INQ1 Agora já não, já não há casas cobertas com palha, pois não?
INF Não. Ainda Ele lá no no Covo ainda…
INQ1 Ainda há?
INF Não. Já acabou. Ainda o ano passado lá havia uma, lá um palheiro lá donde digo. O telhado que tem agora é telha.
INQ2 Então e aqui também era? Aqui neste?…
INF Era. Tem outra casita. Olhe, acolá era a cozinha e aqui era outra, outra outra casita que era melhor, mais melhorzita d- do que o coiso. E o outro morador já é o inquilino dacolá daquele lado.
INQ2 Portanto, eram os tais moradores. Está aqui muitas…
INF Era. Era dois. Era dois só. Dois. Eram dois mora-.
INQ2 Isso já lá vai quantos anos, senhor, senhor Arquibaldo?
INF Ah, isso já vai [pausa] lá perto de duzentos anos. Duzentos anos, não, porque o outro o homem morreu já se recusava. Ora o homem já morreu quando foi o ciclone um ciclone muito grande…
INQ1 Sim.
INF Que ele nós fo-… Olhe que eu fui a mais um um primo meu buscar o caixão a Gatão, para o homem ir para a sepultura. E olhe que a gente vinha um atrás outro adiante, com o caixão ao ombro. E quando tal, caiu um pinheiro, [vocalização] que o vento jogava o pinheiro abaixo.
INQ1 Sim.
INF E a gente, depois, vinhamos aqui acima a chegar à Felgueira e depois então… Foi no tempo do minério! As senhoras recordam-se do minério?
INQ1 Não.
INQ2 De qual minério? Do volfrâmio?
INF Do volfrâmio. Pois, pois. Recorda-se isso? Foi…
INQ2 Não, mas já li coisas sobre isso.
INQ1 Já.
INF Pois. Foi nessa altura.
INQ2 Pois.
INQ2 Isso já lá vai quanto tempo? Já lá vai muito tempo.
INQ1 Isso foi…
INF Sei lá. Eu sei lá.
INQ1 Eu não sei se isso não foi no… Não.
INQ2 Princípio do… Princípio do século.
INF Não, não. Não.
INQ1 Não, não. Anos quarenta parece-me. Eu acho que isso foi, do minério, em 40.
INF Para aí quarenta. Ou quarenta ou quarenta e tal; devia sê-lo em quarenta; ou em quarenta ou em quarenta e tal.
INQ1 O ciclone.
INF E depois iam muito homens, muitos que andavam no minério, por aí abaixo – a chover! – e eles eram para mim e para um mais um primo meu que vínhamos com o caixão – mas nem à mão o podíamos trazer, 'trazíamos-o' ao ombro, um atrás, outro adiante –, diz assim: "Ó homem, vocês vão vão-se botar a matar por quem já morreu"? Porque aquilo era: volta e meia caía um pinheiro, da banda diante da gente, outros a b-, às vezes, da banda de trás, e a gente… Meu amigo, o homem tinha que ir para a cova… Lá viemos. Fomos só quatro pessoas ao, quatro homens a levá-lo à co-, à [vocalização] , o homem, à cova. [pausa] Ao ombro!
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Ao ombro! Olhe como eu sou a mais esta senhora e [vocalização] botamos um pau, e o caixão entre nós, e outro aí atrás e levamos assim acolá, ali abaixo à Lomba, à cova. Que ele dizia que ele nos… Dizia aquilo. Ele uma vez a ler, ali atrás com as vacas, eu era rapazote pequeno, e ele disse ao acaso – que diziam lá no livro – que havia de haver uma guerra – não! que havia [vocalização] –, que os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos. O livro lá, ele não se constavam aviões – nunca ninguém fala em aviões. E o livro dizia que o [vocalização] os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos. E quando nós visse estas t- estas serras todas cortadas, de estradas e tudo do homem, que o mundo que era um paraíso – e já está! –, que ele que o mundo que durava pouco.
INQ1 Ah!
INF Que a terra que havia de ser pólvora, [pausa] a água que havia de ser gás [pausa] e a, e o e as pedras ser enxofre.
INQ1 Hum!
INF Olhe que eu, eu dava hoje mais de vinte contos por aquele livro, [pausa] se eu o tivesse. Mas depois ele morreu e ficou aí um, um um sobrinho dele [vocalização] a estragar tudo… Mas é um livro assim [pausa] de coiro sempre e tal sem metal. Isso é que era um livro de dizer coisas! E diz que havia de haver uma guerra na Europa e já ve- e já houve.
INQ1 Rhum-rhum.
INF E diz que há-de haver uma guerra – mas essa ainda não veio! – que há-de ser vencida por os homens de sessenta anos no Campo de Ourique em Lisboa.
INQ2 Hum!
INF Olhe que o homem leu isso lá diante de mim e eu nunca mais me esq- passou de ideia. Eu já era um rapazote aí com os meus onze dos doze anos ou treze. E ele disse que havia de haver uma guerra [vocalização] em Portugal, que há-de ser vencida pelos homens de sessenta anos em [vocalização] no Campo de Ourique em Lisboa, que já não havia de haver era mocidade nenhuma.
INQ1 Ai, meu Deus!
INF Que os homens de sessenta anos que é que haviam de fazer uma guerra! E que as mulheres, nestas aldeias, quando vissem um homem – quer dizer, cá como os aciprestes, quer dizer, como os padres – e quando vissem um homem que haviam de dizer assim: "Louvado seja o Senhor, lá vem um homem"!
INQ2 Meu Deus!
INF Olhe que aquilo no livro! E ele eu, o homem leu aquilo diante de mim!
INQ2 Pois, pois, pois, pois.
INF Diante de mim e um tio meu, dois tios meus. E eu era miudito fiquei com aquilo na ideia, depois bem queria bem andei até às voltas dos sobrinhos dele a ver se lhe caçava esse livro. De coiro, hoje, não o dava antes que me dessem cinquenta contos.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Pois.
INF E eu naquela altura, eu dava o que bem fosse e os sacanas estragaram-no e [vocalização] . Mas aquele era um livro! Aquilo era um homem a saber ler e a saber a saber as coisas, sabe?
INQ1 Pois, pois.
INF E a gente, olhe, e que ainda é outra coisa que ele dizia: que para a fim do mundo que a gente que não havia de conhecer o Verão do Inverno senão pelas folhas. Nós estamos a chegar aí.