INQ1 Como é que era tudo até sair o vinho?
INF1 Pois o vinho, quando era aí ao fim de vinte, quase sempre, quase vinte e quatro horas, dia e noite. A [vocalização] uva aquece e começa a fermentar, tudo. Depois os homens… Antigamente!
INQ1 Sim.
INF1 Antigamente, que as coisas agora… Têm esmagadores, têm tudo, mas antigamente era era tudo a olho. Depois ia para lá os homens para dentro, com uns calções vestidos e depois acalcar com os pés, pisar tudo. Às vezes até tínhamos que ir ao…
INQ1 E dentro de quê? Dentro de quê?
INF1 Dentro do lagar.
INQ1 Ah!
INF1 Dentro Para dentro do lagar.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 O lagar, quer dizer, o quadrado, o tanque.
INQ1 O lagar é aquele?…
INF1 Pois, aquele quadrado.
INQ1 Aquele quadrado.
INF1 Vão lá à quinta, que vão que há-de lá estar um que eu mandei fazer por um tipo acolá da [nome próprio].
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Lá está, está.
INF2 Lá na quinta há, os lagares.
INF1 Vão para dentro do lagar, os homens e depois saltam lá para dentro. Patamar! Chamam-lhe um patamar àquilo.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Chama-se o patamar. Saltam lá para dentro e depois acalcam. Começa-se a acalcar. Acalcar, pisa-se tudo com uns maços de madeira, com um pau na ponta e uns maços. E acalcando à frente, porque aquilo a primeira a primeira volta, é claro, claro, está a uva ali com aquele engaço e tudo, a gente…
INF2 Têm assim um maço. É assim, a gente vai, traz na mão… A gente vai acalcando com os pés .
INQ1 Portanto, vão acalcando com os pés?
INF1 Deixa falar por causa disso.
INF2 Pois não.
INQ1 Fala um e fala o outro.
INF1 Pois. Por causa que isto – não sabe? – está a gravar.
INF2 Ah pois.
INQ1 Mas podem falar os dois.
INQ2 Podem falar os dois, desde que fale um de cada vez, podem falar os dois.
INF1 Pois, pois, pois. Pois. De maneira que a gente tem um maço, a gente depois vai acalcando à frente; e outras vezes, até tínhamos que voltar assim ao para trás, com o calcanhar, para ele ir calcar. Porque, é claro, a uva, está tudo aquilo inteiro, aquilo está duro, tudo.
INQ1 Sim.
INF1 Quando for depois à outra depois tiramos fora. Não é? Para fora. Descansa-se. Passa-se para o outro lagar. Aquele está a fermentar. Depois vai fermentando, vai vai aquecendo, vai indo, vai tudo à frente, e depois quando a gente vai, outra pisa, outra vez. Estamos ali um dia, ou coisa, tirar, a meter para dentro, deixa-se ganhar fermentação, a pisar. E depois, é claro, fica aquela noite. No outro dia, já ele está aquilo a levantar, tudo no ar. Já está o mosto a aparecer por baixo, o mosto, e já está o engaço todo a levantar por para cima. A gente depois vai lá para dentro outra vez, toca de acalcar. Começamos cá de fora, assim num patamar, com os maços a acalcar e depois saltamos lá para dentro. Toca de outra vez de acalcar. Damos ali duas ou três corridas. E ele a subir para cima! Às vezes até se conhece até se conhece, com licença, aqui as nalgas do, do do rabo, naquela espuma dentro com o vinho branco, é [vocalização] é nojento. O vinho branco é nojento. [vocalização] Ganha uma espuma branca, branca, não sei o que aquilo me parece. Muito grande! De maneira que a gente a acalcar aquilo tudo. Bom, calca-se e depois vai-se provando e vai-se pesando. Quando está a zero, quer dizer, eu para mim, por acaso, por acaso não era preciso pesá-lo. Sabia quando ele estava a zero. Quando eu o metesse na boca, o mosto, que eu fosse ali e tirasse um pouco de mosto, e metesse na boca e que me repunisse, já sabia que ele estava em ordem de sair. Agora, se eu o consentisse na boca, que estivesse ainda maduro, doce, não pode! Porque o vinho Porque há uma diferença no vinho branco para o vinho tinto: [pausa] o vinho branco pode-se fazer de bica aberta, quer dizer a gente, de bica aberta, estar a espremer e tudo, e estar a sair e ir para dentro do, do da vasilha. Lá ferve e fica bom. Fica natural. Desdobra e fica bom.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Fica natural. E o tinto não pode fazer assim. O tinto, se for com um bocadinho de maduro, um bocadinho de acidez, que leve um bocadinho, mas que seja pouco – mas que seja pouco, mas que leve pouco – de acidez, quando for no fim de cozido, lá está. Não sei se já alguma vez beberam. Eu, por acaso, quando havia, bebi algumas vezes. A gente bebe um copo de vinho, ou bebe uma pinga de vinho, e ao resto acha-o maduro, acha assim: "Eh pá, o gajo é guloso". É maduro. Esse vinho é tirado com, com com acidez, com, com com maduro ainda.
