INF1 Olhe, eu uma vez fui à à coisa fui à [vocalização] . Então, ele comprava-se ovelhas. Íamos ele ali ao Castro de Aire [pausa] – não sei se as senhoras sabe o que são?
INF2 Ao Castro, pois.
INQ1 Sei.
INQ2 Sei, sim senhora.
INF1 A [vocalização] A Castro de Aire e eu fui mais o Asdrúbal a [vocalização] comprar… O animal compra-se-lo – conheces o Bernardino?
INF2 Sei, sei. As senhoras não o conhecem mas a gente aqui conhece.
INF1 Fomos lá comprar ovelhas. Eu Ele não tinha nenhumas e fui lá comprar umas ovelhas. Fui lá comprar umas ovelhas a mais ele e lá tudo correu bem. Viemos, saímos de lá, ch- viemos ficar a Reiriz. Chegamos lá a uma loja, nem tinha pão, nem… Só tinha figos! E nós mortos de fome! Diz o homem assim… Ele pediu o [nome] para guardar o gado; trazíamos algumas cinquenta reses, e era ovelhas. Diz ele assim: "E agora"? O outro para mim: "E agora"? Diz ele: "Ó senhor, ai" – diz ele – "ele não há u- uma corte" – aqui é um curral; noutro lado é umas cortes é um – "para meter o gado"? Diz ele: "Há aqui". Mas a gente duvidou duns gajos que lá estavam.
INQ2 Hã?
INF1 Duvidou.
INQ2 Ah!
INF2 Duns que estavam.
INF1 E Que eles era a conversar uns com os outros, e a conversar e a tudo…
INF2 Que às vezes podiam roubar o gado de noite.
INQ2 Pois, pois, pois.
INF1 Até podiam nos roubar o gado. E era muito dinheiro que a gente trazia.
INF2 É!
INF1 E depois fomos lá ficar [pausa] ao curral onde ficou o gado. Saímos de manhã cedo. Olhe, comemos aí às para aí às duas horas da tarde e só comemos ao outro dia [pausa] para aí às dez horas do dia, ou onze horas. Viemos ficar à Macieira. Viemos ficar…
INF2 Às Macieiras.
INF1 À Macieira, à Macieira. Não é Macieiras. É a Macieira.
INF2 Sim.
INF1 Ali abaixo do São Macário.
INF2 Sei.
INF1 Ali àquele à povoação. Mas encontra-se gente boa.
INQ2 Pois.
INF1 Chegamos lá, eu já não podia caminhar. Eu já não podia caminhar com a fome! E depois, chegamos lá, à noite, já eram ele [vocalização] já umas dez horas da noite, chegamos lá… Eu vinha com uma febre, com uma dor de cabeça e febre, pronto! [vocalização] Vinha doente, pronto! Depois digo eu assim para ele:"Olha, ficamos em qualquer sítio; não se solta as ovelhas; eu já eu não caminho mais". Vai, fomos lá bater à porta duma pessoa, dum homem, e ele disse: "Olhe, é que eu estou casado há pouco; não tenho roupas para vos deitar. Olhe, a responsabilidade do gado eu tomo, que eu meto-o onde está o meu. Mas eu não tenho roupas para vos deitar".
INF2 Nalgum tempo havia miséria!
INF1 Diz ele assim: "Olhe" – o lá o meu companheiro –, "olhe, você fica com quinhentos escudos e empresta-nos quatro cobertores, quatro" – [vocalização] a gente é mantas, daquelas de de lã…
INQ1 Sim.
INF1 " [vocalização] Empresta-nos quatro mantas que o meu companheiro vem doente e está muito mal e eu e você veja lá se sabe"… Diz ele assim: "Olhe, eu não posso mas o meu irmão pode". O homem, o rapaz depositou quatro contos e trouxe quatro mantas. Depositou quatro… Como fossem eles duvidar de a gente fugir com a roupa.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Pois claro.
INF2 Então?!
INF1 Isto, ele há coisas há coisas… E eu sem… Ia eu sem e ia ele sem comer! Chega lá, oiçam, diz assim: "O senhor não não tinha aí nada para se comer"? Diz ele: "Não". "Então,olhe, faça-nos aí [vocalização] ferver um bocadito de água e pôr-lhe açúcar" [pausa] – porque eu era para eu beber.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Pois.
INF1 Lá passei aquela noite assim… Olhe que há quase dois dias sem comer.
INQ1 Ai, meu Deus!
INF1 Depois lá bebi aquilo, ao outro dia parece que estava melhor. Parece que estava melhor… Chegamos mais para diante, que era para a casa do Asmodeu, um dos senhores chamavam-lhe o chamado o Asmodeu, tinha duas raparigas mais lindas, mais lindas! Duas raparigas boas! Andavam a encher um carro de estrume, um carro com de esterco. Encheu o carro, diz ela diz ele assim: "Ó [vocalização] patrão, você não nos arranjava aí qualquer coisa de comer"? "Ó homem, você vem já atrapalhado logo de manhã"?! "Olhe que nós só comemos ontem, às três horas da tarde, às duas horas da tarde". Diz ele: "Venham para dentro". Metemos o gado assim no meio bem como o meu, e [vocalização] ele disse para a para as filhas: "Olha, uma vai buscar um peixe bacalhau e a outra vai buscar u-, u-, um uma broa de pão". Uma broa destas. Ó rapaz, começou começamos ali – botou-nos em cima dum carro uma toalha, uma faca –, nós começamos a comer o bac-, comemos um peixe de bacalhau todo!
INF2 E salgado, Arquibaldo!
INF1 Salgado!
INQ2 Ai!
INF1 Sal- Então a fome!
INF2 A fome é negra!
INQ2 Claro!
INF1 Comemos o peixe bacalhau, bebemos [pausa] para aí uns três litros de vinho. Eu mais ele o outro. Comemos, dizia já ele assim: "Ó homem, quanto" – perguntámos quanto era –, "bem, e quanto"?… "Os senhores não pagam nada. Os senhores vão-se embora que os senhores, na paz de Deus, de vocês não co-, não, não não cobro nada". As raparigas assenta- assentaram-se ao pé de nós, o homem ta- o pai também, a mãe também, ali comer, comer… Quer dizer, nós enchemos… Nós comemos bem!
INQ1 Ah, ah, a barriga.
INF1 E no fim deram-nos um garrafa de vinho para trazer para o caminho!
INQ2 Olhe, vê?!
INF1 E não nos quiseram um tostão!
INF2 Há gente boa!
INQ1 Ainda há gente boa!
INQ2 Pois é.
INF2 Pois há.
INF1 E os outros lambões, veja lá, depois nós entregamos-lhe [vocalização] as mantas e arrecebemos o dinheiro.
INQ2 E pagou?
INF1 Viemos embora. E a nós não nos deram nada, até a água fervida ele queria eu tive que a pagar.
INQ1 Ai, meu Deus!
INQ2 Pois é.
INF1 Só a água fervida.
INF2 Ai que gente há!
INF1 Vocês, vocês vejam: é p– é pena, homem!
INQ1 Que coisa!
INF1 Sabe Deus a vida de cada um, de quem anda por fora de suas casas…
INQ1 Pois, pois é.
INQ2 Pois, também é verdade!
INF2 Quem anda por fora de suas casas…
INF1 Oh, olhai, quem anda por fora de suas casas, apanha o bom e apanha o mau.
INQ2 É isso.