INF Ou bailar bailes. Também se bailava então muito.
INQ1 Pois.
INF Antigamente então bailava-se muito, as famílias.
INQ1 Mas, mas era quê? Todas as semanas? Todos os fins-de-semana?
INF Não! Por as matanças do porco. Isto era por as matanças dos porcos.
INQ1 Ai, pela matança dos porcos!
INF Era! A gente A gente ajuntava-se. A gente era uma família grande. E tínhamos um uns parentes [vocalização] – que era um irmão da minha mãe que morava lá para diante, ao cabo lá da freguesia, que até chamava-se o Hortão Fundo era…
INQ1 O?…
INF O Hortão Fundo.
INQ1 Hortão Fundo era o sítio?
INF Lá para diante. Lá no cabo lá da freguesia . Até a casa, ainda está lá uma nesguinha. Quando foi do abalo, [vocalização] avariou. E depois só estava cá a mãe – [vocalização] o marido já tinha morrido, que era o irmão da minha mãe, já tinha morrido e ela foi para a América, os filhos estavam todos na América, ela foi para a América… Ele morreu um agora há um ano. E [vocalização] eles vinham para cá, e iam ali – aqueles vizinhos, tinham muitos rapazes novos –, e a gente, já sabe, sempre se havia de entreter nalguma coisa.
INQ1 Claro.
INF Era a jogar aqueles jogos.
INQ1 Claro.
INF E era o jogo de, da da carapucinha do Manel do Canto. A gente fazia uma roda, e levávamos um pano e lá: "Aqui fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto. Aqui fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto"… E lá quando nos parecia nos deixávamos ao pé duma pessoa, e ela, se não dava por isso, a gente chegava ao pé dela e dizia: "Ora, tu agora é que é é que és é que és [vocalização] "… Ai Jesus! Eu não sei como é que a gente dizia?! "É que va- É que vais de, de de fazer de carapucinha de Manel do Canto". E era assim que a gente se entretinha.
INQ1 Também joguei a isso.
INF Ah!
INQ1 Quando era miúda também joguei a isso.
INF Pois.
INQ1 Mas chamava-se o jogo do lencinho.
INF Ah!
INQ1 Que andávamos assim umas atrás das outras, já não sei como é que era …
INF Ah, mas não! Mas é que era a gente estava parados. Só um é que andava!
INQ1 Não, estávamos… Só uma é que andava!
INF É.
INQ1 Exactamente. Estava assim e depois deixava…
INF É. A que A que fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto. É.
INQ1 Exactamente. E depois vinha… Se ela, se ela dava por isso co-, corria atrás dela…
INF Era, era. E a gente metia-se…
INQ1 Tinha que chegar primeiro ao sítio.
INF A gente tinha que chegar primeiro ali àquele lugar lá. Ah, então a senhora também sabia!
INQ1 É, também joguei isso. Esse também joguei.
INF Ele havia muitos jogos então. Era quantos quer. Sabe, a gente tinha que se entreter. Era muita gente.
INQ1 Claro.
INF Pois [vocalização] às vezes bailava-se então! O meu pai gostava então de bailar!
INQ1 E bailavam ao som de quê?
INF Toque de viola e [vocalização] de vi- ou de violão. Mas havia pouco violão! Quase sempre era uma viola, ou uma guitarra, ou assim uma coisa.
INQ1 E quais, qual eram as danças? Quais eram as danças?
INF Não havia danças.
INQ1 Ah!
INF Era as chamarritas e bailes de roda. Gostava muito.
INQ1 Chamarritas.
INF Não havia estas danças como há hoje em dia. Bailinhos lindos era antigamente. Cantar, ai que… Havia pessoas que cantavam, cantavam!… Já um r- um rapaz que que morreu, que chamavam o Heraclito, ah, que aquele rapaz cantava! Ele cantava que!… E ele cantava e tocava uma noite inteira! E ele tocava e cantava que ele consolava! Ele ia ali para a sociedade – que a senhora sabe, a sociedade da, a da filarmónica, ali ao cabo de baixo do caminho novo.
INQ1 É aquela onde a gente parou hoje de manhã, não é?
INQ2 Pois, eu não sei… A gente parou perto duma, mas não sei se é essa.
INF Tem um chafariz?
INQ1 Sim.
INQ2 Sim, faz um…
INQ1 Faz assim um encontro de quatro…
INF É, é, é.
INQ2 Três.
