INF1 Quando a gente diz o que trabalháramos, o que passáramos, isso tudo, nem acreditam!
INF2 Éramos uns escravos!
INF1 As pessoas de agora, esta [vocalização] juventude de agora, nem acreditam aquilo que a gente passou e aquilo que a gente fazia. Que íamos pequeninos para o campo. Eu com oito anos, com oito anos ia apanhar azeitona para o campo, com uns tamanquitos pequenitos nos pés, com muito frio, a chorar, com muito frio nas minhas mãos. Ia apanhar azeitonita assim, com oito anos!
INF2 Isso, o que a gente passava!
INQ1 Claro.
INF1 E ganhar dinheiro, ganhar dinheiro! Fui servir com dez anos.
INF2 Eu foi fui com doze.
INQ1 Era duro, era.
INF2 Com dois Com doze anos, fiz o exame da quarta e fui trabalhar para uma serração, para ajudar com uma serra, com um serrador, com doze anos.
INF1 E agora…
INQ1 E a senhora, se calhar, nem sequer fez escola nenhuma, foi logo trabalhar.
INF1 Eu não fiz escola porque ainda fui uns dois meses à escola – lembra-me de ainda ir dois meses à escola –, mas depois a minha mãe tirou-me, para ir ganhar uns tostõezitos.
INQ1 Pois.
INF1 Porque éramos muito pobrezitos – não era? –, e [vocalização] para irmos ganhar uns tostõezitos. Mas depois ainda consegui então. E depois, as minhas irmãs [vocalização] já a minha mãe já não mandou para a escola, que dizia: "A mais velha não aprendeu, as mais novas também não hão-dem aprender". Mas graças a Deus eu então ainda aprendi a ler. Pois, não não sei ler assim uma coisa muito por aí além.
INF2 Sabe ler e escrever.
INF1 Mas sei governar cá a minha vida.
INQ1 Pois, mas sempre se governa. Pois.
INF1 Pela minha vontade… Pela Lá os meus patrões eram assim, também tinham crianças assim da minha idade.
INF2 Foi servir com o noivo. Esteve vinte anos na mesma casa.
INQ1 Hi!
INF2 Em Montemor-o-Velho.
INF1 E de maneira que ensinaram-me então as primeiras letras e eu depois com a mi- a minha vontade fui escrevendo, fazendo cópias, fazendo coisas, e [vocalização] coisa, e ainda aprendi qualquer coisita.
INQ1 E ainda aprendeu! Ainda aprendeu!
INF2 Lá com as patroas. Com as, com as Com as meninas e com a patroa mais velha. Esteve lá vinte anos.
INF1 Era assim, era assim. Mas tenho muitas saudades daquilo!
INF2 Dos dez aos trinta, que casámos.
INF1 Eu tenho.
INQ1 Sofria-se muito mas eram bons tempos, não era?
INQ2 O senhor que idade tem?
INF2 Eu tenho setenta e sete, dois setes, e ela é setenta e nove.
INF1 Era, sim senhor. Era tudo mais saudável.
INQ1 Rhã-rhã.
INF1 Agora é tudo doentio, tudo.
INF2 O que é temos tido saúde, graças a Deus.
INQ2 A senhora…
INQ1 Graças a Deus, isso é que é preciso.