INQ1 Ah!
INF1 Não é tirado de natural. O branco pode sair de qualquer maneira e o tinto não pode. Olhe que são filhos da parreira à mesma e têm tem diferença.
INQ1 Pois.
INF1 O tinto tem que chegar para o coisa. Porque eu sucedeu-me um caso: um pouco do de vinho lá na na quinta, ali. Havia cânhamo no campo e o guarda andava de posse de mim por causa de ir [vocalização] vindimar o resto das uvas. Diz: "Eh pá! A ver se entendias mais uvas, que os os gajos do cânhamo dão cabo das das uvas todas". Lá [vocalização], de noite, iam lá às uvas todas. E ele não podia lá estar estar sempre. E eu tirei o vinho… Até, lembro-me bem, numa quarta-feira. Eu havia de passar no outro dia, havia de tirar na quinta-feira. Tirei numa quarta-feira. Tirei-o. E o vinho ia com um bocadinho de maduro. Quando foi no no fim de cozido, estava doce à mesma. O meu patrão chegou ao pé de mim e disse-me… Disse: "Ó Guilherme, não sabe?! O vinho tem que ser queimado. [vocalização] A fiscalização não mo deixa vender". "Porquê"? "O vinho tem o maduro. Quando se acaba de beber, tem o maduro". Eh pá, eu custou-me tanto aquilo – desculpem desta minha conversa –, eu custou-me tanto aquilo que eu depois andava parece-me… Um rapaz que estava lá a vender o vinho – já morreu até –, estava lá a vender o vinho, diz assim: "Eh pá, há-des ver, quando vierem aí ao vinho, dá-lhe o vinho, aquele vinho a provar a ver se querem comprar". E ele deu o vinho a p- a provar até ali a uns tipos, ali de Rio de Moinhos, a uns tipos de nota, e tal, que compravam muita porção para engarrafar. E deu a provar: "Eh pá, mas se isto é vinho! é esp-, é esp- É especialidade, pá! Este vinho, quando for ao fim de dois anos, já é é vinho do Porto. É exactamente vinho do Porto". Eu por acaso até comprei também dois litros dele. E era [pausa] engarrafado, quando foi ao fim de dois anos, era vinho do Porto. Primeiro perdeu a cor, [pausa] aquele barro assentou todo, ficou espelhado, limpinho, limpinho, dourado que não sei o que aquilo me parecia. Perdeu a cor ao caminho. E então com aquele madurozinho, aquilo era era de a gente beber e chorar por mais. Tudo. E depois eu pedi ao patrão. Ele assim: "Eh, ah, pá, mas eles ainda são capazes de depois lá ir", disse ele. Tanto lhe pedi, tanto lhe pedi, ele tinha uma máxima confiança comigo, disse: "Olhe, então diga lá então para o vender, que eu tenho lá um pouco daquele lado" – que é do Lombão, que também pertencem à mesma casa – "que está baixo, tem pouca graduação, e de maneira que eu dou-o para para a Federação, para eles queimarem, para eles lá queimarem no lugar daquele". Olhe, não chegou a durar uma semana. Eles levaram tudo, mesmo a tropa, ali aquele, aqueles aqueles sargentados, aqueles oficiais, vieram ali buscar barris deles e tudo, para engarrafarem. Mais tarde disseram-me que aquilo que era tal e qual vinho do Porto. Comiam-no por vinho do Porto. Bom, vê? É claro, a diferença. E são parreiras! São duas parreiras! É a diferença do vinho.