INF1 A perna criou o erisipelão todo. O homem começou a ficar mal, veio lá para Lisboa – veio da terra, das férias –, veio para Lisboa, começou a ficar muito malzinho, muito mal, muito mal, foi para o hospital. Foi para o hospital, não lhe fizeram lá nada. Tornou a [vocalização]… Disseram-lhe que talvez [pausa] fosse preciso cortar-lhe a perna por aqui, pelo quadril. [pausa] Era um marceneiro, mas era um marceneiro! Era um santo homem. E depois [vocalização], coitadinho, vinha lá todos os dias o enfermeiro dar uma injecção e e curá-lo, tratá-lo.
INF2 Cortaram-lhe a perna?
INF3 Não senhor.
INF1 Não senhora. Depois ele diz que cada vez que estava pior, cada vez estava pior.
INF2 Pois é! Estas coisas não lhe vale de nada remédios da farmácia.
INF1 Eu, um dia… Quer ver, eu vou-lhe dizer: eu, um dia, ia a sair para a venda, ia ter com o meu Emanuel – que ele tinha ido à Ribeira buscar o peixe e eu ia ter com ele, ao encontro dele para o ajudar para. Ele pesava e eu levava-o às freguesas, que lá [vocalização] não vêm as freguesas à rua. Vai a gente tudo às casas. Depois, o meu Emanuel… [vocalização] Eu ia a sair e as, a, a a porteira disse-me assim: "Ó dona Ercília, ó dona Ercília"! "Diga, dona Eufêmea"! "Olhe, se vossemecê fizesse o favor logo de vir aqui ver o senhor Estevão. Está tão malzinho, tão malzinho"! "Então o que é que ele tem"? Disse-lhe eu: "Que tem ele"?
INF2 Pois.
INF1 "Olhe, eu agora não tenho tempo, que vou ao encontro do meu marido para o ajudar". "Mas a dona Ercília quando vem vem cá"? "Venho, sim". Lá fui. Ai, aquilo estava uma miséria! Olhe, os médicos…
INF2 Pois, os remédios não, para aqueles males [vocalização], dêem-lhe fogo!
INF1 Olhe, receitam… Olhe, olhe, receitaram-lhe banhos de permaganato. Aquele permaganato meteu-se naquela pele – a pele era desta altura, a pele. E a perna toda, pé e tudo [pausa] muito inchado, muito inchado!
INF2 Os doutores não querem crer nestas coisas.
INF1 Aquilo metia até metia medo! Olhe, eu só lhe atalhei o erisipelão. [pausa] E fui-lhe cortar umas poucas de folhas de hera – lá ao jardim do Miradoiro – umas poucas de folhas de hera, umas poucas de … É aquelas folhinhas que eu vi que faziam bem.
INF2 Pois.
INF1 Cozi-lhas todas. Tirei-lhe as peles todas por fora e depois com farinha triga e azeite… Eu primeiro [vocalização] com uma tesoura que desinfectei, [pausa] cortei-lhe as peles.
INF2 Cortaste-lhe as peles.
INF1 Eram lençóis e toalhas a apanhar aquele pus todo. [vocalização] Era um pus muito amarelo!
INF2 Oh, coitadinho! Cortavam-no todo!
INF3 Cortavam-lhe a perna, não estavam já para lha cortar!
INF1 E depois apanhei aquilo tudo e cu- curei-lha. Aquela vez curei-lha assim. Pus-lhe [vocalização]… Ainda não tinha lá as folhinhas. Depois de fazer aquilo é que eu fui apanhar. Curei-lha assim. Tirei-lhe aquela água toda fora, esfreguei-lha com um bocadinho de azeite quente, pus-lhe por cima a gaze, assim, e à tarde… Isto foi ao, ao meio-dia. À noite tornei lá já com as folhinhas todas cozidas. Cobri-lhe tudo, tudo de de azeite; depois farinha triga, e depois pus-lhe as folhinhas todas, todas por cima; e depois embrulhei-o todo num lençol fresco, todo assim. Ficou assim com a perninha. Quando foi ao fim de oito dias o homem estava quase sarado. Foi lá o enfermeiro. Foi lá o enfermeiro e disse assim: "Então [vocalização] "… Ele dava-lhe a injecção à mesma. "Então não não me deixa ver a sua perna"? "A minha perna está melhorzinha". Ele dizia-lhe sempre que estava melhor mas não lhe dizia ao quem lha andava a tratar. Bem, ele lá andou, um dia calhou eu a estar-lha a curar e entrou o enfermeiro. Entrou o enfermeiro, esteve a ver a minha vida. Esteve a observar o meu tratamento. E no fim, ao outro dia, tornou lá sozinho, esperou a altura que eu lá não estava, e o enfermeiro disse-lhe assim: "Então, senhor Estevão, aquela senhora o que é que lhe é"? "Olhe, não me é nada. É minha vizinha. É minha vizinha, mas é muito jeitosa"…
INF2 Ora, pois, pois.
INF1 "Cura muitas Cura muitas coisas com os remédios caseiros e aqui a [vocalização] nossa porteira lembrou-se de a cá mandar e, olhe, estou todo satisfeito com ela! O senhor quer ver a minha perna"? Desembrulhou-a já toda sequinha! Já toda… Já tinham aquelas
INF3 A largar aquelas…
INF1 Aquelas peles, já tinha cortado tudo, já estava tudo a criar coirinho, tudo a encarnar. E ele ficou todo satisfeito. E depois mais tarde tornou lá a diz- ver como é que eu fazia, hã?! Ele andava sempre a ver se me lá apanhava, a ver como é que eu fazia. E foi dizer aos doutores: "Médica é uma uma senhora que mora na Penha de França, que é mulher dum peixeiro. E E olhe, tem… Fulano assim, assim está tratado. Ela é que o tem tratado com estes remédios". Explicou-lhe tudinho, tudinho, tudinho, tudinho. Quantas pessoas depois lá bateram!
INF2 É verdade.
INF1 Fui eu quem tratei o homem. Mas também lhe digo: a mulher… Chamavam-na dona Eufrosina, tinha só, t- tem só duas filhas. Ele morreu agora há pouco tempo. Tem só duas filhas. No dia de Natal, no dia nas vésperas do Natal, olhe, um cesto grande de carga. Olhe, ela levou-me farinha, figos, pinhões, açúcar, arroz,
INF2 Trouxeram mais sempre.
INF1 bacalhau, olhe, [vocalização] quan- de quanto havia na loja, de quanto me ela levou um cesto.
INF2 Aquela minha vizinha…
INF1 Um cesto! Um cesto de carga!
INF2 Aquela minha vizinha, aos maus tratos que lhe fazem a quem lhe eu fazia, Nosso Senhor lhe c- lhe dê o castigo que ela merece! [pausa] A gente fazer bem…
INF1 Sempre!
INF2 É para com Deus!
INF1 Olhe, ele era tão nosso amigo, tão nosso amigo, se nós precisássemos todos os dias…
INF2 Fazemos bem! Fazemos bem a Deus!
INF1 Se nós precisássemos todos os dias que nos ele lá fosse fazer qualquer coisa a casa, ele ia sempre. Era um grande marceneiro. Mal empregadinho homem em já morrer ele já morreu!