INF Quatro. [vocalização] Ele ia para ali, e ele cantava e bailava! Ele era baixinho. Ele é mesmo mais baixinho que o senhor um bocado. Mas aquilo ele cantava! Ele tinha-me uma voz, que ele consolava! Ele cantava e bailava e mandava! Quer dizer, ele tocava e mandava e cantava! Tudo Tudo no mesmo tempo. Ele no intervalo da da cantoria, ele dizia: "Rola para a direita"; "Foge para a direita"; "Foge para a esquerda". E depois mandavam chamar. Eu consolava-me a bailar alguma chamarrita que ele mandava. Não há como a gente…
INQ1 Há quantos anos é que já não dança uma chamarrita?
INF Ah, já morreu há muitos anos. Mataram-no.
INQ1 Ah! Coitado!
INF Nem sequer foi… Não Não foi morte natural, mataram-no. Apareceu morto.
INQ1 Mas porquê? Coitado.
INF Não se sabe. Ainda andaram para saber quem é que tinha sido e quem não, mas não… Era um desgraçado, coitado! Não tinha ninguém. Andava [pausa] cá
INQ1 Mas alegrava as pessoas, não era?
INF Era. E era muito boa pessoa. Não era pessoa de fazer mal nenhum a ninguém e ninguém. E havia um também ali no lado da Calheta que se chamavam o Heraldo. Ah, que ele Aquele também tocava e e mandava e cantava que consolava! Eu uma vez estava na sociedade… Nosso Senhor Jesus Cristo se esqueça por mor de eu nem sequer vá a ver ali na televisão porque eles vão conhecer a minha voz. Ele estava
INQ1 Não dá na televisão nenhuma.
INF Ele estava Ele estava uma vez na sociedade e o meu pai era amigo de beber uns copinhos. E eu fui mais ele. As minhas irmãs nem por isso gostavam de ir. Mas eu ia então sempre mais ele, quer ele tivesse bebido, quer não tivesse eu à-. Muitas vezes eu estava na cama e levantava-me para ir mais o meu pai.
INQ1 Ai, que engraçado!
INF Ele chegava, ele dizia: "Ó Idalinda, não queres ir ao baile"? Eu dizia: "Quero, pois eu mesmo não tenho sono, eu quero ir". Mas eu não dormia para ver se ele chegava para ver se eu ia ao baile. E [vocalização] E fomos para o baile, e estava lá esse tal Heraldo. Também enforcou-se.
INQ1 Ah, coitado!
INF Ele então mesmo é que se enforcou. E ele já tinha uma bebidinha, mas não era muito. E ele foi pedir umas quantas pessoas para, umas quantas raparigas para ir bailar e ninguém quis ir com ele.
INQ1 Porquê?
INF Porque como ele já tinha uma bebidinha, como era assim [vocalização], coitado, mais um pobre, não [pausa] quiseram ir com ele. E o meu pai, foi ele acho que foi para a cozinha. E eu, já se sabe, estava cá fora no salão, não sei. Mas julgo que ele que foi para a cozinha e disse que não ia bailar, não ia mandar o baile, porque não tinha quem fosse com ele. E ele E o meu pai disse: "Anda cá que tu tens um par para ires". E eles O meu pai chegou cá com ele ao pé de mim, e disse: "Vai bailar com este senhor". Eu disse: "Por qual a razão não hei-de ir? Ele é um homem como outro qualquer". E levantei-me e, e e pus-me ali à frente dele. Porque a gente já sabe quando vai bailar, vai…
INQ1 Claro.
INF Olha, fui. E depois o meu o meu pai então é que disse. Ele disse que ele foi lá dentro dizer que não ia porque ele disse a umas quantas… Foi verdade que eu vi ele dizer a umas quantas e nenhuma quis ir com ele, como ele já tinha [vocalização] uma coisa de bebida. Mas olha, ele mandou-a e cantou-a e bailou-a, o mesmo que nada o mesmo que não tivesse bebida nenhuma. À [vocalização] Portou-se melhor do que outros que estivessem lá.
INQ1 Do que muitos.
INF E olhe, [vocalização] ainda depois de ele bailar esse baile, ele veio-me pedir para eu ir dançar mais ele, e eu fui. E ele dançou e cantou-a mais eu… Eu não cantei. Mas Não cantei porque não quis porque eu também sabia cantar. Eu naquele tempo sabia cantar. Hoje em dia não sei, mas naquele tempo sabia.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Mas não cantei porque eu não quis. Mas ele dançar, ele dançava que ele consolava! Era tão leve no dançar, tão leve, aquilo era um pezinho levinho que aquilo consolava!