INQ1 O seu nome?
INF1 Sou o Guilherme.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 A idade, tenho oitenta e sete anos, feito no dia 2 de Abril. Nasci em m–
INQ1 Oitenta e sete!
INF1 Nasci em 1904.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Que eu nasci!
INQ1 E nasceu aqui? Em Montalvo?
INF1 Nasci cá, sim senhor. Mas tive pouca sorte porque [vocalização], quando a minha mãe morreu, tinha dezoito meses.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Fui criado Fui criado com minhas tias.
INQ2 Daqui também?
INF1 O meu pai andava por fora na na limpeza de sobreiros, e tirar a cortiça, e tudo. E fiquei por aqui sozinho.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 E apanhei uma crise ruim, ruim! Olhe que apanhei uma criação ruim! Ia à casa das minhas tias pedir um bocadito de pão de milho. Pão de milho, que era o que se usava naquele tempo; agora ninguém sabe o que é. Se perguntarem o que é pão de milho, não sabem. De maneira que ia lá pedir e às vezes trazia-o dentro do bolso, porque os outros também tinham fome, e batiam-me na mão, caía para o chão e eu já não o apanhava. Depois lá começava a chorar, tinha que ir buscar mais. Isso é que foi a minha criação! Ia apanhar folhas, flores do marmeleiro e ia a meter na boca, a comer as flores, e das roseiras. E comer. Uma vez apanhei uma flor do do marmeleiro, tinha lá uma abelha dentro, mordeu-me na língua.
INQ2 Oh!
INQ1 Ah!
INF1 Estive Estive em casa duma tia deitado de barriga para o ar e ela a espremer-me limão aqui para dentro da boca. Aquilo doía que eu cá sei!
INQ1 Que horror!
INF1 Eu passei… Eu Eu é que sei o que eu passei, com esta idade que tenho, é que eu sei o que eu passei, minhas meninas. Pois foi!
INQ2 Isso foi uma criação difícil! Já agora, ali aquele senhor também, que idade é que o senhor tem?
INF2 Eu?
INQ2 Sim.
INF2 Setenta e nove.
INQ2 E o seu nome?
INF2 Guliver.