INF Sim, também se dizia: "Está, estava lá; olha, lá está ela focinhando". Enterravam-se. O meu pai chegou a ter Porque – já se sabe – naquele tempo, a gente, [pausa] era um poder de filhos e não havia comer, não haveria. Mesmo o dinheiro era pouco [pausa] e não havia tanta experiência como agora. Isto agora… Não havia electricidade naquele tempo, não havia ferro eléctrico, não havia [vocalização] nada. Nem casas-de-banho havia!
INQ1 Pois, pois.
INQ2 Pois.
INF Para quem era mais pobre, não havia casas-de-banho. Eu cá, lembra-me muito bem, que eu já vou fazer sessenta e cin- e três anos, lembra-me muito bem de [vocalização] as coisas que havia, pobrezas…
INQ1 Pois.
INF Chegava-se ao Natal; toda a gente estava desejando de chegar ao Natal, que era para comer massa e arroz [vocalização] e um bocadinho de carne. E minha mãe chegava a partir uma laranja para dois, porque não havia, não havia dinheiro que comprasse. Havia laranjas mas não havia dinheiro que comprasse.
INQ1 Pois.
INF O meu pai era lavrador. [pausa] Se [vocalização] chovesse, que o meu pai tivesse [pausa] trigo e cevada para o ano inteiro, [pausa] a gente tinha a nossa fartura de pão. Mas se não havia para o ano inteiro, era [vocalização] deste milho! Ia-se buscar este milho, havia moinhos de vento, aqui – que agora só há um, mas o dono até morreu [pausa] – e moía-se [pausa] e a minha mãe fazia [vocalização] milho, [pausa] como agora se faz deste [vocalização], destas arepas, da farinha [vocalização] [pausa] da Venezuela.
INQ1 Ah, pois, pois.
INF Mas a gente cá fazia era da nossa casa, [pausa] milho. [pausa] Se havia leite, comia-se com leite, se havia peixe, comia-se com peixe e se não havia peixe, minha mãe fazia café, [pausa] dava uma chávena de café a cada um e a gente comia com o milho. E [vocalização] dava um jantar! Sim senhora.
INQ1 Pois, pois.
INF E eu bordava, quando eu era mais pequena, bordava, bordava… Eu enchia os lenços à roda e minha mãe então fazia o cantinho, [pausa] que era para ir todo para casa. Trabalhei [vocalização] tantos anos para casa. Acertei o casamento – ia [vocalização] também ia fazer dezasseis anos – com este maluco que andou sempre atrás de mim, que isto é mais velho dez anos que eu! Acert-, acertei o casamento, já se sabe que [vocalização] Acertei o casamento, tinha uma [vocalização] colcha e um guardanapo, até era um [vocalização] paninho de tabuleiro. Mas fizemos aquela capela – que é de Nossa Senhora da Graça – foi com romagens e com ofertas e tudo! E dava-se aqueles paninhos, aquele [vocalização] croché e tudo, que era tudo para vender, para a ajuda da capela! Ora, veio uma senhora dali de cima tirar [vocalização] uma ofertazinha, para cada uma dar o que quisesse. Eu nem sequer ainda tinha mala, direitamente, porque – já sabe – primeiro a gente comprava a nossa malinha; agora é que há tudo isto, há [vocalização] as arcas e estes [vocalização] e estas cómodas e tudo…
INQ1 Mas antigamente era com…
INF Era uma malinha, que minha mãe tinha, meia velhinha e disse: "Olha, pois a mãe vai-te dar aquela malinha para tu pores as tuas coisinhas". Ora, tinha tinha a colcha e o guardanapo, veio uma senhora e disse: "Olhe, venho aqui ver se ver se nos quer dar alguma coisa para a capela, porque vai-se fazer a romagem, vai-se levar areia e tudo". E eu vou àquela mala e dei o guardanapo. Ora, uma rapariga que já andava para casar, que tinha uma colcha!
INQ1 Pois é!
INF Mas dei o guardanapo a Nossa Senhora, graças a Deus! E a minha vida foi crescendo e ao depois eu casei-me; fiquei logo grávida porque eu estava menstruada, fiquei logo grávida. A cabo de, se pode dizer, antes dum ano, tive um [vocalização] menino mas [vocalização] estive muito mal, o menino morreu. Depois mais, ao cabo de mais dois anos, veio mais uma menina, e [vocalização] daí veio, veio, veio, [pausa] tenho sete, graças a Deus. Tenho um filho na Holanda, trabalhando num hospital, tenho uma rapariga casada, tenho este filho daqui, e tenho [pausa] três em casa.
INQ1 Que ainda são novos?
INF Tenho uma rapariga que trabalha no hotel de Porto Santo, que é a subchefe, [pausa] trabalha no restaurante, [pausa] que é a Adelina, [pausa] e tenho [vocalização] dois [vocalização] [pausa] solteiros, em casa e aqui vamos à conta de Deus.
INQ1 Sim senhora, que bom!
INF E eu bordava, bordava, bordava, o bocadinho que me ficava, bordava. Depois a minha filha, a mais velha, foi crescendo e eu fui para a fábrica da conserva, ainda trabalhei dez anos lá,
[pausa] mas depois acabou. Trabalhei em casa duma senhora, [pausa] a dias. Ia lá [vocalização] umas horazinhas, a minha filha ficava em casa. Depois também eu fiquei, das pernas, que estou muito doente das minhas pernas, eu nem posso me ajoelhar. Ando. Andar, ando; mas me ajoelhar e a coisa, não.
INQ1 Pois, pois.
INF Sempre me tratando. O Senhor Doutor já me quis operar dos joelhos mas eu não quis. [pausa] O Senhor Doutor [vocalização] [pausa] Absalão e o Senhor Doutor Abúndio [pausa] e eu nunca quis ser operada.
INQ1 Pois.
INF Depois deixei de trabalhar nessas casas de [vocalização] dessa senhora. Depois eu falei com o senhor lá da [vocalização] da Caixa e disse: "Olhe, Senhor Acácio não posso trabalhar, como é que vai ser a minha vida"? Ele disse: "Olhe, a Senhora Adeltrudes traz-me os seus papéis, [pausa] que é para a gente ver o que faz, ver se pode"… Então, graças a Deus, fui ao Funchal, a uma junta-médica e, graças a Nossa Senhora, pedi tanto a Nossa Senhora de Fátima [pausa] que me auxiliasse, a ver se eu ganhava qualquer coisa, então, graças, fiquei ganhando. Nessa altura, era treze contos, [pausa] mas agora, graças a Deus, já se sabe…
INQ1 Que era poucochinho. Vai subindo.
INF É vinte seis, mas nem se vai dizer que é uma fortuna, mas [vocalização] [pausa] sempre é melhor que nada.
INQ1 Pois. Não é uma fortuna, não.
INQ2 Pois claro que não é.
INF E aqui vamos à conta de Deus.
INQ Sim senhor.