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GRC31

Carapacho, excerto 31

LocalidadeCarapacho (Santa Cruz da Graciosa, Angra do Heroísmo)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Fradesso Glória

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INF1 A senhora sabe uma coisa?

INF2 a gente não pode mais.

INF1 Eu quando me casei, casei-me com a idade de vinte e três anos e a minha mulher tinha dezassete anos e meio de idade. A gente casámos-se novos. E a gente carregámos de família. Arranjámos nove filhos! [pausa] E a sorte que eu tive foi andar sempre na pesca da alvacora e na pesca do atum. Nunca tive sorte nenhuma eu. Andei para tanto ano, nunca arranjei dinheirinho que comprasse sequer uma casa para viver. [pausa] Tenho um irmão na América que é o Francílio

INF2 Com toda essa família, até podia mesmo alugar um nada de chão.

INF1 Eu tenho um irmão na América, que é o Francílio, [pausa] que é o mais velho de todos

INF2 Eu não sei se a senhora se quer

INF1 Tenho

INQ Não, deixe estar. Eu ainda tenho tempo. Escusa de estar com isso.

INF1 Tenho

INF2 Ah, não faz mal nenhum. Eu tenho

INF1 Tenho o meu irmão Francílio que é o mais velho de todos na América vinte e seis anos, feitos no dia 24 de Agosto, passados vinte e seis anos, [pausa] nunca fez bem nenhum a irmão nenhum, nem a pai nem mãe. Que meu pai, que Deus tem, morreu oito anos!

INF2 Ah, isto é gente sua, deixe ! Cresce-lhe as orelhas!

INF1 O meu pai, que Deus tem, morreu oito anos. Morreu com sessenta e cinco anos. Eu tenho minha mãe viva e os meus irmãos todos pobres. [pausa] Que a gente não temos propriedade nem casa. Não temos coisa nenhuma!

INF2 Eu tenho uma coisinha e não olho para os outros.

INF1 Não tenho nada de meu. Não tenho. Eu era de família Eu era de família pobre. A gente não tem A gente não tem Nada tem dinheiro!

INF2 Rhum!

INF1 Quando foi agora então ultimamente, a minha irmã, coitadinha, carregada de filhos, e conseguiu ir tirar os papéis americanos, [pausa] foi três vezes ao exame

INF2 Coitada! Por isso, Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar!

INF1 E ela foi carregada de filhos! Levou sete filhos consigo.

INF2 É a vontade.

INF1 E ela foi com [vocalização], foi foi por três vezes ao exame [pausa] para tirar para jurar a bandeira americana, para tirar os papéis para chamar a gente [pausa] e sempre ao fim de três vezes que foi [pausa] não tirou.

INF2 Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar!

INF1 Ora, uma irmã minha, [pausa] o marido sempre tinha uma casinha sua, e tinha mais uns arbustos, fazia setenta ou oitenta contos, ou cem. [pausa] Sempre pensou em ir e foi. [pausa] E fez dois anos agora [pausa] no tempo das vindimas.

INF2 Quem vai sempre se amanha.

INF1 Foi. [pausa] E veio carta para ela, como veio para mim, e para o meu irmão. "Francisco, mas tu estás aqui a vender peixe, Francisco"? Um que anda em negócio, que é com vinho, que anda sempre em cabelo [pausa] A senhora está a ver, está está a saber quem é?

INF2 É um rapaz baixo.

INF1 É isso mesmo.

INF2 Também dizem que ele é sobrinho da Goreti.

INF1 Pois é isso mesmo.

INF2 Ai, conheço muito bem esse rapaz!

INF1 É É isso mesmo. É o meu irmão Francisco!

INF2 Outro dia é que eu conheci a mulher dele. É perfeita! E os seus pequeninos!

INF1 O lourinh O louro, é [vocalização] um rapazinho forte. É isso mesmo. É o meu irmão.

INF2 Pois, e foi no dia da Senhora do Livramento que eu perguntei: "Este senhor é seu marido"? E é que a rapariga disse que era.

INF1 Quando a gente tivemos a carta todos juntos, [pausa] o meu irmão nega-se, não quis ir. O meu cunhado sempre tinha uns pataquinhos [pausa]

INF2 O senhor quantos anos é que está casado?

INF1 Eu? vinte e quatro. vinte e qua- vinte e três , e a pegar em vinte e quatro. Vou Não. Vinte e três anos feitos no dia 4 de Maio.

INF2 Eu no tempo [pausa] Eu no tempo que eu me casei ganhava-se era a quatro escudos.

INF1 Sim.

INQ Quanto?

INF2 Quatro escudos.

INQ Por dia?

INF2 Cada dia. Sim senhora. E ainda comprámos

INF1 Isto aqui era uma miséria! Isto aqui era uma miséria completa, homem!

INF2 E ainda comprámos E ainda comprei um bocadinho de pa- de pasto e terra.

INF1 Rhum-rhum.

INF2 E na outra banda comprei um bocadinho de mato. Mas também era a apertar bem, bem, bem para dentro. Os ovinhos das galinhas eram poucos, queria mandar para a loja para sabão e petróleo e fósforos. E [vocalização] o meu homem trabalhou para o senhor meu sogro, um ano, por um alqueirinho de milho. Um alqueirinho de milho era abondo

INF1 Isso era um tempo desgraçado! Isso era o tempo mais triste que pode haver.

INF2 Oh! E o meu homem trabalhou vinte e três anos e ele tinha [vocalização] sete reses, nem sequer lhe deu-lhe uma juntinha de gado, e o meu homem ainda trabalhou para isso.

INF2 Ninguém lhe agradece.

INF1 Não passávamos fome mas também não tínhamos grandezas.

INF1 Está claro! Portanto

INF2 Até eu, era uma coisa que eu era habituada em casa de minha mãe, ter o meu café e leite, e ele comprou gado, comprou carro, comprou arados, e grade, estas coisas todas e nunca mais cheguei a beber uma pinguinha de café, senão daí a um ano, pelas matanças.


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