INF Mas sabe o que foi? Eles depois escolheram as terrinhas que já estavam melhores, mais bem feitas, mais preparadas nas folhas, melhores, eles ficaram com elas. E eu fiquei com aquilo que eles não queriam. Mas eu, que é que eu fiz? Fi- [vocalização] Cultivei-as, preparei-as…
INQ1 Ficaram como as outras?
INF Olhe, eu, eu ficaram melhores!
INQ1 Ficaram?
INF Eles, eles podem-me dar duas folhas das deles, que eu não dou uma das minhas. "Ah, mas só o meu irmão"! Olhe que eu alevantava-me de noite – para aí à quê? –, para aí às quatro horas, quando se visse, e ia p- e ia para o, para o – a gente cá é surribar! – fazer leiras, fazer bocados.
INQ1 Surribar é fazer aquilo que está ali?
INF Pois.
INQ1 Preparar aqueles terrenos é surribar?
INF É surribar.
INQ1 É o primeiro trabalho que se faz?
INF É. É surribar. Suponhamos isto aqui: começa-se a surribar, faz-se um bocado, pronto, é surribar.
INQ1 É surribar, portanto, é limpar das …
INQ2 É tirar as plantas, as…
INF Isso, isso, isso. E eu agarrei-me àquilo, comecei a trabalhar, a trabalhar… Andei aí na floresta – olhe que botei a Padruça, vim ali à Feixa adonde há a casa da água –, andei por aí. Mas quê? Olhe, eu ganhava naquele tempo quinze escudos. Eu e todos.
INQ1 Pois.
INF Era o meu ordenado era quinze escudos. Ora ganhava quinze escudos, ia comprar o milhito, ia comprar o milho para para moer, para co- para cozer para comer, ao fim de [vocalização] aí quatro, cinco dias, um alqueirito de milho [vocalização], começava a minha mulher: "Ó Arquibaldo! Ai Jesus! Só temos três broas"! "Só temos quatro broas"! e eu, pronto. "E agora onde é que vamos buscar o dinheiro"? E juros em cima de mim! Chegava-se a um ano – passava-se num instante –, os juros a sete por cento…
INQ1 Pois.
INF Eu lá ia arranjando, poupo daqui um bocadito, chegava lá, já não… Nunca deixei juntar os juros. Ia pagando, pagando, pagando, lá fui. Depois aborrecemo-nos com um guarda que havia aqui, [pausa] aborreci-me , e fui e disse: "Pronto! Vou deixar de de andar na floresta". Agarrei-me então à agricultura, fiz [vocalização] uma quinta, olhe, dacolá daquesses, em direcção daquele posto de [vocalização] telefone, naquele naquele corte que tem aquela… Chamam aquilo…
INQ1 Não estou a ver. Aonde?
INF [vocalização] Aqui à nossa frente.
INQ1 Aqui mesmo?
INF À frente daquele meu bocado grande, em cima, cá em cima. Não tem na frente [vocalização] daquele bocado grande, não tem ali uma u-, u-?…
INQ1 Umas couves?
INF Não, não. Ele não é as couves. As couves é ainda mais para cima. É cá fo- lá fora da parede, não tem ali
INQ1 Sim.
INF um um?… Chamam a gente aquilo uns carrasqueiros.
INQ2 Sim.
INQ1 Sim.
INF Dali você vê uma quinta que eu fiz lá em baixo,
INQ1 Rhã-rhã.
INF que dá-me noventa alqueires de milho e dá-me duas pipas de vinho.
INQ2 Mas…
INF Surribei aquilo tudo de noite!
INQ2 Ah!
INF Tudo de noite!
INQ2 Mas a terra era sua?
INQ1 E o senhor sozinho?
INF A terra é minha.
INQ1 E o senhor sozinho?
INF Sozinho.
INQ1 A sua senhora não o ajuda? Portanto …
INF Coitada! Ela, ela Ela cuidava cuidava das vaquitas
INQ1 Pois.
INF e do m- e do meu filho, que hoje é um homem já. Era pequenito!
INQ1 Pois.
INF E ela, coitada, fazia as voltitas, fazia-me o comer e ia-mo lá levar…
INQ1 Claro. Mas aqui as mulheres também trabalham na terra, ou não?
