INF1 Tenho muita pena de não ter moinho. Muita!
INQ1 Pois é.
INF1 Olhe, antes queria ter… Preciso muito de dinheiro, [pausa] que não o tenho, mas antes queria ter moinho que tinha cinco ou dez mil contos. [pausa]
INF2 É o dele. Ele foi lá nascido. Foi lá nascido.
INQ2 Era a vida … Gostou!
INF1 Era a minha vida. Era a minha vida.
INQ2 Gostou!
INQ1 Mas é pena! Mas já não tem o sítio do moinho nem nada? Já não tem nada lá?
INF1 Criei… [pausa] Criei c-… Ainda lá está. Criei cinco f-…
INQ1 E porque é que não?…
INQ2 De qualquer maneira, ele foi-se embora…
INQ1 Pois, pois.
INF1 Ainda o lá podia utilizar.
INQ1 Podia fazer. Comprava…
INF1 Podia. Davam-me ordem para fazer isso. O que é é que
INQ1 Pois é.
INF1 isso era uma despesona agora! Um moinho daqueles, para colocar aquilo tudo como devia de ser…
INQ1 Pois é.
INF2 Pois é.
INQ1 Mas se calhar pode é pedir um subsídio ou assim, não? Não há?…
INF2 Eu acho que não. Cá não.
INQ1 Para essas coisas do turismo, coisas assim, não?
INF2 Eu acho que Eu acho que não.
INF1 Eu acho que não.
INF2 Eu acho que não.
INQ2 E resta saber se ainda haveria algum carpinteiro que conseguisse fazer umas, aquelas… Quem é que fazia? Era os carpinteiros que faziam isso?
INF1 Eles já morreram quase todos.
INF2 Já, daquele tempo.
INF1 Há. Há por aí. Há artistas aí.
INF2 Não sei. Daqueles dentes que faziam para as entrosas não sei se haverá agora.
INF1 Há, há! Há ainda quem faça isso.
INF2 Não sei.
INF1 Há ainda quem faça isso. Tem que fazer Quebra-se um, tem que se fazer.
INF2 Às vezes partia
INQ2 Pois.
INF2 partia um dente ou dois, lá ia ele direito ao carpinteiro para fazer os dentes para a entrosa.
INF1 Aquilo é… E ele cá viria. Ele, às vezes, aí de
INQ1 Claro.
INF1 aí de três ou qu-, ou dez anos, ou cinco anos, [vocalização] aquela entrosa precisava de ser endentada, precisava de levar dentes novos.
INF2 Porque os dentes gastavam-se. Eles gastavam-se.
INF1 Tínhamos que ir buscar um carpinteiro para endentar lá isso,
INQ1 Pois, pois.
INF1 para endentar aquilo tudo de novo.
INQ2 Era uma vida!
INF1 Aquilo eram eram vidas que eu gostava muito. E [vocalização] E levava muito boa vida! Levava lá muito boa vida, não fazia nada quase! A gente estávamos ali só então à espera do vento.
INQ1 Não fazia nada!
Risos
INQ2 Então mas não tinha que ir buscar a, a, as taleigas?…
INF2 Ah, mas isso [vocalização] tinham eles um…
INF1 Tínhamos um criado, um carreteiro.
INF2 Os moleiros tinham sempre um carreteiro, não eram eles!
INF1 O moinho estava…
INQ1 Ai não?
INF1 O moleiro não podia desprezar o moinho.
INF2 Não. Os carreteiros é que têm uma vida ruim; agora os moleiros não.
INF1 A gente não podia desprezar…
INQ2 Ah, tinham os carreteiros.
INF2 Tinham!
INF1 Pois, tínhamos um carreteiro que andava a acartar.
INF2 Olha que eu lembro-me um pouco aquela vida! Risos
INF1 Ora Ora eu estava sempre [pausa] estava sempre lá porque a gente não podíamos desprezar o mo- o moinho.
INF2 Muito tempo, não.
INF1 O vento hoje estava daqui, am- daqui a nada já estava dali, e se ele virasse e a gente lá não estivesse, quebrava o moinho.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Dava-lhe por trás nas velas e as velas roçavam-se para diante, iam…
INF2 Isso dormiam lá grandes sestas!
INF1 Ia-se tudo embora! Ia-se tudo embora! Ai, isso dormi lá algumas!
INF2 Isso eram… Não! Olha, isso eram te-… São terríveis para dormir os moleiros!
INQ2 O barulho, o barulho até em-, embala! Com aquele barulho, assim!
INF2 E acostumavam-se. Estavam acostumados.
INF1 Ai, eu dormia à mesma lá com o barulho do moinho!
INQ2 Claro, claro. Até serve para embalar.
INF2 Estavam acostumados. É verdade!
INQ1 Pois.
INF1 Às vezes queria eu ir com o barulho… A gente tinha essas buzinos no moinho – chamava-lhe a gente os buzinos de cana…
INF2 De cana ou de de, de barro. Também havia os buzinos de barro.
INF1 Ou de barro. De barro quebrava-se o moinho e o barro ia logo todo embora; e os de cana não, caíam e não se quebravam. E se se quebrassem, a gente arranjava logo outros.
INF2 É, punham os buzinos.
INF1 Depois a gente quando está- estávamos aqui em casa… Eu estava aqui e sabia se o moinho andava depressa, se andava devagar.
INF2 Ou não. Com aquele Com aqueles buzinos.
INF1 Com aquilo eu sabia se o moinho andava depressa ou devagar.
INQ1 Que engraçado!
INF1 Às vezes abalava daqui a correr, andava a criar os garotos, cheguei daqui a abalar… Esta ia buscar [pausa] carradas de, com a carroça e o burrico, ia buscar uma carrada de [vocalização] milho, taleigos duns e doutros, às vezes mais de dez e vinte taleigos em cima da carroça, e eu ficava aqui a trabalhar e às vezes abalava com os garotos para o moinho. Eram vidas apertadas!
INQ1 Pois, pois, pois.
INQ2 Claro.
INF2 Ah, isso eram! Eram vidas apertadas!
INF1 E a gente abalávamos e íamos íamos… Eu ia para o moinho, depois ela ia lá ter com a carrada de milho, taleigos dos fregueses, e depois às vezes estava lá, outras vezes não estava lá. Pronto. Era Passava-se assim a vida. Tinha que ser assim.
INQ2 Sim senhor.
INF2 Naquele tempo era assim.