MLD32

Melides, excerto 32

LocalidadeMelides (Grândola, Setúbal)
AssuntoNão aplicável
Informante(s) Geraldo Guilhermina

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.


INQ1 Como é que o senhor se chama?

INF1 Geraldo Isaías Isidoro.

INQ1 E tem setenta e cinco?

INF1 A 7 de Julho é mais um. [pausa] Não sei o que hei-de fazer, se fuja daqui para ele não vir ter comigo. Risos

INQ1 Acho que sim.

INF1 Ai minha mãe!

INQ1 Olhe, e os seus pais, portanto, eram daqui também?

INF1 Eram, nascidos no Parral. É aquele monte grande ali.

INQ1 Ah, ali em baixo?

INF1 A minha mãe foi ali nascida. O meu pai era do Barranco um monte que chamam o Barranco [pausa] mas é na freguesia.

INQ1 E o senhor também nasceu aqui?

INF1 Nasceu. Tenho sete Éramos sete irmãos.

INQ1 E ficou sempre a viver aqui?

INF1 Sempre.

INQ1 Ou , ou andou por outros sítios?

INF1 Não. Fui à tropa .

INQ1 Pois.

INF1 A Setúbal.

INQ1 Sim senhor.

INF1 A senhora não é de Setúbal?

INQ1 Não, sou de Lisboa.

INF1 Lisboa? [pausa] Fui à tropa, e fui tirar a carta e agora vou , não não sei onde estou, não conheço nada daquilo. Risos

INQ1 Pois. Andou à escola, o senhor?

INF1 Não. Eu aprendi a ler e a escrever sem ninguém me ensinar.

INQ1 Ah sim?

INF2 Em cima da mula, não foi?

INF1 Ia fazer os mandados em cima da mula, à vila, buscar tabaco ao meu pai, e coisas, e levava o livro e ia estudando. Quando sabia, estava a mula queda à porta da cocheira em Santiago, é que sabia Risos Mas o meu pai ensinava o meu irmão Gerânio. [pausa] E a gente estávamos à roda do lume, no campo aqueles lumes para a noite, no Inverno.

INQ1 Pois.

INF1 E então decorei o livro todo. [pausa] Risos

INQ1 Rhum.

INF1 Por exemplo, [vocalização] ainda me lembra a lição mais velha e a regra do "a, , ".

INQ1 Como é que era?

INF1 Tinha aquilo tudo decorado. [pausa] Pedi ao Gerânio, que é o meu irmão, para ele dizer onde é que era, bom, aprendi a conhecer as letras todas. Mas tinha de começar além no "a".

INQ1 Pois.

INF1 [vocalização] Queria saber uma letra que estava ali primeiro no fim, tinha que começar no "a": "a, , , , é, , guê, agá, i, , , , , ó, , , , , , u, , xis, fulano, ". Era uma coisa assim, não era?

INQ1 E tinha que correr

INF1 Aprendi a conhecer as letras todas. E depois [vocalização] as lições também as tinha todas decoradas.

INQ1 Pois.

INF1 [vocalização] A maior lição do livro do João de Deus Isso não fazia falta, não é?

INQ1 Não, mas diga, diga.

INF1 Parece-me que era assim: Hino de Amor. Andava um dia em pequenino, nos arredores de Nazaré, na companhia de São José, o Deus Menino, bom Jesus. Eis senão quando no silvado andar piando e esvoaçando o rouxinol, que uma serpente de olhar guloso, resplandecente como [pausa] resplandecente como o sol e penetrante como diamante, tinha atraído, tinha encantado. Jesus diz: "Desgraçado passarinho sai do caminho". Corre a pensar que quebra o encanto, tão soluçado ou entre pranto, tão repassa- tão repassado de gratidão, uma alegria e uma ve- veemência e uma carência que que me comovia o coração. Com melodia, assim foi indo e foi seguindo de tal maneira que, noutro dia, numa palmeira que havia perto onde morava Nosso Senhor em pequenino, era certo, estava . Estava a pobre ave cantando o hino terno e suave do seu amor ao salvador. Esta era a última lição.

INQ1 Sim senhor.

INQ2 Como ainda sabe, rhã?!

INQ1 Ainda se lembra!

INF1 Tinha aquilo tudo decorado, tudo, o livro todo. Sabia a lição. As letras que diziam o nome eram mais esbranquiçadas, as outras eram mais vermelhas. [pausa] Aprendi aquilo, [pausa] sem ninguém me ensinar nada.

INQ1 É verdade.

INF1 Escrevia. Eu era era mecânico de fazer isqueiros, [pausa]mandava vir coisas do Rocha-Mar Latino, de Lisboa. Nunca me veio nada errado. Agora não sei nada. Deixei esquecer .

INQ1 Pois.

INF1 Estou no ferro velho.

INQ1 Está!!

INF1 É isso tudo.


Guardar XMLDescarregar textoRepresentação da onda sonoraRepresentação em frases