INF Então não trabalham?! Ai, minha senhora, trabalham mas trabalham! Mas é a trabalhar, não é a dizer que [vocalização]… Trabalham. Trabalham até bem muito! Depois eu agarrei-me àquilo, comecei a surribar, comecei a meter gadito [vocalização]… Tinha só vacas, uma bezerrita; depois comecei a ter duas vacas, depois passei a três, passei a quatro, foi indo, foi indo, foi indo, aquilo começou a aumentar, o meu filho criou-se! Foi a [vocalização] Foi para a tropa – assentou praça em Aveiro, lá foi para Viseu… Olhe, quando arrebentou aquilo lá na Angola,
INQ1 Sim.
INQ2 Sim. Em se-…
INQ1 Em sessenta.
INF estava ele mobilizado para lá. Estava ele mobilizado já para lá. E eu arranjei com uma senhora em Viseu, [pausa] a senhora Berenice, [pausa] e ele mandou-me uma carta… Naquele tempo nem havia telefone, nem havia nada, e ele que me mandou uma carta: "Pai, venha-se [vocalização] venha-se despedir de mim, que eu vou [pausa] segunda-feira"… Isto foi numa sexta-feira. "Que eu segunda-feira vou para a vou para fora, vou para a Angola". Ai, meu Deus! Só aquele filho! Agora é que ela está… Bem, e aqui n- no povo quan-… Eu tenho dois dias de água durante a semana. Dois dias de água. Mas naqueles dias de água, ninguém vê rega um talhadoiro de água senão eu. Naqueles dois dias, a água é só minha! Ninguém Ninguém vai regar. A água [pausa] é toda minha. Olhe, quer ver, e eu fui: [pausa] "Ai, isso agora como é que vai ser"? Mas o pedido dele, do meu filho, era um padre que havia em Manhouce, que é o padre Artur, era primo do Governo Civil de Viseu.
INQ1 Rhum-rhum.
INF E eu fui, mandei a minha mulher, disse: "Vai já, já, já, já, vai vai ao [vocalização] a Manhouce e vai ter com o padre e diz ao padre que vá para Viseu, que o moço que vai embora" – isto foi numa sexta-feira –, "que segunda-feira que ele que vai embora. Que eu, [pausa] acabo de regar esta água"… E fui por aqui abaixo, fui a Padruça, passei à ponte de Teixeira… Ah, eu a chegar à ponte de Teixeira e a camioneta a chegar; se eu demorava um bocadito, até urinar, já não já não apanhava a camioneta.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF Todo molhadinho! Cheguei lá, entrei para dentro da carreira, lá fui para Viseu. Cheguei a Viseu, [pausa] fui ao quartel. Eu a chegar ao quartel e o padre e o Governo Civil a sair do quartel para fora. Saíram do quartel para fora, digo eu assim: "Ó senhor abade, então"? Diz ele: "Ó Arquibaldo, [pausa] já ninguém acode ao teu filho"! O Governo saiu, esse não me ligou nada; caminhou lá o caminho dele e o padre ficou, a conversar mais eu: "Olha que ninguém acode ao teu filho. Vai e vai mesmo! Mas que há-des tu fazer?! Tem que se confortar"… e tal, tal. Aquelas conversas a mim não, não não gostava delas. Pois claro.
INQ1 Pois. Claro.
INQ2 Pois claro.
