INF Depois as pessoas viviam [vocalização]… A matança do porco não era uma festa; era uma maneira de governarem a sua casa e de fazerem ele a vida. [pausa] Deixavam para si aquilo que podiam e vendiam aquilo que precisavam. Muitas vezes não vendiam aquilo que não precisavam. Vendiam o que precisavam, mas precisavam do dinheiro e tinham que fazê-lo de alguma maneira. Como se pagavam as contribuições no mês de Janeiro, no mês de Dezembro matavam-se os porcos pois. Eu então não é dos meus dias, mas eu lembro-me de o meu pai contar que havia pessoas que iam com as suas bandinhas de porco, às costas, daqui para a cidade vendê-las.
INQ O que era as bandeir-, as bandas do porco?
INF As bandas do porco é uma banda de porco!
INQ Ah! Uma metade?
INF Uma metade do porco. E ficavam em casa com a cabeça, com a espinha, com a fressura e com as morcelas, e o resto era vendido. [pausa] Mas então já há setenta, oitenta anos para trás. Agora, nos meus dias, não. Nos meus dias, as pessoas vendiam um bocadinho mas não se despossuíam dos seus porcos todos. [pausa] Depois, foi mudando até o ponto que hoje já é uma festa um dia de matança. Mas nos, na no meu tempo de infância, uma matança do porco era um dia de trabalho. A pessoa matava o porco para o seu próprio [vocalização] uso e [vocalização] e era um dia de trabalho igual. Ajudavam-se! Mas não era aquele tempo tipo de ajudar, festa! Não havia comidas diferentes, não havia nada nada diferente de por ser a matança do porco.
INQ O que era a caçoila?
INF A caçoila era feita com a fressura do porco, com o fígado, bofes, coração…
INQ Portanto, chama fressura àquilo tudo?
INF Chama-se fressura àquilo tudo: é o coração, é o fígado e o e o bofe. Até que na minha casa nunca se usava [vocalização] caçoila. Mas havia pessoas que faziam e que até gostavam.
INQ Era espécie de guisado?
INF Espécie de guisado. Havia outras que faziam molho de espinhela, que era a espinha do porco partida em bocadinhos, e fazi- punham-lhe cebola, alho, era uma espécie duma carne guisada. Também era saboroso! É claro era a espinha fresca… Também isso, muitas pessoas usavam isso… Então já nesta altura que se fazia o molho da espinha, já era a matança diferente. Já não era a matança só com a família da casa. Era, por exemplo, os irmãos – já se então começou a juntar os irmãos – a fazer a matança. Até que [pausa] começou-se a fazer mais festa de matança foi com os namorados. [pausa] O meu caso: eu namorei nas vésperas das matanças. O meu marido pediu-me em casamento nas vésperas da matança para eu já ir à sua matança. E foi por aí que começou a [vocalização] a fazer-se mais festa de matança com familiares. "Ele está namorada, olha, já foi à matança do porco"! E depois por aí é que se foi começando a ajuntar famílias e a fazer então as su- as matanças, que já hoje então são muito diferentes: com gente ba- com pessoas bastantes, já se fazem bolos doces, já se faz arroz-doce, já se faz uma ementa diferente. Até que já pouco se usa do porco no dia da matança. Faz-se carne assada, por exemplo; faz-se galinha; tudo coisas que não se faziam porque [vocalização] o dia do porco era um dia vulgar.
INQ Rhum-rhum.
INF Não era um dia de festa, nem era um dia diferente dos outros. Era um dia diferente dos outros só porque o trabalho era diferente. Mas não se fazia festa. [vocalização]
INQ Há bocadinho falou que era de, rosar a linguiça. O que é? Era pôr ao lume, ao fumo?
INF Ao fumo. [vocalização]
INQ Estava a rosar?
INF A ros- A linguiça era cheia ao fim de quatro dias depois de se fazer a vinha-de-alhos, e depois era pendurada nuns paus. Agora temos as chaminés mas eu ainda me lembro de as linguiças serem defumadas nas cozinhas, que não havia chaminés.
INQ Pois não.
INF Eles punham umas vergas penduradas nos tirantes da casa, punham um pau atravessado – o que se faz nas chaminés! –
INQ Rhum-rhum.
INF e a linguiça era posta pendurada naqueles paus, enrolada nuns rolos, comprida, e [vocalização] e ficava ali um, dois dois dias, dois, três dias o máximo, a curar. Fazia-se lume… O lume bom para rosar a linguiça era o lume de sabugos, que é o sabugo do milho que se do milho que se desbulha. [vocalização] Punha-se umas achinhas e com aqueles os sabugos por cima e ela ficava rosadinha. E depois de rosada, os que era para vender, iam-na vender, e os que não, fritavam-na e punham-na em em banha, que ainda é o que se usa hoje. A gente, eu por mim, eu e a minha família usamos. Há quem põe nas arcas; eu, os condutos de porco, não uso nada na arca, só se um bocadinho de carne para, para para assar e para bife. De resto, ainda salgo a [vocalização] a carne de porco na salgadeira e fri- e uso os meus condutos todos é nas na banha, enterrado na banha. O que se usava naquele tempo era barro, era as caboucas de barro, era as salgadeiras de barro; agora usa-se em plásticos, que é muito mais higiénico e muito mais… Porque havia [vocalização] barro que lhe punha gosto. Punha [vocalização] Íamos [vocalização] buscar e criava como que um ranço, um gosto a ranço. E o plástico então é muito mais higiénico e muito melhor.