram a escorrer.

INF2 as trouxeram e as secaram dentro da corte.

INF1 Pois, dentro da corte.

INF2 as secaram. Chegámos a casa O gado que nós tínhamos era daquela senhora. Que era ao ganho. as cabras é que eram nossas. E também tínhamos o gado mas era menos. Mas o gado era da senhora Elina.

INQ O gado o que são? As ovelhas?

INF2 Era as ovelhas.

INF1 É as ovelhas e os carneiros. E as cabras.

INF2 Chegámos a casa, a minha mãe e os meus irmãos a chorarem lágrimas de sangue porque o meu irmão, [vocalização] o chegante a mim ainda hoje aqui esteve na minha casa, o meu Fábio , tinha perdido as cabras todas.

INF1 Ai Virgem Mãe!

INF2 Chegámos a casa eram três horas da manhã, com este sarilho. Três horas da manhã que nós chegámos. E foi ao escurecer que nós [pausa] tivemos isto.

INF1 Oh, valha-me Deus.

INF2 As cabras tinham desaparecido. Olha, vai o meu pai Deus lhe perdoe e o meu irmão, o mais velho, o Fabrício, e vai a minha mãe, e vão todos à pergunta das cabras. estavam metidas na serra, de cima dos calhabouços

INF1 Pois, elas fogem para os calhabouços por causa dos lobos.

INF2 E estavam as cabrinhas. Quando chegaram a casa

INF1 Elas em lhe cheirando os lobos, fogem para o penedo mais alto que podem.

INF2 Quando chegaram a casa

INQ Os calhabouços são o quê?

INF1 É as pedras. É pedras. Os penedos grandes!

INF2 É pedras, calhaus, penedos. E elas vão sempre para cima daqueles muros.

INF1 Fogem por causa dos bichos.

INF2 Para verem os lobos.

INF1 Pois.

INF2 Para verem os lobos. São muito finas. [pausa] E chegaram a casa era de manhã. E nós a cuidar que as cabrinhas estavam todas comidas dos lobos. Está a ver? A tirarmos dum lado íamos perdendo do outro?

INF1 Pois.

INF2 Cada um com aquilo que é seu! Deus me livre! Nunca mais! Foi a primeira vez que fizemos aquilo e a última.

INF1 Nunca mais.

INF2 Nunca mais andámos nos carvões.

INF1 Dava muito trabalhinho, dava! Olha que o meu marido passou-me ele passou bem poucos trabalhos!


Guardar XMLDescarregar textoRepresentação da onda sonoraRepresentação em frases