INF Depois eu vou assim: "Ai, agora como é que me aca- acabam de vez com ele"! Digo eu assim… Olhe que eram quatro horas e eu em jejum. Quatro horas da tarde, [pausa] ali em Agosto, e eu em jejum! Ai Jesus! Digo assim: "Ó senhor abade, eu quero comer". Diz ele: "Olha que eu também estou só com o café". "Então vamos lá, vamos comer". Por sorte, entramos assim, só atravessava-se uma rua, e estava ali um restaurantezito, um uma coisa mais [pausa] pobre. Estava ali. Estava Veio ali uma rapariga muito linda servir-nos. E eu disse para ela assim: "Olha lá, tu não sabes aqui quem é que em Viseu pode dar um jeito a um rapaz [vocalização] que está para ir para fora e esse homem é é o único filho e e se ele vai embora, que há-de ser de mim e da minha mulher"? Diz ela assim: "Olhe", chegou-se, agachou-se assim [vocalização] – o padre estava dacolá [pausa] da mesa e eu estava aqui –, ela [vocalização] chegou-se a mim: "Olhe, tem aqui uma senhora, que é a senhora Berenice, se essa não lhe valer, não vejo quem é que lhe vaila". Digo eu assim: "E onde é que ela mora"? "Olhe, você vê aquela porta – enviscou-se assim um bocadinho –, olhe, aquela porta, você vá p- àquela porta e assuba. No segundo andar, à direita, ela mora lá". Digo eu assim para o padre: "Ó senhor abade, vá lá. Vamos lá". E o padre: "Não, não. Eu não vou lá. Vá lá você"! Eu já não comi. Che- Estava a comida no… Já não comi! Estava ali, atravessei a rua, subi por ali fora, pela escada fora, tumba, tumba, tumba, cheguei lá, à direita, lá estava a porta. Eu [pausa] carreguei no botãozito: trrr, a campainha… Ela veio à porta – uma senhora muito linda! Ai que senhora linda! [vocalização] À porta, abriu só assim um bocadinho da porta: "O senhor o que é que quer"? Nunca me tinha visto de mais lado nenhum e eu a ela também não. Disse: "Olhe, aqui não é que mora a senhora Berenice"? Diz ela: "É, sim se-. É. O senhor o que é que lhe quer"? "Olhe lá, está um um filho meu está para ir para fora, e já tem tudo [pausa] coisa, e eu [pausa] queria ver se a senhora lhe dava algum jeito para ele não ir". Diz ela assim: "Ai, [pausa] quem é que o mandou para aqui? Eu não me meto nisso"! Digo eu: "Ó senhora Berenice, você, a senhora, não me a- não me faz isso porque não quer. [pausa] Porque a senhora podia-me valer [pausa] ou [vocalização] valer ao meu filho". Diz ela assim: "Pois é, mas eu, não, não, não nisso"! Mas começou a abrir a porta e ficou à vontade como a senhora está mais eu.
INQ1 Pois, pois.
INF Começou a conversar, diz ela assim: "Olhe"… Estive eu a contar-lhe, que era só aquele filho e que tinha só aquele filho e [vocalização] que e que é que havia de ser de mim a mais a minha mulher que era uma mulher doente – e é. E aonde diz ela assim: "Mas não, então eu que faço"?! Mas ela ouviu, ouviu , ouviu e eu tanto lhe pedi, e ela, diz ela assim: "Olhe, você vai hoje embora"? E eu disse: "Não, senhora Berenice". "Você onde é que vai ficar"? Disse: "Olhe, eu fico aqui nessa pensão da senhora Bernardete". Diz ela assim: "Olhe, você logo quando for dez e um quarto ou dez menos um quarto apareça aqui, que eu, eu digo-lhe qualquer coisa". Eu já fiquei todo contente! Já a minha o meu coração parece que ficou mais à vontade.
INQ2 Pois.
INF Depois [pausa] eu fui para dentro e e o meu a minha comida estava lá e o padre ainda estava a comer. Diz a [vocalização] cachopa: "Então"? Disse: "Olha, foi assim, assim". "Já não vai lá fora. [pausa] Você vai ver que o seu filho não vai lá fora". Digo assim: "Se ele não for lá fora, se ele for que não vá lá fora, dou-te dois contos". Diz ela: "Estão ganhos". Digo eu assim: "Pois e-, e eu e eu que tos dou já"! Diz ela: "Não, não. Você, logo, então, ela mandou-o lá ir, você logo vai lá". A cachopa lá me preparou uma cama e disse: "Olha eu vou venho ficar aqui". "Está bem! Olhe, o seu quarto vai ficar ali". E eu e a cachopa lá… Muito boa rapariga! E eu fui, quando foi dez e um quarto, dez menos um quarto, chegou lá uma miudinha – que estava lá mais ela, quando eu que estava a falar com ela, uma miudinha pequenina, assim para aí com uns cinco anos, quatro, cinco anos –, e a cachopi-, a menina, só atravessava a rua, atravessou assim a rua e chegou lá: "A madrinha disse que o senhor viesse lá". [pausa] Fui logo atrás da miudita. Cheguei lá, estava lá o tenente-coronel, [pausa] o tenente-coronel.
INQ2 Oi!
INF Estava lá assentado. Era amigo dela. Assentado! Ela era Ela era solteira.