INQ E sempre viveu aqui? É daqui mesmo?
INF1 Sou cá de Monsanto.
INQ É de Monsanto ou da Relva?
INF2 É daqui.
INF1 Relva. Vá, Monsanto, [vocalização] Relva.
INF2 Relva e Monsanto é tudo o mesmo.
INQ Pois.
INF2 Tudo, tudo a mesma coisa…
INF1 Bom, é tudo Monsanto, vá. Mas [vocalização] estou na Relva.
INQ Pois. E sempre viveu cá?
INF1 Sempre, toda a vida. Nasci cá , [pausa] e cá hei-de morrer, com certeza. Vamos lá a ver .
INF2 Mora aqui ao pé de nós. Mesmo a casa dele está virada à nossa.
INQ Pois. E teve sempre esta profissão?
INF1 Sempre, sempre.
INQ Ou já trabalhou outras coisas?
INF1 Nunca fiz mais nada nenhuma.
INF2 Não faz mais nada noutro serviço senão neste.
INF1 A idade já chega para, para o tr- para o serviço. Já chega.
INQ Ah, acho que sim.
INF1 Com setenta anos nesta vida! A trabalhar de dia e de noite! Tive semanas Fins-de-semana sem me deitar… [vocalização] Dia e noite sempre a trabalhar.
INQ E nunca teve nenhum aprendiz aqui consigo?
INF1 Tive muito, muito aprendiz, mas ninguém cá ficou.
INQ Não gostam do trabalho?
INF1 Ah, não gostam?! Foram a [vocalização] passear para Lisboa e para a polícia, guarda-fiscal, guarda-republicana [pausa] e para os bombeiros. É vida mais descansada. Aqui é suja. É uma vida porca. , [pausa] Porca não é [vocalização]…
INF2
INQ Pois.
INF1 É preta, mas não é .
INQ Claro.
INF1 É pior quase o moleiro do que é o ferreiro.
INQ Ah, sim, sim.
INF1 É que ele ainda amassa a farinha e nós aqui [vocalização] ainda sacode-se e abala. [pausa] Mas enfim.
INQ E portanto, a sua família, a sua mulher também é daqui?
INF2 Também.
INF1 A minha mulher também é de cá.
INQ E a sua, os seus pais também eram daqui? Também de Monsanto?
INF1 Eram. Um era de Medelim. O meu pai era de Medelim. Veio cá a casar.
INQ Sim senhor.
INF2 Tem um filho, tem-no em Lisboa.
INF1 Tenho um filho. O filho não não quis cá ficar. Agora
INQ Não quis cá ficar a trabalhar?
INF2 Oh, quem se cá pode safar daqui…
INF1 Está lá para Lisboa.
INF2 Este trabalho do campo custa muito a fazer. No outro ano vieram para cá [pausa] vieram para cá duas meninas também a aprender o trabalho do campo.
INF1 Ele sabe. Ele sabe fazer qualquer coisa mas [vocalização] [pausa] não quis isto. [pausa] Não quis. Está no Instituto de Ecologia [pausa] empregado.
INF2 Vieram lá à nossa fazenda connosco. E diziam: "Ai! Eu gosto muito disto, mas mas anda-se cá muito mal".
INF1 É segundo-chefe lá na secretaria.
INQ Pois. Então, quando o senhor acabar, quando o senhor já não puder trabalhar, quem é que trabalha aqui?
INF1 Ah! Fica fechado. Ele não há cá ninguém quase que trabalhe.
INF2 Ninguém. [pausa] Fica logo fechado.
INF1 Quem é que há-de trabalhar?
INF2 Ninguém aprende a arte.
INF1 Este povo é muito grande [pausa] este povo. Quer dizer, o maior que por aí temos… É dos maiores .
INF2 Os arredores, tudo aqui vem a arranjar as coisas .
INQ Pois é. E depois quem é que arranja?
INF1 Se a senhora desse rai- volta a isto, isto é muito grande!