INF1 Vinha cá quando morreu a minha mãe… Olhe que a minha mãe morreu num dia – no dia três de Junho – e um tio meu no dia quatro.
INQ1 Ah!
INF1 Veio o padre para enterrar a minha mãe, estavam ambos os dois mortos em casa. , [pausa] Olhe que foi duro!
INQ2 Pois, pois.
INF1 Depois inventários, dois inventários, porque nós era tudo menor, só só ele é que era o mais velho, é que tinha é que era de maior idade, [vocalização] pronto. Aquilo [pausa] meu amigo! E ele tanto que viu ele aí sempre a pedirem dinheiro ao meu pai, pois disse: "Olha! Eh rapaz", – veio lá a nossa casa e disse para o meu pai – "eh rapaz, eu vejo-te gente sempre aí a pedir o dinheiro, se tu quiseres faz-me uma escritura de quanto tens e eu [pausa] e eu pago a tua dívida". Ora poça! O meu pai começou a chorar. Homem, ó senhoras, olha que eu não tenho passado d- das duras! Começou a chorar e disse: "Então e que há-de ser dos meus filhos? Então, eu vou fazer um… Temos uns lugaritos onde temos o gado". Diz ele: "E casas e [nome]". Queria uma escritura em tudo quanto quanto ele tinha.
INQ1 Não queria mais nada.
INF1 O meu pai começou a chorar e a dizer assim: "E [vocalização] os meus filhos"? Diz ele assim: "Eu não quero saber dos teus filhos. Empresto-te o dinheiro e"… Mas ele queria era as terras.
INQ2 Pois.
INF1 Eu já era um rapazinho com os meus dezasseis anos [pausa] – mas era novito! Ele com dezasseis anos era novo, naquele tempo. Um homem com dezasseis anos… Eu tinha catorze anos e ainda ia para as festas descalço, homem.
INQ2 Pois, pois.
INF1 Sabe, a miséria… Ia para alá; lavava os pézitos, ia para a para as festas [pausa] descalço. A senhora sabe o que é uma festa?
INQ2 Pois.
INF1 Há muita gente e arraiais e tudo. E hoje
INQ2 Mas aqui antigamente andava muita gente descalça, não?
INF1 Andava! Anti-, ant–
INQ2 Quase toda a gente andava descalça?
INF1 Quase Quase toda a gente. Hoje não! Mas naquele tempo eram todos. A gente, umas botas?! E a E o meu pai comprou-me umas botas e aquelas botas levaram-me a Lisboa. [pausa] Com catorze anos comprou-me umas botas e aquelas botas levaram-me a Lisboa, sabe?
INQ2 Pois, pois.
INF1 E depois ele foi, comecei eu de volta do meu pai: "Ó pai, eu que- eu tenho que ir para Lisboa! Eu tenho que ir para Lisboa"! Diz ele: "Ó filho! Para onde é que tu vais?! [pausa] Eu já lá andei. E olha que um homem para lá, 'há-dem-lhe' dar uma bofetada e apanhar outra". Quer dizer, que fosses já um homem! "E tu és tão tão fraquinho! Para onde é que tu vais"? Disse: "Já há-de ser o que for. E, olhe, eu, ou hei-de pagar as suas dívidas ou nunca mais cá torno".
INQ2 Boa tarde.
INQ1 Boa tarde.
INF2 Boa tarde.
INF1 E depois assim foi – sabe? –, assim foi. E a- E arranjei e paguei aquilo tudo, sabe?